A CP E A FESTA DOS
TABULEIROS
12/07/19
“O mundo conduz-se por mentiras.
Quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo,
cuidará
de mentir delirantemente.
Fá-lo-á com tanto mais êxito, quanto a si
próprio mais mentir e se
compenetrar da
verdade da mentira que criou.”
Fernando Pessoa
Como
é do conhecimento geral esta festa – uma das mais importantes, pelo que representa,
no nosso país – leva à cidade de Tomar centenas de milhares de visitantes, sobretudo
no seu dia mais importante: o da Procissão dos Tabuleiros.
Avisado
das dificuldades em entrar e circular de carro na cidade decidi, amparado no
desconto de 50% no preço do bilhete (isto da “terceira idade” também tem as
suas vantagens…) ir de comboio.
Bilhete
comprado com antecedência, pois a demora nas bilheteiras assim o aconselha, e
resolvido o problema de estacionar o carro junto a S. Apolónia – tarefa nada
fácil por não haver nenhum parque digno desse nome junto a tão vetusta estação
– lá consegui entrar no comboio regional que me levaria a Tomar em duas horas.
Não sem um pequeno percalço.
A
composição (das 07H45) teria umas seis ou sete carruagens, mas só consegui entrar
na terceira da frente por o mecanismo (botão) que abria as portas se recusar a
funcionar em todas as carruagens da retaguarda. Diga-se que também não se pode
passar interiormente de uma para a outra carruagem.
O
resultado disto foi que o comboio saiu com as carruagens disponíveis completamente
cheias e com muita gente em pé.
As
carruagens, cuja idade ignoro, têm um aspecto “idoso” e pouco cuidado com
assentos muito desconfortáveis, onde qualquer conceito ergonómico está ausente.
Na
primeira paragem – a estação do Oriente – o comboio foi invadido por uma turba
de gente (com muitos turistas), resultando ficar tipo “sardinha em lata”. E
nunca mais deixaram de entrar pessoas até Tomar…
Aquelas
acomodavam-se como podiam no meio de carros de bebé, “gaiolas” de cães, gente
sentada no chão.
Era
nítido o desconforto das pessoas idosas e ou, alquebradas, o que fez com que
lhes fossem cedidos alguns lugares, mas noutros casos também não…
O
problema das portas abrirem só ficou resolvido por alturas de Vila Franca de
Xira e até hoje não sei dizer se foi avaria ou feito de propósito.
Não
há lugares marcados nos bilhetes e nunca apareceu um revisor. Dado que as
paragens passassem a ser mais longas que o normal, o comboio chegou com cerca
de 25 minutos de atraso.
A
única coisa que felizmente funcionou, foi o ar condicionado.
O
regresso a Lisboa foi idêntico, salvo o problema das portas e o atraso.
Não
fiquei cliente da opção que fiz.
A
gestão estatal dos transportes públicos tem-se mostrado, há mais de quatro
décadas, ruinosa e incompetente. Foi agora notícia nos “média” que o Governo
não aprova as contas da CP faz anos; o prejuízo acumulado é estimado em 2000
mil milhões de euros…
O que se passa na, e com a “Soflusa”
é simplesmente escabroso, e fiquemos por aqui. A população tem-se mostrado
mansa e tansa.
A responsabilidade maior tem a ver
com as sucessivas administrações nomeadas pelos diferentes governos,
nomeadamente de entre os “boys e girls” dos Partidos que os apoiam. Um forró
que já bate de longe a bandalheira da Monarquia Liberal e sobretudo da I República.
A
seguir temos que considerar as leis da greve e do trabalho que potenciam e
exponenciam as injustiças e barbaridades, nas greves, nos contratos de trabalho,
na desorganização e indisciplina laboral, baixas fraudulentas, abusos das horas
extraordinárias, etc.
A
falta de fiscalização adequada favorece o desregramento financeiro e a corrupção,
já de si facilitada pelo decaimento da educação moral, religiosa e ética da
população, por via do descalabro das relações familiares, do funcionamento da
Escola e do desregramento da comunicação social.
No
caso do transporte ferroviário a má prestação do serviço ainda tem uma
agravante de peso: este sector fundamental dos transportes (e da economia)
deixou de ter qualquer prioridade – o que só deve ter sido ultrapassado pela
quase liquidação da Marinha Mercante – nos últimos 40 anos em favor das auto -
estradas e dos camiões ”TIR”. Um erro estratégico de monta.
Parece
que agora se estão a dar conta disso. Pois é, mas agora a dívida é que
lidera as coisas…
Seja
como for podíamos tentar minorar os problemas. Ocorre-me dizer que sendo difícil
reservar os lugares neste tipo de composição dado o número de paragens que
efectua, talvez se pudesse tentar não vender mais bilhetes do que lugares
disponíveis e já que se sabe com uma antecedência de quatro anos que vai haver
festa dos tabuleiros – uma coisa que até hoje em dia a Igreja aceita participar
depois de ter tentado solapar, no século XVI, os fundamentos que a sustentam –
talvez se pudesse programar uns quantos comboios extra. Partindo do princípio,
é claro, que existe material circulante suficiente (e operacional) e gente
disponível, para tal. O que, a acreditar nas notícias que há algum tempo a esta
parte começaram a transbordar, não existe.
Lamentavelmente
não podemos, assim, aceder aos apelos lancinantes cheios de argumentos e apelos
sociais, financeiros, de cidadania e sobretudo ecológicos, que as mais
diferentes personalidades, governantes, autarcas, comentadores, forças partidárias,
nos fazem com uma frequência inusitada, para deixarmos o carro na garagem (ou
mais propriamente na rua) e utilizarmos os transportes públicos, de resto um
cancro mal cheiroso da Sociedade e do Estado Português.
Uma
última questão: já alguma vez se fizeram contas de quanto é que o Ministério
das Finanças deixava de arrecadar em impostos, cobrados leoninamente nos
combustíveis, se a maior parte dos portugueses deixasse o carro para andar
encaixotado nos transportes públicos?
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
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