domingo, 24 de setembro de 2017

LANÇAMENTO DO LIVRO SOBRE AFONSO DE ALBUQUERQUE



LANÇAMENTO DO LIVRO SOBRE AFONSO DE ALBUQUERQUE

ACADEMIA DE MARINHA, 21 DE SETEMBRO DE 2017.






Exmº Senhor Almirante Vidal Abreu
Restantes membros da mesa
Caros académicos
Minhas senhoras e meus senhores

                Bem hajam por se terem dado à maçada de virem assistir ao nascimento deste meu último descendente, já que o livro ora lançado perpetua uma parte do meu pensamento, logo da minha existência.
                Vou falar-vos um pouco sobre Afonso de Albuquerque, pois é dele que trata o livro que agora dá à estampa.
               E vou começar por dizer um poema de Miguel Torga, a ele dedicado e que foi musicado para o CD “Portugal Sempre”, por José Campos e Sousa. Reza assim:
“Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à India a defender-lhe a sorte.

Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha à tona deste lodo.

De Oeste a Leste a Índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.

Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar…
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.

Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.

Por isso a índia há-de acabar em fumo
Nesses doiros paços de Lisboa;
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa

Por isso o Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.

Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim…
Do que fiz não cuido agora:
A índia inteira falará por mim.”

                O fidalgo Afonso que foi governador da índia, também conhecido pelo ”Grande”, o “Leão dos Mares”, o “César do Oriente”, o “Marte Português”, o “Tirribil”, e a quem D. Manuel i, depois da sua morte e arrependido do modo como o tratara, fez vice-rei daquela e distinguiu com os títulos de Duque de Goa, Senhor do Mar Vermelho e, ainda, concedendo-lhe o tratamento de “Dom”.
                E a quem, um notável ancião de Orfação ofereceu um livro em persa, sobre a figura de Alexandre Magno – de quem Albuquerque era admirador – tendo considerado os portugueses mais valentes do que aquele grande - capitão.
                 Não me parece vã e desajustada esta asserção.
                De facto Albuquerque reunia todas as qualidades de um estadista, para além das de chefe militar que foi o seu mister inicial e mais prolongado no tempo. Onde revelou sempre serena e ponderada coragem e energia debaixo de fogo, e nas circunstâncias mais extremas.
                Como guerreiro combateu em Toro, e esteve duas vezes em Arzila. Foi na armada a Taranto e participou na tomada de Graciosa e em todas as campanhas militares onde Portugal esteve contemporaneamente envolvido.
                Foi à Índia pela 1ªvez sem piloto e foi o primeiro europeu a penetrar no Mar Vermelho.
                Como administrador e político, a Índia fala por ele. Foi inovador e estava à frente do tempo.
                Tinha senso diplomático e era de uma argúcia sibilina.
                Era um geoestratega de alto gabarito, tendo delineado um plano de dominação do Índico que até hoje não foi superado!
               E complementava tudo com uma humanidade que tocava os simples, sem quebra do seu escrúpulo de justiceiro implacável, afastado de toda a cupidez que tantos demonstravam ter. Conhecia a natureza humana e não tinha ilusões sobre os homens.
                Albuquerque via tudo e atendia a tudo!
                Que exemplo para todas as gerações! E é desse exemplo que é mister falar na actualidade.
                Esta é a razão principal para a elaboração deste pequeno ensaio – que será a sua eventual mais-valia - já que não pretende ser uma obra de fôlego, sobre esta grande figura da história dos portugueses, muito menos uma “obra definitiva”.
                Que exemplo pode então ser Afonso de Albuquerque para os portugueses de hoje, sobretudo para aquelas gerações completamente arredadas e desconhecedoras da História dos seus maiores?
                A História dos países é feita pelos grandes vultos desses países: os estadistas, os chefes militares, os jurisconsultos, os filósofos, os artistas, os cientistas, os escritores, enfim todos aqueles que se destacam positivamente nos diferentes campos e profissões em que se distribui a actividade humana. Onde se avantajam os santos e os heróis.
                Por todos aqueles que se atêm aos princípios elevados e â prática do bem.
                E também pela qualidade da generalidade do povo, que vive, trabalha, luta e muitas vezes morre e, quando devidamente liderado e enquadrado, sustenta os maiores sacrifícios em prol da pátria comum.
                A História não é feita, como defende o compêndio marxista por lutas de classes; movimentos de massas; baseado em factores de estipendio económico.
                Muito menos por anti-heróis.
                Tão pouco explicada e distorcida por correntes ideológicas; ou orientada por uma pseudo União Europeia que se esforça em ocultar tudo aquilo que pode dividir os países membros em prol de uma mestiçagem histórica, postiça, mentirosa e apócrifa.
                A História é feita por homens e mulheres que em função das suas crenças, posição, oportunidade e circunstância, decidem actuar de um modo e não de outro.
                Ora Albuquerque é um paradigma de tudo isto.
                Ele representa uma ideia de vida com dimensão espiritual; um defensor de causas; um lutador determinado sem desfalecimentos; a lealdade consciente e lúcida ao seu país e ao seu rei, apesar de todos os vilipêndios de que foi alvo.
                Este homem, da confiança de D. João II, era uma força da natureza; era culto, era competente e era bravo. Tinha consciência das suas capacidades – ou seja conhecia-se a si próprio e aos outros - mas não exorbitava, sem embargo de alguns acessos de cólera que tinha, que eu diria compreensíveis face a tudo por que passou.
                E como disse aquele que foi provavelmente o maior estadista português de todos os tempos: ”existem santos entre os homens, mas os homens não são santos”…
                Significando a perfeição estar longe dos humanos.
                 Uma realidade que todos nós e sobretudo os legisladores, teimamos em ignorar!
                Albuquerque é um exemplo extraordinário de militar, cujos feitos e actuação nos emocionam, fazem correr o sangue mais depressa nas nossas veias e nos impelem a saltar da cadeira onde estejamos sentados!
                Ao ler a descrição dos seus combates percorre-nos uma corrente eléctrica incontrolável que nos põe a epiderme em “pele de galinha” e nos enche de um orgulho incontido.
                Albuquerque gozou do raro privilégio de ser respeitado e admirado, para além de temido, pelos seus inimigos (que não os da Corte…).
                E um homem cuja memória ainda hoje é venerada no principal território que refundou, que se manteve 450 anos português, mesmo 60 anos após a nossa lamentável partida, não pode ser um homem qualquer.
                 E tem de ser um homem com “H” maiúsculo e um homem bom.
                                                                       *****
                Afonso de Albuquerque é, porém, para a maioria da sociedade moderna e modernaça, uma espécie de anacronismo!
                E, todavia, ele representa um pilar da sobrevivência dos povos.
                A Honra, de que as suas barbas representavam uma espécie de penhor, valia mais do que todas as riquezas do mundo.
                Mas só quem tem o desapego das coisas materiais e, até da vida – entendida como terrenamente finita – pode realizar grandes coisas e, mesmo falhando, é invencível.
                Só um crente pode comportar-se assim e Albuquerque era-o. E pertencia à mui nobre ordem militar/religiosa de Santiago da Espada.
                E, caros compatriotas aqui presentes, nós estamos a necessitar de “ordens” como aquela, como de pão para a boca.
                As Ordens Militares foram transformadas e depois extintas e substituídas, primeiro pelo absolutismo real; depois pelos partidos políticos.
                Só as ditaduras de "nuances" marxistas e aquelas dos financeiros capitalistas apátridas conseguiram e conseguem, ser mais funestas que aquelas!
                Ora um país que se esquece, por ignorância, diletantismo ou má-fé, de evocar, comemorar e exaltar os 500 anos do passamento desta figura maior da História Pátria, é um país e uma sociedade profundamente doente e a caminho da auto - destruição.
                Que é o caminho que levamos, até em termos demográficos.
                É dos feitos deste nosso ilustre antepassado provavelmente o maior combatente português de todos os tempos, que trata este meu livro cuja chegada a bom porto – não podemos esquecer que estamos numa casa da Marinha - devo agradecer sinceramente e com gosto, à editora “Nova Vega”, na pessoa do Sr. Assírio Bacelar, à Academia de Marinha, na pessoa do seu presidente Almirante Vidal Abreu e ao seu Secretário-Geral, Comandante Zambujo, que operacionalizou a cerimónia, e ao Almirante Vieira Matias, a quem saúdo especialmente, pela consideração demonstrada, por ter escrito o prefácio e feito a apresentação.
              Desse modo o livro também passou a ser seu.
                A V.Ex.ª que com a vossa presença, deram o brilho necessário ao evento e que aguentaram firme tudo o que aqui foi dito e, com a vossa generosidade se espera fazer face aos custos da edição, o meu muito obrigado.
                Como faço anos daqui a dois dias, creio ter usufruído, por antecipação de uma boa prenda.
                E que viva Afonso de Albuquerque!
                      Muito obrigado.


                                                                                                              João José Brandão Ferreira

terça-feira, 19 de setembro de 2017

A FORMAÇÃO DOS PILOTOS CIVIS



A FORMAÇÃO DOS PILOTOS CIVIS
11/9/17


“Um piloto é uma pessoa normal em excelentes condições psicofísicas”
  Definição “clássica “de piloto

               

A formação dos pilotos civis é hoje regulada nos países da União Europeia, fundamentalmente pelo Regulamento 1178, da UE, de 3 de Novembro de 2011, que foi também adoptado pelo nosso País.[1]
                A nível da ANAC – Autoridade Nacional para estes assuntos, dependente do Secretário de Estado dos Transportes – alguns dos aspectos neste âmbito são regulados por CIAs (Circulares de Informação Aeronáutica).
             À ANAC cabe ainda supervisionar, fiscalizar, regular, controlar e manter registo de todas as actividades relacionadas com a instrução de pilotagem a cargo das escolas de pilotagem, licenciadas e aprovadas por aquela Autoridade: as ATO “Approved Training Organization”.
                Os requisitos para um cidadão poder, por exemplo, tirar um curso integrado de piloto de linha aérea (ATPL - que é, digamos, o mais elevado), obriga a que a idade mínima seja de 18 anos (para a emissão da licença que, no início da sua carreira é a de piloto comercial – a de piloto de linha aérea exige, entre outras coisas, pelo menos 1500 horas de voo como piloto), ter o 12º ano de escolaridade, ou equivalente, incluíndo as cadeiras de Matemática e Física, e passar num exame médico efectuado em organização licenciada para o efeito (classe 1), mediante uma tabela de exames aprovada. [2]
                A partir daqui a parte administrativa, cumprimento das aulas teóricas, efectivação do programa de voos (tudo especificado no tal Regulamento supra e traduzido em manuais aprovados para cada escola), marcação de exames e fluxo da burocracia correspondente, passa para as ATOs.
              O curso tem a duração máxima de 36 meses.
                O extraordinário desenvolvimento da aviação comercial (quer de transporte de passageiros, carga ou trabalho aéreo) levou a que a necessidade de tripulações, nomeadamente pilotos, se tornasse geométrica, por vezes exponencial.[3]
                A tendência não mostra sinais de abrandar e as relações de trabalho vão desde o capitalismo selvagem à ditadura dos sindicatos.
                Ora tudo isto levou à massificação da formação e ao florescimento de um negócio apetecível.
                Na necessidade de formação de pilotos para a aviação civil deve ser tido em conta ainda, o cada vez menor número de pilotos militares que passam ao mercado civil, dado as Forças Aéreas (onde a instrução é muito mais dura e completa) terem vindo a ser reduzidas drasticamente em todos os países ocidentais.
                Ora a combinação da ”massificação” com a variável “negócio” pode dar (e está a dar) muito maus resultados.
                Em primeiro lugar porque na massificação (há quem lhe chame “democratização”) há uma tendência irresistível para baixar os padrões de exigência e qualidade aferindo-se cada vez mais por baixo. Por outro lado a supervisão e o controlo da qualidade torna-se mais difícil pelo volume de meios envolvidos.
                A questão do negócio pode tornar toda a questão “explosiva”. Porquê?
                Naturalmente, por causa da natureza humana.
                Em primeiro lugar, pela ambição desmedida do lucro – não confundir com a razoável necessidade de se obter “superavit”, sem o que nenhuma empresa sobrevive; depois pela necessidade de as empresas se tornarem competitivas a fim de atraírem potenciais clientes; finalmente porque o constante disparar dos custos dos ”factores de produção” (manutenção, taxas aeroportuárias, licenças, combustível, etc.), onde os salários dos profissionais envolvidos são sempre os parentes pobres! 
              Para já não falar, no caso português, da carga fiscal massiva imposta por sucessivos desgovernos, que traz a totalidade das empresas asfixiadas em termos financeiros.
             Finalmente a eventual acção de “lobbies” da “indústria” aeronáutica, em quem legisla, não é de descurar…
               Ora tudo isto constitui uma pressão imensa que leva a que se tente compensar com a redução de horas de voo, e, ou trocá-las por simulador; na diminuição ou exclusão de treino em manobras essenciais (por ex. perdas, “vrilles”, atitudes anormais); menor qualidade dos equipamentos e sua manutenção, etc.
              Sempre com a desculpa da evolução tecnológica e dos automatismos, por pano de fundo, o que finalmente começou a ser posto em causa com a tragédia do voo da Air Fance 447, rio de Janeiro – Paris, em 31/5/2009, que causou 228 mortos.
                Como factores adicionais de problemas, em todo este âmbito, temos o facto de cada vez, ser mais difícil encontrar instrutores de voo disponíveis (não existe nada que se assemelhe a uma carreira de instrutor e a função é mal paga – é aliás o parente pobre da aviação (idem para examinadores); a selecção dos alunos é cada vez pior e as empresas passaram a ter a péssima postura de tratarem os alunos como clientes que pagam (alguns julgam até que têm direito garantido ao brevet…) e por isso só têm direitos, ao contrário de os tratar e assumir que eles são instruendos que necessitam demonstrar que têm motivação, capacidade, querer e proficiência para conseguir uma boa prestação e assim obterem honestamente os seus diplomas e qualificações.
                É preciso não esquecer que todo este estado de coisas deriva em grande parte da desastrosa permissividade, facilitismo, indisciplina, falta de autoridade e qualidade e das experiências pedagógicas delirantes, de que sofre o ensino privado e, sobretudo, público, português. [4]
               E da cada vez maior falta de educação existente, derivada da desagregação da família e do relativismo moral reinante.
               O que contaminou toda a sociedade.
                E se isto não deve ser assim em todas as profissões creio que o pessoal navegante deve estar no grupo mais selecto, onde esta necessidade é prioritária. Penso não ter que explicar porquê.
                Ora a única entidade que está, isto é, devia estar capacitada para garantir a qualidade de todo o ensino de pilotagem, e não só, é a ANAC, e o Governo e a AR - aqueles que legislam sobre o assunto.
                Infelizmente desde a fundação daquela autoridade, em 1946 (DL 36061, de 27/9), com o nome de Direcção Geral de Aeronáutica Civil, raros foram os momentos (se é que algum), em que esta Autoridade esteve minimamente apetrechada em termos de meios, organização e liderança para bem cumprir a sua missão.[5]
                Creio que esta afirmação não irá escandalizar qualquer cidadão que destes assuntos tenha um conhecimento, mesmo que ténue.
                Ora a legislação internacional da União Europeia onde, por norma, nos integramos acriticamente, não impede salvo melhor opinião, que cada país (e por enquanto ainda há países!) não possa definir critérios mais apertados que tenham em conta os seus interesses ou especificidades próprias.
                Deste modo parece haver um conjunto de medidas que urge tomar.
                E a primeira é esta: é urgente tornar um curso de piloto comercial equivalente a um curso superior. A uma licenciatura que mais tarde, para quem quiser e estiver habilitado, possa evoluir para um mestrado e um doutoramento.
                É perfeitamente desajustado e desprestigiante ter um comandante de linha aérea, cujas habilitações se fiquem pelo 12º ano de escolaridade e por um “curso técnico”…
                Com a inacreditável agravante de a legislação obrigar a que estejam incluídas as cadeiras de matemática e física, mas simultaneamente se permita que haja candidatos a pilotos e oficiais de operações de voo, que se possam inscrever nas ATOs sem estas cadeiras e frequentem um micro curso de 15 horas em cada uma daquelas matérias (e passem) antes de iniciarem as aulas do curso propriamente ditas.
                O estado actual da organização social e do mercado faz com que este desiderato possa mais facilmente ser atingido através de parcerias entre Universidades e ATOs.
                Esta modalidade permitiria ainda implementar a obrigatoriedade da existência da disciplina de educação física, dada a importância que a boa condição física tem num piloto, e sabendo-se a deplorável situação em que a esmagadora maioria dos candidatos a tripulantes chegam à porta das escolas.
                Além disso estas aulas deviam visar os conhecimentos para a vida, para que estes futuros profissionais estejam aptos a manter a sua condição física à medida que a idade avança.
                Outro aspecto em que o facilitismo (e a redução de custos) entrou a imperar, tem sido nas inspecções médicas. Mesmo não tendo conhecimentos apropriados nessa área arrisco-me a dizer que a triagem está facilitada e que, por exemplo, o exame conhecido por eletroencefalograma nunca deveria ter sido eliminado, para já não falar na área da Psiquiatria que é pura e simplesmente ignorada.
                Não é minimamente razoável, outrossim, que os candidatos a piloto (ou outros) não sejam sujeitos obrigatoriamente a testes psicotécnicos eliminatórios antes de começarem os cursos.
                Tal facto deixa ao livre arbítrio de cada um e ao das escolas, fazerem-no ou não; faz entrar nos cursos uma quantidade elevada de gente que não tem capacidade mínima para a frequência do (s) curso (s) – emperrando todo o sistema – deixa passar entre as malhas pessoas que melhor seria terem escolhido outra profissão, além do que vai originar, mais tarde, uma quantidade de gente frustrada (por não arranjarem emprego), ou profissionais com limitações, na sua vida futura.
                Ora mais uma vez aqui a acção da ANAC devia ser fundamental, a fim de garantir uma descriminação positiva entre os candidatos e entre as ATOs, bem como a de assegurar que as entidades que estejam devidamente licenciadas para efectuarem exames médicos e psicotécnicos, sejam auditadas frequentemente a fim de impedir que o “negócio” e a “concorrência desleal” passe para esse âmbito.
                Do mesmo modo que deve haver um sistema que permita fazer inspecções inopinadas, a fim de detectar quaisquer uso de substâncias psicotrópicas ou excesso de álcool, nos corpos docentes e discentes.
                O serviço de medicina aeronáutica da ANAC deveria estar habilitado, ainda, a receber e tratar casos de alunos com problemas psicológicos ou psiquiátricos que se venham a revelar durante os cursos.
              Seria ainda muito conveniente que todos os assuntos que levantam problemas de interpretação e possam afectar o normal desenvolvimento da actividade das ATOs fossem objecto de CIAs a fim de se uniformizarem procedimentos – uma palavra - chave em toda a aviação – e, ou garantir a justiça relativa entre os intervenientes – uma pedra de toque nas relações humanas.
            Seria ainda de boa prática, disciplinar os contactos funcionais e hierárquicos entre as ATO versus ANAC, bem como os contactos entre a entidade e os alunos, que regulamentarmente se devem fazer através das ATOs e vice – versa.
             Complementarmente a tudo isto e às sempre necessárias e desejáveis inspecções periódicas ou reuniões avulsas seria, estamos em crer, de ponderar a criação de um “órgão/fórum” a nível da ANAC que reunisse anual ou bianualmente, com o fito de fazer o balanço da actividade de instrução no âmbito aeronáutico civil, onde se fariam representar todas as entidades tidas por pertinentes, e onde também se pudessem discutir os problemas que houvesse neste campo de actividade.
              Que é onde tudo começa.
                Finalmente será de eliminar liminarmente a possibilidade de se aceitarem candidatos com o 12º ano sem matemática e física.
                E será de ponderar, ainda, que as ATOs ou a ANAC obriguem à realização de exames prévios sobre conhecimentos gerais, dado não se poder confiar nos conhecimentos dos jovens formados nas escolas secundárias, que se deveriam voltar a chamar liceus e escolas comerciais e técnicas.
                De saudosa memória.
                É que, a maioria dos alunos que frequentam um curso de pilotagem não sabem, sequer, a tabuada. E juro que falo com conhecimento de causa!
               A complicar as coisas inventou-se um sistema de ensino modular. Isto é, para os alunos que não conseguem finalizar o curso no prazo previsto (36 meses), é-lhes agora permitido continuarem o curso por módulos (nocturno, instrumentos e multimotor), desde que tenham cumprido determinados requisitos.
              Ora tal modalidade além de tender a causar uma gestão caótica nos cursos, subverte por completo uma “base doutrinária”, há muito estabelecida na Aviação e que é esta: um candidato a piloto tem não só de ser capaz de se tornar proficiente num conjunto de matérias, exercícios e procedimentos, mas também de o fazer num determinado período de tempo.
              Não é como outro curso qualquer que um “aluno” pode continuar aluno “ad eternum”.
              E sabem que mais? Esta doutrina está, a vários títulos, correcta!
              E já nem vou falar na “licença de piloto “multi – crew (MPL), e no “e - learning”, ou ensino à distância…
                                                                *****
               Dado que os cursos de pilotagem são muito caros e desenvolvem-se num relativo curto espaço de tempo, devem ser pensadas formas de financiamento atrativas, que permitam aos candidatos a pilotos e ATOs, suportar os custos de formação inerentes, sob pena de todo o sistema colapsar ou, no mínimo, não se conseguir a breve trecho o número de pilotos em quantidade e qualidade, que o mercado requer.
                Tudo o que se passa com o espectro dos alunos que vêm frequentar um curso de pilotagem civil – a sua idade, formação, motivação, trilho de vida, etc. – daria um interessante estudo sociológico. Mas ainda ninguém se lembrou de o fazer.
                ANAC, sindicatos, associações de pessoal navegante, indústria aeronáutica, empresas de aviação, etc., poderiam aqui ter um papel relevante.
                É que neste âmbito, como noutros, o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho, é no dicionário.
                Se tiverem dúvidas, mesmo assim, meditem no lema do ministério da educação de Singapura (que bem deveria ser copiado para o de Portugal): se acham que a Instrução é cara, experimentem a ignorância!


                                                                                                        João José Brandão Ferreira
                                                                               TCor Pil AV/Comd. Linha Aérea/Instrutor de voo


[1] Aprovado no seguimento do Regulamento (EC) nº 216/2008, de 20 de Fevereiro, do Parlamento Europeu.
[2] A legislação que se aplica em Portugal é a da UE; porém, quando a legislação europeia é omissa e existe legislação nacional, aplica-se esta, desde que não conflitua com aquela. O que regulava do anterior estes aspectos era o decreto – lei 17- A/2004, de 16 de Janeiro (que sofreu uma alteração dos seus artigos 28 e 29, em Agosto desse ano), que postula (e é idêntico para o curso de piloto comercial - CPL) “ a) ter completado 18 anos de idade à data de emissão da licença; b) ter completado o 12º ano de escolaridade ou equivalente em área que inclua as disciplinas de Matemática e Física ou demonstrar conhecimentos de matemática e física mediante aprovação em exame a realizar pelo INAC, tendo neste último caso, de ter completado, pelo menos, a escolaridade mínima obrigatória”.
     Ora aqui levanta-se a dúvida se os candidatos a admitir têm de ter o 12º ano ou basta o 9º (que representa a escolaridade mínima obrigatória, em Portugal, mais os tais exames (ridículos) nas disciplinas apontadas. Presume-se que o decreto-lei esteja em vigor, já que o Reg. 1178, é omisso nestes pontos.
[3] Em artigo credível, do caderno de Economia do “Expresso” de 19/8/17, é afirmado que serão necessários 617 mil pilotos, para a aviação comercial, até 2035.
[4] Eu sei que não é só o nosso, mas com o mal dos outros posso eu bem, como soi dizer-se.
[5] Decreto – Lei 36061, de 27 de Dezembro.