segunda-feira, 28 de julho de 2014

ÍNDIA PORTUGUESA: O EXEMPLO DE ANICETO DO ROSÁRIO!

“Nesses anos, quando um soldado português desembarcava de um dos barcos da sua Nação para servir num forte de Moçambique, ou em Malaca, ou nos estreitos de Java, já previa, durante o seu tempo de serviço, três cercos, durante os quais comeria erva e beberia urina. Estes defensores portugueses contribuíram para uma das mais corajosas resistências da História do mundo.”

James A. Michener (escritor americano)

No dia 22 de Julho passou o 60.º aniversário da morte heróica do Subchefe Aniceto do Rosário, da Polícia do Estado da Índia, ocorrido em 1954.


Tal evento deu-se quando bandos armados da União Indiana, à revelia dos bons costumes e violando grosseiramente o Direito Internacional, ocuparam os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, contíguos a Damão.

O Tenente Coronel Pedroso da Silva teve a iniciativa de sugerir à PSP a evocação da efeméride, o que esta acabou por fazer, acto a que dignamente se juntaram a delegação da Liga dos Combatentes de Pinhal Novo, e outros cidadãos, nomeadamente ex-alunos do Instituto Militar dos Pupilos do Exército – estabelecimento militar de ensino onde o órfão de Aniceto do Rosário veio estudar seis anos depois da morte de seu pai. A cerimónia teve lugar na praça que tem o nome do herói, junto à Penha de França, em Lisboa. [1] 


Praça que, felizmente, sobreviveu à mudança de nomes que os desatinos políticos e sociais; as vinganças ideológicas e a má formação de muitos impuseram em vários locais, após o 25/4/74, e cujo expoente maior ocorreu com uma ponte inaugurada a 6/8/1966…

Sorte nossa, senão em vez de nos curvarmos respeitosamente perante tão subido nome, teríamos que virar a cara, compungidos e envergonhados de eventualmente termos de encarar com algum “revolucionário” de mau porte, inimigo manifesto da Nação dos Portugueses.

Para mal dos nossos pecados já quase ninguém conhece ou se lembra de Aniceto do Rosário. E, no entanto, ele pertence àquela imensa plêiade de portugueses que mantiveram o nome de Portugal, honrado, nos quatro cantos do mundo e elevaram bem alto a Bandeira das Quinas.

Não é de admirar que assim seja.

Nos últimos 40 anos para além de um ensino médio medíocre, sob todos os aspectos e onde se esbanjaram incontáveis milhões de contos e, sobretudo, euros, e do destroço da educação a nível das famílias, assistiu-se a um discurso político e mediático em que se elogiava a cobardia; se branqueou malfeitorias e se casquinou da Honra e do Pundonor.

Já nem vale a pena elaborar sobre os altares a que se elevaram traidores, desertores e até simples autores de delito comum.

Aniceto do Rosário não procedeu assim. Foi antes a sua antítese. Por isso é, para muitos, um mau exemplo…

Dois dias antes da invasão dos enclaves – que um Estado Português, sem discernimento e sem vergonha reconheceu “de jure”, em 1975 – o governador de Damão foi impedido de se dirigir a Dadrá, pelas autoridades indianas.

Aniceto do Rosário, natural de Diu, que chefiava uma pequena força policial de sete elementos, enviou ao governador a seguinte mensagem: “Parta V. Exª descansado que eu não deixarei ficar mal a bandeira portuguesa”. Disse e cumpriu.

Dois dias depois um bando de Sathyagraha (pretensos libertadores), à mistura com membros do Exército Indiano, entrou em Dadrá e exigiu a rendição da autoridade portuguesa. Aniceto do Rosário recusou e abriu fogo. Ferido, acabou por ser morto, à facada e a tiro, juntamente com o guarda António Fernandes.

Missa por alma dos mortos, na Basílica do Bom Jesus.

A torpe ocupação de Dadrá e Nagar-Aveli constituiu a primeira acção violenta, por parte da União Indiana, que culminou na invasão de Goa, Damão e Diu, em 18/12/1961.[2]

Foi um longo calvário que começou logo após a independência da União Indiana, em 1947.

Pouco tempo passou para que aquele novel país - que apenas tinha direito a reivindicar o que herdou do Império Britânico - passou a exigir que o Governo Português lhe entregasse a soberania sobre os territórios do Indostão onde a bandeira que nos foi legada por Afonso Henriques flutuava há 450 anos.

De toda a vasta argumentação apresentada nada, mas absolutamente nada, justificava ou sustentava tal desiderato.

E nem sequer foi difícil ao governo de Lisboa, de então, desmontar todos os argumentos, um a um.

Por fim o Tribunal Internacional da Haia deu razão a Portugal quando submetemos o pleito à sua jurisdição e, até, o Conselho de Segurança da ONU, condenou a invasão de 1961, o que só não vingou pelo veto da U.R.S.S..

Por isso não descansarei enquanto em todos os livros de História em uso oficial e nos discursos dos responsáveis do Estado, não se diga a verdade, e se condene sem peias, aquela bárbara atitude dos responsáveis indianos, indigna de tão antiga civilização.

Esta seria a melhor homenagem que o que resta da Nação Portuguesa poderia fazer, não só a Aniceto do Rosário, como também a todos os bons portugueses que desde Vasco da Gama, viveram, lutaram, comerciaram, colonizaram e evangelizaram, tendo estabelecido naquelas paragens uma comunidade e uma presença que não deslustra perante seja quem for.[3]

Pode considerar-se Aniceto do Rosário, o primeiro combatente português a cair nas últimas campanhas ultramarinas que fomos obrigados a desenvolver para fazer face ao último – embora, suspeito, não derradeiro – grande ataque movido internacionalmente contra Portugal (1954-1975).

Quando a Escola Superior da PSP passar, um dia, a atribuir patrono a cada um dos seus cursos, Aniceto do Rosário deverá, seguramente, figurar entre os primeiros.

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[1] Escusado será dizer que não demos conta de qualquer notícia veiculada pelos “média”, excepção para uma notícia veiculada por Hernâni Balsa.
[2] Os enclaves eram território português desde o século XVIII, através de tratado celebrado com o Império Marata, em 1779.
[3]  E que têm mais do que o direito a fazer parte da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa…

sábado, 12 de julho de 2014

ALEGAÇÕES FINAIS (julgamento Manuel Alegre versus Brandão Ferreira)

No dia 10/7/14 teve lugar a sessão destinada às alegações finais do julgamento que o cidadão Manuel Alegre interpôs contra mim.

Junto o texto que li quase na sua totalidade nessa ocasião.

Não quero deixar de afirmar que, antecedendo a leitura do mesmo e em toda a vida que já levo, nunca ouvi uma diatribe tão miserável, anti-patriótica e repugnante, como aquela que o advogado do assistente fez, aquando da sua intervenção.

Pena que não tenha ficado gravada, pois só pode ter vindo dos confins do Inferno."

ALEGAÇÕES FINAIS (julgamento Manuel Alegre versus Brandão Ferreira)

Na estrofe 33, do Canto IV dos Lusíadas, Camões (esse sim um verdadeiro poeta da Pátria) declamava assim:

“Ó tu, Sertório, ó Nobre Coriolano,
Catilina, e vós outros dos Antigos
Que contra vossas Pátrias com profano
Coração vos fizestes inimigos:
Se lá no reino de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes.”

Como podem verificar o que estamos aqui a tratar tem raízes antigas…
É minha convicção que este julgamento não existiria e não teria razão de ser, caso o agora assistente tivesse sido acusado e julgado, quando voltou a pôr pé na terra que lhe deu o berço, nos idos de 1974.

Ele e todos aqueles que procederam como ele.
Só os tempos de grande perturbação política, militar e social e de absoluto desnorte, então vividos, explica, mas não desculpa, o sucedido.

Estamos hoje, pois, a dirimir questões com 40 anos de atraso, as quais podem prescrever face às leis da sociedade, mas não prescrevem na memória e consciência dos homens, nem no julgamento da História.
Lembro Judas Iscariotes, apóstolo de Cristo que o traiu após a última ceia, que é o caso mais conhecido a nível mundial e não há memória, entre nós, de que o Miguel de Vasconcelos tenha tido, até hoje, qualquer estátua em Portugal!

*****
Neste caso, eu e o cidadão Manuel Alegre, não podemos estar certos ou errados, ao mesmo tempo.

As razões pelas quais intervim na Fundação Gulbenkian no início de Maio de 2010 e questionei o queixoso, no fim da sua arenga e, na sequência, escrevi o artigo “Manuel Alegre combatente por quem” – e apenas esse – não se destinou a prejudicar o assistente enquanto candidato a PR. Até pela simples razão de que ele não tinha qualquer hipótese de ganhar.
Sem embargo, quem ouviu os testemunhos da outra parte e não saiba do que se trata, podia ficar a pensar que Manuel Alegre não ganhou as eleições presidenciais, por causa desse artigo…

Tão pouco estabeleci contactos fosse com quem fosse para fazer o que fiz – apesar de querer deixar bem claro que no enquadramento legal existente, esses contactos mesmo que fossem para prejudicar a campanha do putativo candidato, eram lícitos, dado que eles são parte da intervenção cívica e do exercício dos direitos de cidadania.
O que essa intervenção tem é que ser verdadeira e não ir contra a lei e os costumes e não ofender a Moral e os ditames consciência pública.

Ora eu só referi a verdade, não atentei contra a lei nem ofendi a Moral pública!
Exemplo disso é que nunca lhe chamei desertor, pois apesar de ser “vox populi” tal epíteto, eu conhecendo um pouco mais da vida de MA sabia que, técnica e juridicamente, ele não o era.

Pelo contrário, eu é que me sinto ofendido na minha qualidade de cidadão português!
Intervim por um imperativo de consciência, de boa-fé e por entender que a denúncia era de interesse público.

De facto, sendo oficial superior da FA, não me esqueci da minha formação, tão pouco dos juramentos que fiz. E, ao contrário de oficiais, alguns dos quais ouvidos por este tribunal como testemunhas do assistente, que se esqueceram dos deveres e valores militares, eu só penso dar baixa deles para a cova!
Destas testemunhas apenas pretendo referir-me a duas por serem os únicos que me mereciam consideração. Refiro-me aos Maj. Gen. Manuel Monge e Gen. Ramalho Eanes.

Quanto ao primeiro – e complementando o que foi dito pelo meu advogado, Dr. Lafayette, a quem quero agradecer publicamente tudo o que tem feito e por ser um “combatente do bom combate" – pretendo salientar o esforço que fez em arranjar um discurso diferente que o salvaguardasse das contradições em que se enredou.
Falo da tentativa de tornar a definição de “traição” relativa e subjectiva. Ora o significado de Traição à Pátria, para além de ser intuitivo, isto é, toda a gente o entender, está perfeita e legalmente definido nos normativos dos Código Penal e no Código de Justiça Militar.

Mas, se por acaso, o termo fosse considerado subjectivo ou de aplicação relativa, passaria à categoria de opinião e, nesse caso, eu também tenho direito a uma, o que dispensaria este julgamento.
Manuel Monge quis ainda ilustrar o que defendia dando como exemplo a condenação à morte do General Gomes Freire de Andrade, por “traição à Pátria” e hoje existir uma rua e um busto, em Lisboa, com o seu nome.

Todavia, não podia ter escolhido pior exemplo: é que Gomes Freire foi enforcado, não por traição à Pátria, mas sim por ter liderado uma tentativa falhada de golpe de estado…
E se tem rua e estátua, em Lisboa é, talvez, por ter sido Grão - Mestre do Grande Oriente Lusitano…

Quanto ao Gen. Eanes – que conheci ainda cadete, em 1972, quando ele foi proferir uma palestra à Academia Militar sobre a situação na Guiné (de que já deve estar esquecido) - apenas pretendo referir uma dúvida que me assalta: o que é que ele faria se tivesse visto o assistente, frente a frente, quando havia guerra? Por exemplo, logo após uma unidade do PAIGC ter assassinado quatro oficiais e três guias civis, desarmados que estavam a negociar a paz com vários grupos de guerrilheiros (como já referido neste tribunal). Dava-lhe um abraço ou um tiro?

*****
Lembro ainda que a única matéria que foquei na minha intervenção, refere-se ao período em que Manuel Alegre passou na Argélia, como membro do PCP (até 1970), e da Frente Patriótica de Libertação Nacional (entre 1964 e 1974), e naquilo que disse aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade”, também conhecida por “Rádio Argel” – e apenas essa, pois nunca referi qualquer outra, nomeadamente a Rádio Brazzaville”, como já aqui se tentou insinuar na tentativa de confundir o tribunal.
 
Eu nunca ouvi a rádio Argel, nem cheguei a combater nos teatros de operações africanos (porque era novo), mas desde cedo na minha carreira e até hoje, que ouvi falar do que lá se passava e dizia, além de ter lido alguma da documentação que existe sobre o assunto. Documentos e pessoas das quais não posso, nem devo, duvidar. Pois os tenho, aos primeiros como fidedignos, e às pessoas como dignas de crédito, por as conhecer, por serem gente de bem e combatentes valorosos e patriotas, como V.Ex.ª tiveram ocasião de verificar, quando alguns deles testemunharam nesta sala.

Por isso não existe qualquer dúvida no meu espirito, que parte do que Manuel Alegre dizia na chamada “Rádio Voz da Liberdade”- note-se que foram 10 anos, não foram 10 dias – não constituía apenas luta política contra o regime de então, mas configurava um crime de traição à Pátria, à luz do Direito Penal então vigente e do actual, por estar a apoiar objectiva e concretamente, os movimentos de guerrilha que nos emboscavam e matavam os soldados e tentavam separar territórios portugueses, da Mãe-Pátria.

Sim, porque esses territórios nos pertenciam por direito próprio e eram, simplesmente, Portugal mais longe! (Faziam parte, por ex., de todas as Constituições e não apenas da de 1933…).
E não ajudava só estes, mas também as potências estrangeiras que patrocinavam os movimentos ditos emancipalistas!

Por muito menos foi um desgraçado soldado português fuzilado na Flandres, em 16 de Setembro de 1917…
Além do mais não concordar com uma guerra, não dá o direito a ninguém de trair os seus, como a participação portuguesa na frente francesa, na I Guerra Mundial, tão bem ilustrou.

Seria até curioso saber como é que o assistente designa os autóctones que se mantiveram fieis à sua condição de portugueses tendo combatido ou não, nas Forças Armadas nacionais e foram fuzilados pelo inimigo, muitos deles já depois das hostilidades terem cessado. Serão traidores? E a quem?
A apreciação que faço é válida naquele tempo, no anterior, actualmente, e sê-lo-á, certamente, no futuro.

Ora chamar a atenção, publicamente, para o passado de uma figura como a do assistente, que exerceu e exerce cargos de relevância política, nos últimos 40 anos, não é de somenos importância – sobretudo quando tal figura pretendia vir a exercer o mais alto cargo da Nação que, por inerência de funções, acumula com o de “Comandante Supremo das Forças Armadas”.
Tem, outrossim, a maior relevância, não sendo apenas uma “aresta” sociológica, como o advogado do assistente tentou fazer crer na 1ª sessão do julgamento.

*****
Gozei até hoje da plenitude dos meus direitos e deveres cívicos. A minha atitude limitou-se a usufruí-los.

Não foi um caso isolado; uma embirração de momento; um fugaz interesse que despertou. Tem sido uma postura de sempre, patente nos cerca de 1000 artigos, cinco livros e dezenas de conferências, que escrevi, o podem atestar. Um destes livros versa, especificamente, a justiça e o Direito em fazermos a guerra que travámos no Ultramar; a sua legitimidade, sustentabilidade e as razões porque desistimos de lutar e sofremos a maior derrota da nossa História!
Derrota, aliás, humilhante e vergonhosa, para a qual o assistente activamente contribuiu e que apenas encontra paralelo nas consequências de Alcácer-Quibir.

Por isso a minha eventual condenação seria, também, uma ofensa a todos os combatentes de sempre e por maioria de razão aos heróis, alguns dos quais me orgulho de ter como testemunhas, e de cuja acção vou condensar num trecho do relatório dos sobreviventes da guarnição da Lancha Vega, relativo ao seu comandante, Segundo-Tenente Oliveira e Carmo, morto heroicamente nas águas de Diu, em 18 de Dezembro de 1961, e cito:
O Senhor comandante dirigiu-se à Camara e fardou-se de branco, dizendo que assim morreria com mais honra. “Rapazes, sei que vocês vão cumprir assim como eu e que mais vós quereis! Acabarmos numa batalha aeronaval. Fazemos parte da defesa de Diu e da Pátria e vamos cumprir até ao último homem e última bala se possível”. “Algumas despedidas se fizeram e até as fotografias dos entes queridos foram beijadas e guardadas nos bolsos dos calções”.

Permitam, para finalizar, que leia o penúltimo parágrafo, do meu livro “Em Nome da Pátria”: “Não soubemos merecer os nossos antepassados, poderá ser a síntese que nos leva ao veredicto final: aqueles que não souberam defender a Pátria, por não a terem sabido amar, acarretarão para sempre, e perante a posteridade, a responsabilidade e a vergonha de a terem deixado perder”.

*****
Meritíssima Juíza,

Passei horas de minha vida sentado nesta sala, a olhar para o símbolo maior deste tribunal: a imagem da balança e da figura vendada, pintadas na parede à minha frente e que representam a Justiça e da qual, neste caso, é V. Exª, o fiel garante.

Estou certo e quero crer, que esse valor maior que é a Justiça será preservado neste julgamento.

João J. Brandão Ferreira

domingo, 6 de julho de 2014

A VISITA DE FILIPE VI

“Olivença é terra portuguesa”
Uma evidência!

Não deixa de ser significativo que Portugal seja o primeiro país que o novo Rei de Espanha visita, oficialmente, após a sua coroação.

Mesmo tendo em conta que o convite tenha partido do Presidente Português.

O significado é, sobretudo, político e estratégico.

Tudo deve ser seguido e analisado com a máxima atenção.

Lamentavelmente, “Sua Muito Católica Majestade” [1] não vai ser recebido por ninguém de estirpe real, alguém de sua igualha, com o titulo de “Majestade Fidelíssima”, [2] mas pelo republicaníssimo Professor Cavaco Silva – o qual, obviamente, não usa o titulo, que passou naturalmente para a Nação Portuguesa, quando a Monarquia caiu sem lustre nem glória, no arrepiante dia 5 de Outubro de 1910. 

Filipe será bem recebido como representante de um país que estimamos seja nosso amigo e bom vizinho, mas que deve ter sempre presente que será repudiado no dia em que além de ser Filipe VI de Espanha, se engane na numeração romana e intente ser, também, IV de Portugal.

É certo que a Monarquia Espanhola foi visitar primeiro Sua Santidade o Papa, o que é lógico, não só porque para além de uma visita de Estado, tem um carácter espiritual. Mais a mais o Papa é falante natural do castelhano…

Mas para nós portugueses, tal facto não deixa de se dever ter em conta, face à luta que os dois reinos travaram pelo favor Papal, ao longo dos séculos.

 Recorda-se, só para ilustrar, que a Santa Sé levou 51 anos a reconhecer “de jure” a independência de Portugal e tornou, mais tarde, a não ter pressas em reconhecer a Restauração/Aclamação de 1640, o que só ocorreu em 1670, passando já dois anos da assinatura do Tratado de Paz entre as duas coroas.

Para já não falar, entre muitas outras coisas, nos 600 anos que Roma levou a canonizar D. Nuno Álvares Pereira, a que não é seguramente alheia a diplomacia de Madrid.

Filipe VI não perdeu, aliás, tempo e logo convidou Francisco a visitar Espanha, em 2015, a propósito do 500º aniversário do nascimento de Santa Teresa de Ávila.

Depois de Portugal segue-se Marrocos, onde será recebido pelo Rei Mohamed VI, o “Comandante dos Crentes”, da dinastia Alauita, que teve início em 1664 – embora a Monarquia marroquina remonte ao ano de 788 – cuja lema é “Deus, Pátria, Rei”.

Com Marrocos as relações da Espanha são tensas, não só por um historial antigo de disputas, algumas ainda não resolvidas - como é o caso de cidades, enclaves e ilhotas, sobre soberania espanhola, que Rabat reivindica – mas também por problemas sobre direito marítimo e a magna questão da emigração.

Estas relações contrastam com as que Portugal mantém com Marrocos, que se podem considerar exemplares desde a assinatura do Tratado de Paz de 1774, apenas toldadas pelo apoio – apesar de tudo moderado – que aquele país prestou aos movimentos de guerrilha que combateram a presença portuguesa no Ultramar entre 1961-1974.

O périplo termina em França – numa prioridade nitidamente regional – país com quem a Espanha sempre manteve uma relação de desconfiança, mesmo nos períodos de alternância entre serem aliados ou inimigos, que os caracteriza e que atingiu o rubro nas contendas entre a Casa dos Bourbons e dos Habsburgos.

Já não reina em França “Sua Majestade Cristianíssima” [3] que, não raras vezes, não teve escrúpulos em se aliar aos inimigos da Fé Cristã, já de si fortemente abalada pela “Reforma” e quase subvertida pela Revolução Jacobina de 1789.

E sempre que a França se alia à Espanha contra as potências marítimas, Portugal viu sempre a sua independência em perigo.

Aliás, quando Filipe VI atravessar a fronteira sabe que deixa atrás de si um confortável poderio militar, ilustrado pelos 347 carros de Combate “Leopardo” e 103 “Centauro”;368 “Pizarro” (ligeiros); 31 helicópteros de ataque “Tigre”, 37 “NH90”, 37 “Cougar” e 18 “Chinook”; 102 peças autopropulsionadas de 155 m/m, M 109 e 184 viaturas ligeiras de transporte de tropas “RH41”, 396 “Lince” e 1600 “URO”. Tudo material moderno e letal; só para referir isto, que pertence ao Exército. Nem vale a pena falar nos outros Ramos…

Por seu lado o Ducado de Alba continua a ser a casa nobre mais poderosa de Espanha…

Convinha não esquecer estas coisas.[4]

É curioso como o filho daquele que foi o mais “português” Rei de Espanha – sê-lo-ia, porventura, no coração, porém, não na razão – deixou os “filhos” da Espanha para outras núpcias.

Estamos a referir-nos a todos os países que os espanhóis colonizaram, sobretudo nas Américas, cujas bandeiras emolduram uma sala no notável Mosteiro de La Rábida, perto de Huelva, o que constitui o símbolo da Hispanidade, cujo dia se comemora a 12 de Outubro. A data em que Cristóvão Colon chegou, oficialmente, ao Novo Mundo, afirmando que tinha chegado à Índia…

Cristóvão Colon que está muito ligado a La Rábida onde terá deixado o filho mais velho a ser educado e onde conferenciava com um sábio franciscano português, Frei António de Marchena, que por lá pontificava.

C. Colon que, estamos em crer, a coroa espanhola sempre conheceu como sendo um nobre navegador português, mas nunca quis que se soubesse…

Filipe VI vem pois, a Portugal, numa campanha de charme e também para marcar o seu terreno. Não só perante potências exteriores, mas outrossim, para o interior de Espanha, querendo significar que antes das autonomias e dos regionalismos, está a unidade da Espanha, se possível da Península Ibérica, que sendo uma realidade geográfica sempre quiseram fazê-la coincidir com uma única unidade política.

Serve ainda para descansar o polo geopolítico mais forte da Meseta, que é Castela, no sentido em que realça o facto de Portugal continua aqui ao lado e pode sempre constituir uma compensação para o caso de alguma das 17 comunidades autonómicas (mais duas cidades) fugir ao seu controlo.

Como dizia José de Carvalhal y Lencastre [5] “a perda de Portugal foi de puro-sangue e, por isso, o ministro espanhol que não pense constantemente na reunião, ou não obedece à lei ou não sabe do seu ofício”.

Parece que Filipe VI está bem preparado para o seu ofício e já jurou cumprir a Lei.

Por isso perceberá sem dificuldade um repto de exigência que daqui lhe lanço, pois não sou, nem nunca serei seu súbdito (embora lamente ser eu a fazê-lo e não as autoridades que me deviam representar): Influa em tudo o que estiver ao seu alcance para que o governo de Espanha devolva a cativa, mas portuguesíssima terra de Olivença e seu termo.

Tanto eu como V. Majestade sabemos que aquela terra não vos pertence.

Folgo que tenha uma boa estadia, mas compreenderá que enquanto este assunto não estiver resolvido, eu não lhe possa desejar as boas vindas.

                                                               João J. Brandão Ferreira
                                                                  Oficial Piloto Aviador
                                                                    Português sofrido



[1] Titulo que começou por ser outorgado A Fernando e Isabel, (Reis Católicos) pelo Papa Alexandre VI
[2] Titulo atribuído aos Reis de Portugal, pelo Papa Bento XIV, em 23/12/1748.
[3] Titulo usado regularmente desde o Rei Carlos VI, por o Papado considerar a França, desde Clóvis I, a “filha mais velha da Igreja”.
[4] Não teria sido má ideia, “alguém” ter lembrado tudo isto, na última reunião do Conselho de Estado (ocorrida a 4/7/14), mas parece que andam preocupados com outras coisas.
[5] Ministro de Estado ao tempo do Rei Fernando IV, de Espanha.