sexta-feira, 27 de abril de 2012

O REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR

“Há profissões heroicas, cuja condição é a grandeza de alma, e que não admitem meio termo entre a infâmia e a glória. Entre elas está a de soldado”.
Moniz Barreto

Tenho para mim que o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) foi um dos melhores diplomas de toda a história da legislação portuguesa.

O RDM incorporava uma sabedoria e um refinamento de muitos séculos, era equilibrado, eficaz e contemplava todas as situações possíveis.

As primeiras leis militares portuguesas perdem-se nas brumas dos tempos, mas não andaremos longe da verdade se dissermos que foi o muito culto Rei D. Duarte que primeiro elaborou, com alguma sistematização, sobre a matéria.

Muitos outros se lhe seguiram, sendo de salientar as Ordenações Afonsinas (de D. Afonso V); os notáveis regulamentos promulgados por D. Sebastião; a vasta legislação concebida durante a Guerra da Restauração (ou da “Aclamação”); os excelentes regulamentos legados pelo Conde de Shaumburg Lippe (incluindo para Armada), em 1763; as reformas levadas a cabo por Carr Beresford, ao tempo das invasões franceses e a extensa legislação produzida ao longo do século XIX são, também, relevantes donde se destaca o primeiro Código de Justiça Militar, de 1875, e o Regulamento de Disciplina, para o Exército.

Com a I República toda a legislação militar se moderniza tentando-se colmatar as omissões e erros que o fim da Monarquia Constitucional tinha deixado acumular.

E é já no fim dessa mesma República que se harmonizam os regulamentos de disciplina do Exército e da Amada, de modo a criar-se um único documento que servisse ambas as Corporações.

E, assim, nasceu o RDM, em 1 de Dezembro de 1925.

Este documento, porém, tinha os seus antecedentes próximos, no Regulamento de Disciplina do Exército, promulgado em 19 de Janeiro de 1911. Este, por seu lado, foi revisto por expressa autorização datada de 20/7/1912, cujos trabalhos terminaram com a publicação do texto remodelado, em 2/05/1913 (o último regulamento disciplinar da Armada do tempo da Monarquia, era de 20/06/1907, que foi substituído por outro também de 1913, Dec. nº 80 de 25/8).

Desde então sofreu uma nova revisão, em 1929 e 10 adaptações entre essa data e 1965 (sendo a 1ª de 1943).

Em 1977, sobretudo tendo em conta a mudança constitucional havida em 1976, foi feita uma nova revisão, promulgada a 9 de Abril desse ano (Dec. Lei. 142/77).

Todas estas revisões, contudo, não alteraram a substância do documento nem, tão pouco, as linhas mestras nele vertidas, que muitas décadas de aplicação, tanto em tempo de paz como de guerra, na Metrópole e no Ultramar, tinham consolidado.

O RDM parecia um documento à prova de bala.

Eis senão quando, três décadas e algumas revisões constitucionais depois e, ainda, após o fim da Justiça Militar, como tal, e o encerramento dos tribunais militares – uma medida profundamente errada e escusada, que há - de terminar sem lustre nem glória – se quis novamente mexer no RDM, o que ocorreu através da lei Orgânica 2/2009, de 22 de Julho, tendo, agora sim, introduzido alterações profundas que já estão a afectar, negativamente, a disciplina.

Também neste caso houve pouca participação da IM e muita influência de civis que têm da realidade militar apenas uma ténue ideia (quando não têm má intenção).

A hierarquia militar tornou em não se opor a nada em termos que ultrapassassem uns memorandos de alerta.

Não vamos analisar todo o documento e os problemas que transporta – isso daria um trabalho de outra dimensão – mas vamos ilustrar o ponto analisando apenas um “item”, justamente o introito ao célebre artigo 4º - conhecido “por aquele que dava para punir”, e aos seus “deveres especiais” (especial, por característico, exclusivo, destinado a um fim particular). Nesta última versão este artigo aparece com o nº 11.

A versão de 1911, que subsistiu até à versão de 1977 (e, portanto, até 2009), com poucas nuances, rezava assim: “O militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da Honra, amar a Pátria, guardar e fazer guardar a Constituição Política e mais leis da República, e tem por deveres especiais os seguintes” (seguiam-se 37 deveres).

A fórmula de 1913 fazia anteceder a palavra “Honra”, das palavras “virtude e da”, e acrescentava a seguir a “República” a frase “de que tomará compromisso solene segundo a fórmula adoptada” (seguiam-se 49 deveres).

Em 1925 mantem-se tudo igual e acrescenta-se um dever (50); idem para a alteração de 1929 (51).

E, assim, se chega a 1977 em que, relativamente ao texto em análise se acrescenta uma frase a seguir a “Pátria”, “e defendê-la com todas as suas forças até ao sacrifício da própria vida” (aumentaram-se os deveres para 55).

Pode, pois, verificar-se que ao longo de cem anos se burilou o texto no sentido de o tornar mais coerente, expressivo e abrangente e, até, mais exigente.

Ora com a última revisão do RDM consumada em 2009, verifica-se que foram introduzidas algumas alterações de substância (e não só no pequeno texto que estamos a analisar).

A redacção ficou assim:
O militar deve, em todas as circunstâncias, pautar o seu procedimento pelos princípios da Ética e da Honra, conformando os seus actos pela obrigação de guardar e fazer guardar a Constituição e a lei, pela sujeição à condição militar e pela obrigação de assegurar a dignidade e o prestígio das Forças Armadas aceitando, se necessário, com sacrifício da vida, os riscos decorrentes das suas missões de serviço” (os deveres passaram a estar agrupados de outro modo).

Vejamos:
O texto começa por acrescentar “em todas as circunstâncias”, a seguir a “o militar deve”. Tal acrescento não aparenta justificar-se já que representa um pleonasmo e uma redundância – a observância da Ética e da Honra não admite soluções de continuidade…

De seguida verificamos que o termo “virtude” foi substituído pelo vocábulo “Ética”. Esta mudança também nos parece infeliz, atentemos:

Ética “é a divisão da Filosofia que procura determinar a finalidade da vida humana e os meios de a alcançar; a ciência que tem por objectivo o juízo de apreciação com vista à distinção entre o Bem e o Mal e pode, ainda, ser considerada como a ciência da Moral, ou relativa aos costumes”.[1]

E por “Virtude” podemos entender a disposição habitual para a prática do Bem, a excelência moral, a autenticidade no viver, o conjunto de todas as boas qualidades morais.

Deste modo podemos intuir que, enquanto a Ética nos coloca mais no campo teórico e académico, a Virtude empurra-nos para o campo da prática e do concreto. Ou seja, é um conceito muito mais objectivado.

Por outro lado a virtude, no âmbito militar, não nos obriga apenas a um viver segundo as boas práticas da Moral e da Ética, ela aponta para o conjunto das “Virtudes Militares”[2] , enformadoras do verdadeiro Espírito Militar e esteio fundamental da vivência espiritual da Instituição Militar (lembremos a importância das Virtudes Teologais e as Virtudes Cardeais).

A nova fórmula também refere a “sujeição à condição militar”, o que parece deslocado neste âmbito. O RDM trata especificamente (mas não só), das falhas naquilo que a condição militar obriga, constrange e exige, e tais decorrências encontram-se plasmadas em documento próprio.

Diz o texto, outrossim, “pela obrigação (dos militares) de assegurar a dignidade e o prestígio das FAs”, ora esta frase parece ser um novo pleonasmo já que está incluída no âmbito da “Ética e da Honra”, além do que alguns dos deveres enunciados implicam tal comportamento.

E prossegue “aceitando, se necessário, com sacrifício da própria vida”, ora aqui o caso é mais grave. Sacrificar a vida deixa de ser uma imposição ou um imperativo, já que fica ao livre arbítrio do próprio se o irá fazer ou não. Esta afirmação decorre dos termos “aceitando” e “se necessário”; ou seja está aberto o caminho ao relativismo e à apreciação subjectiva…

As omissões são, sem embargo, tão ou mais importantes do que as alterações de termos. Aquela que aparece como mais importante é que o militar já não tem o dever de “Amar a Pátria” nem “defendê-la com todas as suas forças…”

A Pátria foi substituída pelos “riscos decorrentes das suas missões de serviço”. Deve ser por isso que o sacrifício da vida passou a ser relativo…

Divisa-se, ainda, uma contradição grave quando se fala em missões de serviço e se as liga à Ética e á Honra, pode querer significar que estas não se aplicam àquelas. Ora tal não é aceitável dado que a Ética (melhor a virtude) e a Honra se aplicam a toda a vivência do militar - que deve ser um todo não sincopado.

Também se pode extravasar o atrás dito para a Constituição Política. Esta, quando é legítima, deve ser cumprida e defendida (o que devem fazer os militares quando a mesma for violada pelos órgãos de soberania?), por parte de todos os militares. É uma decorrência lógica adoptada em todos os países e sistemas políticos do mundo.

Ora a Constituição não é superior à Pátria e, por isso, não faz sentido defender aquela e não morrer por esta.

A Constituição é um papel em que está consignado um ordenamento jurídico. A Pátria, para além de ser a terra onde nascemos e a dos nossos pais, é uma entidade imaterial que representa e expressa um laço moral e uma identidade própria e única.

Por tudo isto consideramos as alterações feitas neste preâmbulo ao actual artigo 11 do RDM, como infelizes, descabidas e perigosas; redutoras, eivadas de relativismo moral e escritas em português menos digno de Camões, Bernardes ou Vieira.

Insta-se a sua alteração imediata e aconselha-se algum cuidado na escolha de quem estuda e delibera sobre estas questões. Às chefias militares sugere-se que não se deixem assoberbar pela papelada, e coisas para fazer “para ontem”, que lhes retirem o tempo e a serenidade para uma reflexão adequada para aquilo que é verdadeiramente importante.

E este assunto cabe, seguramente, nesta categoria.

[1] Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª Edição, 1999.
[2] Destacam-se a Probidade e Discrição, a Obediência e Disciplina, a Subordinação e Respeito, a Lealdade e Patriotismo, a Fraternidade, Dedicação e Confiança nos Chefes, a Solidariedade, Camaradagem e Espirito de Corpo, a Coragem, Bravura e Intrepidez, a Abnegação, Constância e Resignação, a Generosidade na Vitória e a Paciência na Adversidade, a Honra e o Valor. Retirado do clássico “As Virtudes Militares na Tradição Histórica de Portugal”, do General Ferreira Martins.

terça-feira, 24 de abril de 2012

INJUSTIÇAS FISCAIS

No meio do fraco panorama editorial português consegui, ao fim do quinto livro, que me pagassem, pela primeira vez, uns dividendos em direitos de autor. Foi com a Leya/D. Quixote/Livros d’Hoje, honra lhe seja feita.
Porém, ao passar o respectivo recibo verifiquei que o Estado glutão se arrogava o direito de me esbulhar de 8,5% daquilo que o contrato dual, entre mim e a editora, especificava que me fosse pago.
Tal poder unilateral da máquina fiscal afigura-se-me uma violência, um assalto e uma malfeitoria que revolta. E nesta revolta incorrem aqueles que foram eleitos (embora não com o meu voto), para nos governar e são responsáveis por este estado de coisas.
E que mais tem esta gente – por acaso nossos compatriotas – feito, nos últimos 30 anos? Pois têm subvertido e destruído todas as instituições nacionais, alienado a Soberania, vendido o património empresarial (e não só) ao desbarato, adoptaram o “Relativismo Moral”, deixando de defender quaisquer Princípios éticos e morais; negócios ruinosos para todos nós e alguns convenientes, para muito poucos; não acautelaram ameaças nem têm estratégia para nada a não ser distribuir prebendas por amigalhaços e pedir dinheiro emprestado a esmo.
Numa palavra, destruíram o “Poder Nacional”, despedaçaram o País moral e materialmente e endividaram-nos para 10 gerações. Pelo menos.
Os 8,5% são um pormenor em todo este descalabro, mas ilustram à saciedade os erros de julgamento, os vícios de actuação e a iniquidade na acção, que levaram a que o Estado deixasse de ser considerado uma pessoa de bem e a classe política seja a pior cotada em todas as sondagens de opinião.
De facto o seu comportamento obriga a que se não possa acreditar neles em circunstância alguma, ao mesmo tempo que aumenta geometricamente o desprezo e a raiva contra os principais responsáveis pelo estado miserável a que chegou o nosso País: um confrangedor protectorado de poderes internacionais e internacionalistas, indefinidos…
Mas atentemos em maior pormenor nesta nossa pequena questão.
Eu não sou escritor de profissão, escrevo quando me apraz e o Estado não tem nada a ver com isso a não ser que possa incorrer na alçada de alguma lei.
Por outro lado eu não peço nada ao Estado para escrever, tão pouco me sirvo de qualquer serviço que “ele” possa proporcionar ou prestar.
Ao escrever estou a exercer um direito de cidadania, a concorrer para a cultura do País (supostamente) e para o aumento do PIB.
Gasto alguns consumíveis e ajudo o mercado editorial e respectivo nível de emprego.
Ora não devendo nada ao Estado, nem precisando dele para coisa alguma, porque se acha essa entidade – que é suposto servir a Nação – no direito de me cobrar, só por eu existir? Como se quer aumentar a produtividade, a Justiça relativa, diminuir o desemprego e melhorar o Bem-Estar geral se teimam em taxar o trabalho em detrimento do consumo (que, de qualquer modo, já é elevadíssimo).
Como se pode incentivar a iniciativa, o empreendedorismo e a inovação se aumentam os constrangimentos e se causticam as pessoas supostamente mais capazes?
O Estado não se satisfaz em cobrar o IVA, o IRS, o IRC, o desconto para a Segurança Social e mais um sem número de impostos, quer ainda surripiar uns euros, numa transação do foro pessoal e comercial na qual ele não é tido nem achado!
À atenção dos membros de um governo que anda de bandeirinha na lapela, mas que, em simultâneo, suga o sangue dos nacionais (o vermelho),continua a matar a esperança (o verde), aliena o património e a soberania que essa bandeira devia representar (a esfera armilar) e ignora as referências morais que lá estão representadas (as quinas).
Que bela farsa.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Assinale o dia 19 de Maio na sua agenda:

A Associação Cristóvão Colon vai levar a efeito um Colóquio na vila de Cuba, no dia 19 de Maio, com início às 15,00h.
Tema: «D. João II e Cristóvão Colon - que relação?»
Oradora: Prof. Doutora Maria Manuela Mendonça

Presidente da Academia Portuguesa da História.

Colaboração: Academia Portuguesa da História
Apoio: Câmara Municipal de Cuba.

O programa será complementado, com início às 11,00h, por visitas acompanhadas ao Mural de S. Cristóvão, ao Portal do Paço e ao Centro Cristóvão Colon, promovidas pela ACC com apoio da CMC.

MARCOS DO (MAU) RELACIONAMENTO POLITICO/MILITAR NOS ÚLTIMOS 30 ANOS

“Um céu carregado não se limpa sem uma tempestade”
Shakespeare

Vamos hoje ocupar-nos de um conjunto de casos mediáticos que pontuaram a sociedade portuguesa, entre altas figuras do Estado e da Hierarquia Militar.

Deixamos de fora o período entre 1976 e 1982 (data da promulgação da Lei de Defesa Nacional e das FAs), em que se verificou o lento restabelecimento das relações entre os orgãos de soberania do novo regime político e a Instituição Militar (IM) e a recuperação do “PREC” (muito mais rápida na parte militar do que no meio civil).

A lei 29/82, atrás citada, marca a “normalização” da vida política nacional após o fim do Pacto MFA – Partidos (que estes aceitaram mas nunca perdoaram), e do Conselho da Revolução que, goste-se ou não do que fez, se extinguiu conforme acordado.

E vamos escolher um caso, para começar (a lista não será exaustiva), que consideramos como uma “fronteira”: queremos referir-nos à não recondução do Almirante Andrade e Silva, como chefe do Estado Maior da Armada (CEMA) (18/1/88– 3/3/91), o que aconteceu pela 1ª vez o que, quanto a nós, marca o fim do que se pode apelidar de “temor reverencial” pela IM.

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