sábado, 13 de julho de 2019

A CP E A FESTA DOS TABULEIROS


A CP E A FESTA DOS TABULEIROS

12/07/19

                             “O mundo conduz-se por mentiras.
                              Quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo,
                              cuidará de mentir delirantemente.
                              Fá-lo-á com tanto mais êxito, quanto a si
                              próprio mais mentir e se compenetrar da
                              verdade da mentira que criou.”
                                                    Fernando Pessoa

            Como é do conhecimento geral esta festa – uma das mais importantes, pelo que representa, no nosso país – leva à cidade de Tomar centenas de milhares de visitantes, sobretudo no seu dia mais importante: o da Procissão dos Tabuleiros.
            Avisado das dificuldades em entrar e circular de carro na cidade decidi, amparado no desconto de 50% no preço do bilhete (isto da “terceira idade” também tem as suas vantagens…) ir de comboio.
            Bilhete comprado com antecedência, pois a demora nas bilheteiras assim o aconselha, e resolvido o problema de estacionar o carro junto a S. Apolónia – tarefa nada fácil por não haver nenhum parque digno desse nome junto a tão vetusta estação – lá consegui entrar no comboio regional que me levaria a Tomar em duas horas.
            Não sem um pequeno percalço.
            A composição (das 07H45) teria umas seis ou sete carruagens, mas só consegui entrar na terceira da frente por o mecanismo (botão) que abria as portas se recusar a funcionar em todas as carruagens da retaguarda. Diga-se que também não se pode passar interiormente de uma para a outra carruagem.
            O resultado disto foi que o comboio saiu com as carruagens disponíveis completamente cheias e com muita gente em pé.
            As carruagens, cuja idade ignoro, têm um aspecto “idoso” e pouco cuidado com assentos muito desconfortáveis, onde qualquer conceito ergonómico está ausente.
            Na primeira paragem – a estação do Oriente – o comboio foi invadido por uma turba de gente (com muitos turistas), resultando ficar tipo “sardinha em lata”. E nunca mais deixaram de entrar pessoas até Tomar…
            Aquelas acomodavam-se como podiam no meio de carros de bebé, “gaiolas” de cães, gente sentada no chão.
            Era nítido o desconforto das pessoas idosas e ou, alquebradas, o que fez com que lhes fossem cedidos alguns lugares, mas noutros casos também não…
            O problema das portas abrirem só ficou resolvido por alturas de Vila Franca de Xira e até hoje não sei dizer se foi avaria ou feito de propósito.
            Não há lugares marcados nos bilhetes e nunca apareceu um revisor. Dado que as paragens passassem a ser mais longas que o normal, o comboio chegou com cerca de 25 minutos de atraso.
            A única coisa que felizmente funcionou, foi o ar condicionado.
            O regresso a Lisboa foi idêntico, salvo o problema das portas e o atraso.
            Não fiquei cliente da opção que fiz.
            A gestão estatal dos transportes públicos tem-se mostrado, há mais de quatro décadas, ruinosa e incompetente. Foi agora notícia nos “média” que o Governo não aprova as contas da CP faz anos; o prejuízo acumulado é estimado em 2000 mil milhões de euros…
            O que se passa na, e com a “Soflusa” é simplesmente escabroso, e fiquemos por aqui. A população tem-se mostrado mansa e tansa.
            A responsabilidade maior tem a ver com as sucessivas administrações nomeadas pelos diferentes governos, nomeadamente de entre os “boys e girls” dos Partidos que os apoiam. Um forró que já bate de longe a bandalheira da Monarquia Liberal e sobretudo da I República.
            A seguir temos que considerar as leis da greve e do trabalho que potenciam e exponenciam as injustiças e barbaridades, nas greves, nos contratos de trabalho, na desorganização e indisciplina laboral, baixas fraudulentas, abusos das horas extraordinárias, etc.
            A falta de fiscalização adequada favorece o desregramento financeiro e a corrupção, já de si facilitada pelo decaimento da educação moral, religiosa e ética da população, por via do descalabro das relações familiares, do funcionamento da Escola e do desregramento da comunicação social.
            No caso do transporte ferroviário a má prestação do serviço ainda tem uma agravante de peso: este sector fundamental dos transportes (e da economia) deixou de ter qualquer prioridade – o que só deve ter sido ultrapassado pela quase liquidação da Marinha Mercante – nos últimos 40 anos em favor das auto - estradas e dos camiões ”TIR”. Um erro estratégico de monta.
            Parece que agora se estão a dar conta disso. Pois é, mas agora a dívida é que lidera as coisas…
            Seja como for podíamos tentar minorar os problemas. Ocorre-me dizer que sendo difícil reservar os lugares neste tipo de composição dado o número de paragens que efectua, talvez se pudesse tentar não vender mais bilhetes do que lugares disponíveis e já que se sabe com uma antecedência de quatro anos que vai haver festa dos tabuleiros – uma coisa que até hoje em dia a Igreja aceita participar depois de ter tentado solapar, no século XVI, os fundamentos que a sustentam – talvez se pudesse programar uns quantos comboios extra. Partindo do princípio, é claro, que existe material circulante suficiente (e operacional) e gente disponível, para tal. O que, a acreditar nas notícias que há algum tempo a esta parte começaram a transbordar, não existe.
            Lamentavelmente não podemos, assim, aceder aos apelos lancinantes cheios de argumentos e apelos sociais, financeiros, de cidadania e sobretudo ecológicos, que as mais diferentes personalidades, governantes, autarcas, comentadores, forças partidárias, nos fazem com uma frequência inusitada, para deixarmos o carro na garagem (ou mais propriamente na rua) e utilizarmos os transportes públicos, de resto um cancro mal cheiroso da Sociedade e do Estado Português.
            Uma última questão: já alguma vez se fizeram contas de quanto é que o Ministério das Finanças deixava de arrecadar em impostos, cobrados leoninamente nos combustíveis, se a maior parte dos portugueses deixasse o carro para andar encaixotado nos transportes públicos?



                                      João José Brandão Ferreira
                                     Oficial Piloto Aviador (Ref.)

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