sábado, 28 de janeiro de 2012

Conferência sobre OS ESPAÇOS ESTRATÉGICOS DE INTERESSE NACIONAL

CONVITE
Irei proferir uma conferência na Academia de Marinha, no dia 31/01/2012,
pelas 17:30h, que versará sobre
"OS ESPAÇOS ESTRATÉGICOS DE INTERESSE NACIONAL".
Mesmo sabendo que será uma responsabilidade acrescida, terei todo o gosto na vossa presença.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

MILITARES: O QUE AS TROPAS PODEM FAZER?

Fontes Pereira de Melo
…"Um Exército mal armado e pouco numeroso não serve para nada, senão para gastar ao Tesouro uma soma avultada de contos de reis em pura perda; um Exército organizado, bem disciplinado e tão numeroso quanto o comportarem as forças do país é um elemento de ordem, independência e prosperidade pública; é um meio de que servem todas as nações modernas, para conservarem a sua dignidade e defenderem os seus interesses"…
General Fontes Pereira de Melo,
perante as Cortes, em 02 de Julho de 1860

Antigamente o Rei mandava marchar (não chover) e as tropas marchavam. Mas só marchavam se as Cortes, onde estavam representados os “braços” do Reino, autorizassem.

A coisa complicou-se quando inventaram os Partidos, disseram que eles é que formavam governo - não o Rei - e mandavam. O Rei passou a reinar mas não a governar. Ou seja, o Rei passou a ser uma figura algo decorativa, mas continuava a ter poderes fácticos e simbólicos importantes. Os Parlamentos, que substituíram as Cortes, passaram a funcionar, porém, muito pior do que estas. O Rei, todavia, encarnava a Nação e era símbolo da Pátria. Era a continuidade da Pátria. Os guerreiros eram o braço armado dessa entidade intangível, mas que todos entendiam (será que ainda entendem?): a Pátria.

Ora, a rapaziada maçónica não descansou enquanto não acabou com a Monarquia (e ainda não desistiu de fazer o mesmo com a Igreja). Sim, a Monarquia existe, ainda, no Norte da Europa, mas não manda nada. Dedica-se aos negócios e é apenas tolerada, enquanto não puser em causa o “status quo”.

A excepção são os Windsor mas porque o Príncipe de Gales (herdeiro da coroa) é logo feito Grão-Mestre da dita cuja. Quem pôs isto em causa ou estava ligado à Igreja Católica foi deposto a tiro e à bomba. A Casa de Bragança não foi excepção.

Passámos a ter, assim, uma República com o respectivo Presidente - outra figura decorativa. Porém, com mais agravantes: é mais caro, está sempre a mudar, representa pouco, nem sequer quem nele vota e, ainda por cima, temos que o sustentar e a uma pequena “corte”, depois de sair de Belém e até baixar à cova. No Estado Novo não se notava tanto, pois Belém parecia mais a Ajuda no tempo do Senhor D. Luís I. Com uma diferença importante: não havia gamela onde se fosse comer.

Por isso o respeito pelo PR é apenas uma formalidade ou uma boa educação e pouca gente entende para que serve. Outro dia, houve alguns militares que o assobiaram à porta do palácio que os nossos impostos pagam. A guarda dita republicana - que se devia chamar nacional - houve por bem fazer de surda.

Sem Rei; com uma Presidência da República que não é carne nem peixe; governos desnacionalizados; políticos com espírito clubista, atravessados por diversos lobbies, que andam de avental ou não, filados nos negócios e sem peias que os metam na ordem, o país definha e corrompe-se.

Com receio da Espada de Damâcles; não o assumindo, mas passando para a opinião publicada que a tropa não serve para nada; com o sentimento que as desventuras internacionais nunca mais nos vão tocar e com as chefias militares neutralizadas por um emaranhado de teias, a Instituição Militar vai-se extinguindo sem sequer deixar rasto do seu passado.

Restariam os sindicatos. Mas os sindicatos são incompatíveis com a missão, a organização e os esteios que mantêm um Exército de pé. Podem dizer à vontade, que há FAs que os têm mas, reparem bem, alguém as leva a sério? Conhecem algum país que queira empregar os seus militares seriamente, que tenha sindicatos na tropa? Pensem bem, acreditam mesmo que os holandeses (que foram apanhados quase à mão em Srebrenica) se batem? Ou os dinamarqueses, acreditam que se aguentam se lhes deixarem de pagar horas extraordinárias? Imaginam que se pode confiar nos italianos que nunca ganharam uma guerra e normalmente começam um conflito de um lado e acabam do lado contrário

Espero que não pensem nada disto, pois se pensam vão ter uma desilusão.

Ou seja, neste momento tudo é adverso à IM e não há ninguém para a defender: ela está entregue a si própria até uma desgraça grave acordar a Nação. E nem sequer podemos emigrar - seguindo os conselhos dos nossos queridos líderes - a não ser para a Legião Estrangeira…

Parece que a Srª Merkel está a organizar legislação que permita a um militar português prestar serviço na Bundeswear e suas congéneres naval e aérea - tarefa hoje facilitada pelos cursos de Bolonha e pelo “Erasmus militar” - mas a coisa ainda não está madura.

Por isso, ó tropas, estamos sós e abandonados! Que isso seja para nós estímulo de ressurgimento! Vejamos, que tal voltar ao “A, B, C” do mister entre todos nobre?

Deixem-se pois de andar a manifestar na rua. Isso fica mal aos polícias, quanto mais aos militares. É contra a nossa formação, e contra a imagem que a população tem de nós. Não façam, também, levantamentos de rancho, é contra a disciplina, não resolve nada, ficam com fome e estraga-se comida (que a ASAE nem sequer deixa dar aos pobres).

Sejam inteligentes e não dêem o flanco. Vamos a um caso concreto: o do congelamento das promoções, inadmissível a todos os títulos.

Pensar: conservar presente o princípio do objectivo; manter a coesão das tropas; garantir a unidade de comando; ponderar modalidades de acção, (nunca esquecer a surpresa); exploração do sucesso; plano B, dia seguinte.

Passos: pedir audiências singulares através da cadeia hierárquica expondo as razões pelas quais a situação é insustentável e inadmissível e entregar exposição sobre o assunto; ir pedindo audiências sucessivas até o requerimento ter resposta; quem está fora dos Ramos deve solicitar, por escrito, o seu regresso imediato, incluindo os que estão em missões no estrangeiro; não haver mais declarações de voluntariado para missões fora do país; quando um político visitar uma unidade, façam-lhe a continência, mas não lhe apertem a mão e sempre que tiverem oportunidade digam-lhes o que lhes vai na alma.

Procurem-se os ex-titulares de cargos políticos que tenham responsabilidades no caso e confrontem-nos publicamente, como aquele cidadão fez ao Armando Vara, à entrada do tribunal onde ia ser julgado - eles assim percebem que ficam marcados e podem ser responsabilizados no futuro. Nos casos que assim o justifiquem devem ser demandados judicialmente.

A irresponsabilidade tem que acabar.

Outra modalidade de acção deve ser equacionada desde já: a boiada.

A tradição da boiada perde-se na bruma dos tempos.

Atenção, não é preciso atirar ovos e tomates ao Ministro da Defesa, como já sucedeu na Bélgica. Que diabo nós temos 900 anos de História e Tradição. Não somos um país artificial, um sub-produto do Congresso de Viena, de 1815, cujo herdeiro da coroa nem sequer tem direito a casar com um(a) jovem da sua terra! Mesmo tendo em conta os adiantados mentais que acham os “modelos” desenvolvidos nessas paragens frias e nevoentas como aplicáveis à nossa terra (embora, confesse, tenha ficado com algum fascínio por esta recente experiência de estar mais de um ano, sem governo…).

Não, nós não somos os belgas e por isso vamos ter algum respeito, mesmo, por quem não tem nenhum respeito pelas FAs. Basta que quando algum político se atrase quando chegar a uma cerimónia militar, as tropas façam direita volver, destroçar; que quando o Sr. ministro (por ex.) começar a discursar no IDN, no IESM, em qualquer sítio, a assistência se levante e passe à frente dele, motivada por uma súbita vontade de ir à casa de banho; ninguém falar com S. Exªs aquando de um almoço ou encontro social (ou sequer estar presente), etc.

Julgo que já ilustrei o ponto. Vão ver que eles percebem rapidamente. E se não entenderem a pauta logo se dança conforme a música.

Era escusado ter chegado a isto? Era; pode ter custos? Pode; é preciso alguma coragem? É. Bom, mas não se pode constantemente acusar a hierarquia, nomeadamente a de topo, de tudo e mais alguma coisa (nem sempre com razão), e depois ter comportamento idêntico.

O que se é em general é, basicamente, aquilo que se foi em alferes, com a diferença dos cabelos brancos.

E nunca faltam desculpas, a quem não quer fazer nada.[1]

[1] Próximo e último: casos mediáticos de generais e almirantes dos últimos 30 anos.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

MILITARES DEPOIS DO EXAME DE CONSCIÊNCIA, A ACTUAÇÃO

Mouzinho de Albuquerque
“Porque ser soldado não é arrastar a espada, passar revistas, comandar exercícios, deslumbrar as multidões com os doirados da farda - ser soldado é dedicar-se por completo à causa pública, trabalhar sempre para os outros”…”É assim que, por mais que espíritos desorientados tenham querido obliterar as tradições d’honra do Exército, a profissão entre todos nobre, foi, é e há-de ser sempre a militar…”.
Mouzinho de Albuquerque
(Carta ao Príncipe Real D. Luís Filipe)

É como se estivéssemos numa missa: exame de consciência feito[1]; segue-se o assumir da condição de pecadores - a fim de participarmos nos santos mistérios (o Culto da Pátria e o Dever Militar), de alma lavada, imbuirmo-nos da Fé (as virtudes militares) e partirmos para a acção… A eucaristia é, também, pôr em comum. Aqui vai.

Dois pontos prévios: muitas pessoas interrogam-se sobre o que fazer e como fazer. Não tenho respostas concretas para cada um, pela simples razão de que cada um de nós é diferente, tem uma visão diferenciada das coisas e sente diferente. E cada homem, como bem dizia Ortega y Gasset, é o homem e a sua circunstância.

Quem está em funções de responsabilidade tem que actuar - segundo as suas crenças e as regras e valores em que se move e foi formado e as suas capacidades. O Comandante do Costa Concórdia actuou de uma maneira (por sinal, inadequada e inaceitável – que qualificaria como o “ar do tempo”); outros fariam de modo diferente. Pode-se apenas elencar hipóteses e discuti-las em termos académicos. Já lá iremos.

O outro ponto tem a ver que o que vamos sugerir nada ter a ver com qualquer acção armada, golpe de estado ou “quartelada”. Não que uma eventualidade destas deva ser posta de lado a 100%, mas porque a mesma só deve ser encarada em último recurso, quando a situação política e social for de caos, incontrolável de outra forma. Ou seja quando as FAs (se ainda existirem como tal), forem o único recurso para salvar a Nação de si própria.

Entre 1817 e 1974 apenas divisamos duas situações (e meia) - das várias havidas - em que tal se justificou. É o que acontece sempre que não se antecipa ou resolve os problemas atempadamente.

Com isto dito, é mister afirmar uma outra coisa: na natureza humana coabitam três coisas, aquilo que se pensa, aquilo que se diz e aquilo que se faz. É muito pouco usual que as três coincidam… Ora esta prática é levada ao extremo na vida política.

Seria bom que os militares começassem por marcar a diferença neste particular, ou seja deve fazer-se o que se diz e dizer o que se pensa. Este tem sido a pedra de toque do mau relacionamento político-militar.

Ainda uma última coisa: as chefias militares têm que conseguir e saber conduzir-se entre várias “lealdades”, a saber: devem lealdade ao governo que os indigita (e resta saber hoje em dia os compromissos que, eventualmente, acordam com o MDN para serem escolhidos para futuros chefes…); devem lealdade ao PR que os nomeia; devem lealdade à Instituição Militar, que está antes deles e para além deles, devem lealdade aos seus pares, como camaradas de armas; devem lealdade às tropas pois só assim se manterão os elos de coesão da grande família militar e se poderá ter uma força armada que se bata bem e, também, porque eles estão na primeira linha dos sacrifícios que podem derivar de uma ordem sua; finalmente devem uma lealdade maior à sua Nação, donde emanam e cuja Defesa justifica a sua existência.

Não é fácil, mas tem que ser conseguido. Exige muito saber e muito carácter.

Com este pano de fundo vamos elencar várias modalidades de acção passíveis de serem usadas, quando a situação exige medidas excepcionais. Escusado será dizer que vivemos um desses momentos, já que a Segurança Nacional está em perigo; a sobrevivência das FAs está em causa e a sua dignidade e operacionalidade foi gravemente afectada.

Em primeiro lugar nenhum chefe militar deve fazer algo isoladamente. A união faz a força.

Não vale a pena um qualquer chefe militar demitir-se (embora razões de consciência o possam justificar). A fazerem-no deve ser em bloco e de preferência com a garantia de que ninguém irá ocupar o lugar a seguir (já aconteceu em França); é preferível que vão à luta do que abandonar o barco, como o Comd. Schetini.

Outra modalidade é apresentarem-se os quatro (de preferência com os Conselhos do Ramos atrás) ao Presidente da República e afirmarem a situação como insustentável e intolerável.

Os chefes militares dão uma conferência de imprensa e expõem a situação ao país.

A imagem e a autoridade do Estado não ficam em causa, pela simples razão que o Estado não tem autoridade há muito; a única coisa que ainda faz é passar multas de trânsito e cobrar impostos (o que duvido vá conseguir fazer por muito tempo). Se dúvidas houvesse basta reparar termos por aí engravatados que deambulam por baixo das arcadas orientais do Terreiro do Paço e não são turistas. A falta de vergonha é tanta que se fala deles (a Troika) como se estivéssemos a combinar tomar um chá. Ainda não vi, também, ninguém com responsabilidades militares, incomodado com o facto. Nem quando mandaram cortar 10.000 homens aos efectivos. Eu sinto-me violentado, vocês não?

Outra modalidade de acção é o de propor um referendo nacional sobre a existência ou não de FAs. Não podemos andar constantemente a brincar com coisas sérias.

Por outro lado se não há dinheiro para tudo, não se podem manter todas as capacidades ou cumprir todas as missões definidas. Mas isto tem que ser assumido pelo Poder Político e não dirimido pelos chefes militares, que se devem limitar a dar a sua opinião técnica e estratégica.

E tem que ficar preto no branco de quem é a responsabilidade, para um dia em que algo corra mal, as culpas não serem atiradas (como é costume) para cima dos militares. Paralelamente convém ter informação fidedigna das “contas” dos outros ministérios e daquilo que se tem (mal) gasto para esfregar na cara dos senhores políticos. Isto de ser só a tropa a ter que dar o exemplo, já chega!

Senhores generais e senhores almirantes, toda a gente sabe que os tempos são de crise (são quase sempre….), que tudo é difícil e complexo, mas a questão é esta: passar a vida a fazer memorandos e informações mais ou menos violentos, cujo destino é a gaveta ou o cesto dos papéis, está demonstrado ser curto e não fazer mais nada, deixou de ser opção.

Façam algo antes que tudo piore e, por favor, discutam, desentendam-se, andem ao murro, mas para fora falem a uma voz.

Quando se colocou a questão do regime (República ou Monarquia), os vossos antecessores, deixaram a Carbonária infiltrar e subverter os quartéis (sobretudo a nível de sargentos e cabos), e quando houve tiros nas ruas, baralharam-se (para não dizer mais) e deixaram cair a Monarquia duma maneira muito pouco compatível com o Dever Militar.

Mesmo com o caos nas ruas - que culminava uma guerra civil de 100 anos - foi preciso serem os tenentes a empurrarem os generais da altura, para fazerem o 28 de Maio; e quando se chegou a 1974, deixaram-se ultrapassar completamente pelos capitães. Isto para só falar destes três casos.

Ao menos tentem aprender com o passado.

Já não seria nada mau.[2]





[1] Dois artigos anteriores.
[2] No próximo; o que as tropas podem fazer.

sábado, 21 de janeiro de 2012

EXAME DE CONSCIÊNCIA AOS CHEFES MILITARES

Chefias Militares com o PR
“Se você tiver a coragem de enfrentar outras pessoas em nome dos seus homens, ou, de no momento crítico, enfrentar os seus homens em nome das exigências da missão; se tiver a coragem física de ser o primeiro a enfrentar o perigo ou se tiver a coragem moral de ser coerente e defender os seus princípios, então, você conseguirá o respeito e a confiança da sua equipa, que o seguirá lealmente.
No entanto, se eles virem que você cede à primeira investida violenta do ataque de alguém, e se virem que você receia vencer, ou até tentar vencer um obstáculo mental ou físico, então, você perderá rapidamente o respeito e apoio dos seus homens”.
Extracto de um folheto sobre Liderança,
distribuído no Royal Air Force College - Cranwell

O que se disse no “Exame de Consciência às Tropas” aplica-se “ipsis verbis” - e por maioria de razão - a todos os que passaram pelos postos mais elevados da hierarquia militar.

Neste caso, porém, é necessário ir mais além dadas as responsabilidades envolvidas e inerentes.

A seguir ao 25 de Novembro de 1975 a Instituição Militar estava escaqueirada, tanto em termos materiais como, sobretudo, morais. As imagens dessa época ao invés de terem ficado arquivadas deviam ser mostradas, anualmente, em todos os cursos de promoção a oficial superior e relembradas no curso de promoção a oficial general…

Deste modo se compreende que a prioridade, na época, fosse o de reconstruir o “edifício”, o que se fez com espantosa rapidez e eficácia. Talvez por causa da Lei da Física da “acção e reacção”…

Indubitavelmente as FAs recuperaram muito mais rapidamente do que o resto da Nação. Porém, a convulsão tinha sido profunda e deixou feridas graves no âmbito da ética, camaradagem, espírito de corpo, lealdade e … confiança mútua. O facto do processo de “sarar feridas”e apuramento de responsabilidades, não ter ocorrido nada bem (com culpas muito grandes, também, da classe política), não ajudou nada. A piorar as coisas a imagem das FAs, por uma razão ou por outra - que não vou agora especificar - saiu ferida em praticamente todo o país.

Isto causou uma perda severa de auto-estima e uma inibição psicológica de actuação. A evolução do sistema político e da sociedade fez o resto. Ou seja, ainda não superámos tudo isto o que resulta, na prática que, individualmente e como instituição, nos deixámos de dar ao respeito. Ora quem não se dá ao respeito não pode ser respeitado.

Convenhamos - para termos uma referência/fronteira - em que a fase de estabilização da IM terminou em 1982, com a publicação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei 29/82). Esta lei, todavia, nunca teve, na prática, nada a ver com Defesa Nacional no seu todo, mas apenas com a sua componente militar, pelo que deveria, com propriedade, ser rebaptizada como Lei para as FAs (e o próprio ministro, como ministro das FAs). E que passou a ser entendida pelos políticos como a Lei para pôr “ordem na tropa”, para a submeter em vez de a subordinar.

Seguindo uma prática, que não deixa de ser ideológica, de não colocar todos “os ovos no mesmo cesto” - que tem sido aplicada, aliás, a todo o país tornando-o uma espécie de helicóptero em estacionário, ou seja, sem resultante - a lei prevê um equilíbrio de poderes entre os quatro chefes militares e entres estes e o MDN, que dificulta muito as decisões e a sua implementação.

A partir da existência desta Lei os sucessivos governos - em progressão aritmética a partir do 1º governo de Cavaco Silva - começaram a asfixiar progressivamente as FAs em termos financeiros, em pessoal e legislativos. Descambou agora na situação de exiguidade e disfuncional idade em que estamos.

Ora perante tudo isto a hierarquia militar reagiu, por norma, tarde (e atrás dos acontecimentos), dividida e em termos ténues.

A primeira (e talvez única) estratégia ensaiada foi a do “facto consumado”. Isto é, pedem-se os meios e depois da sua chegada, solicita-se dinheiro para os manter e operar. Nunca resultou, pelo simples facto dos políticos estarem olimpicamente desinteressados de tais coisas.

A verdadeira grande “estratégia”, contudo, que se pode divisar e comum aos três Ramos foi a de “encaixar danos”. Fez-se isto em nome da subordinação (que os políticos entendem como submissão) militar; na “profundidade estratégica” - sobretudo no Exército; na esperança de melhores dias; que o governo caísse e viesse outro melhor; que a conjuntura internacional ou a percepção de ameaças mudasse o modo como as FAs são encaradas, etc.

Ora nada disto se passou e nunca se cortou capacidades com medo de nunca mais as voltar a ter, foi-se degradando tudo até chegarmos à actual indigência e limiar da sobrevivência em que nos encontramos.

Tudo isto, sobretudo, pela falta de entendimento crónica entre os Ramos que roça a irracionalidade; outro sim, por um erro de análise profundo que resulta de se ter incluído a generalidade dos políticos, oriundos dos partidos políticos de que somos servidos, na “Ordem de Batalha” das “Forças Amigas”! Não faz sentido que assim não fosse, mas o que é certo é que o seu comportamento não o permite ou aconselha.

Ora se nós fizermos uma ordem de batalha errada está-se mesmo a ver o resultado…

Estes dois últimos aspectos saltam à vista, por exemplo, na definição de missões e nas Leis de Programação Militar. Resumidamente: as FAs “nunca têm dinheiro a menos, podem ter é missão a mais”. De modo que, quando os políticos não dão os meios para se poderem cumprir as missões, que eles definiram, que derivam do Conceito Estratégico que eles aprovaram; que, por sua vez, decorre da Política que eles definiram (se é que alguma), então os chefes militares só têm uma coisa a fazer, depois de se (des)entenderem: é apresentarem um estudo de Estado-Maior com várias opções, vantagens, inconvenientes e consequências e forçarem, é o termo, a que haja uma definição política sobre isto e que seja assumida publicamente (naquilo que não for classificado).

Assim é que não. Ainda não repararam os senhores generais e almirantes que o comum dos políticos não tem pejos éticos na sua actuação e a única coisa que daqui resulta é terem colaborado no seu jogo pouco limpo e porem-vos uns contra os outros a lutarem por migalhas do orçamento?

Porque se permitiu que um grupo de inspectores das finanças fosse vasculhar as contas dos Ramos, nos moldes em que tudo se passou, em vez do sargento da guarda (se é que ainda há…) os mandar fazer 180º?

No último Conselho Superior Militar o Sr. Ministro da Defesa fez, aparentemente, um trocadilho de mau gosto, entre a diferença entre “ilegalidade” em linguagem jurídica e uma “ilegalidade” em linguagem militar que, pelos vistos, os outros intervenientes na reunião engoliram sem que lhes doesse a traqueia (em que compêndio jurídico é que isto virá?).

Ora ponham lá a mão na consciência, já não deviam ter mudado de atitude e de estratégia, há muito tempo?[1]

[1] No próximo capitulo, "o que se poderá fazer"

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

EXAME DE CONSCIÊNCIA ÀS TROPAS

“Senhor, dai-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar; a coragem para mudar as coisas que posso mudar, e a sabedoria para conseguir distinguir umas das outras.”
Oração da serenidade, autor desconhecido

Este artigo destina-se a pôr a (grande) maioria das pessoas contra mim. Se a sua consciência o ditar.

Do anterior falámos do desmantelamento da Instituição Militar e da menorização dos militares, que tem sido levada a cabo por todas as forças políticas representadas no Parlamento (sobretudo pelas do arco do poder), nomeadamente desde que a Lei 29/82 - Lei da Defesa Nacional e das FAs - entrou em vigor e que culminou agora no “congelamento” das promoções e na espantosa trapalhada à volta do Dec-Lei 296/09 (integração dos militares na tabela remuneratória única).

Falámos ainda da falta de êxito da mais elevada hierarquia militar na defesa da IM, o que tem levado a um manifesto afastamento entre as partes com cada vez mais nefastas consequências na coesão do todo.

A indignação das tropas foi potenciada, porém, pela “suspensão” da sua carreira; dos cortes salariais e naquilo que se adivinha (e vai ser uma realidade), na “Saúde Militar”. Ou seja em aspectos exclusivamente materiais e que afectam o ser individual no seu dia a dia.

Parece-me curto. Daí que seja necessário fazer um exame de consciência, passe a “impertinência”.

De facto, ao longo destes últimos 35 anos quando ocorreram numerosos erros e indignidades relativamente à Defesa Nacional e ao País raramente se viu alguém indignado ou disposto a opor-se ao plano inclinado em que fomos postos (o país e a IM). Pelo contrário, alguns até colaboraram com entusiasmo. Vou dar alguns exemplos para vos avivar a memória:

- Lembram-se como não se quis “julgar” ninguém a fim de separar o trigo do joio, quem se portou mal, de quem se portou bem (nos termos da virtude e da honra), durante e após o 25 de Abril, até a situação estabilizar?

- Lembram-se da incrível proliferação de subsídios; da reintegração a esmo de quem tinha sido saneado; das promoções avulso e da reconstituição de carreiras (conhecidas na gíria pelo “garimpo”), que causaram mais injustiças do que resolveram e inquinaram a IM por duas gerações? (terá sido o “apaziguamento” possível?);

- Lembram-se quando acabaram com o Serviço Militar Obrigatório? (um erro trágico de gravíssimas consequências!);

- Lembram-se quando mudaram a legislação sobre a escolha dos chefes militares, que governamentalizaram, impedindo qualquer contributo válido da própria instituição?

- Lembram-se quando achincalharam publicamente várias figuras de generais e almirantes e quase ninguém protestou, ou se solidarizou?

- Lembram-se quando retiraram os chefes militares da tabela salarial das FAs e os equivaleram a cargos políticos? (separando a cabeça do resto do corpo...).

- Lembram-se quando acabaram com os Tribunais Militares e, na prática, destruíram a Justiça Militar? (a única que ainda funcionava…).

- Lembram-se quando invadiram o ensino militar pelo ensino civil, para além do que era razoável, pondo-nos de cócoras com quem connosco só tem a aprender?

- Lembram-se dos ataques continuados e recorrentes à condição militar e aos militares, constantes na comunicação social, sem haver qualquer reacção?

- Lembram-se da incrível invasão das mulheres nas FAs, sem nexo que o justificasse, para além da demagogia do politicamente correcto? (e da falta de voluntários para algumas especialidades…).

- Lembram-se dos sucessivos ataques ao RDM, que acabaram na sua remodelação, que transformou a Disciplina Militar, numa quase ficção?

- Lembram-se da regra, inacreditável, do duplo voluntariado para se arranjar pessoal a fim de se constituírem unidades para operar fora do território nacional, cuja principal razão residiu no pânico de alguém poder morrer no cumprimento do seu dever?!

- Lembram-se das sucessivas amputações na autoridade delegada nos chefes militares para poderem bem comandar os seus Ramos - e poderem ser responsáveis por isso - (o que depois se reflecte pela hierarquia abaixo), que os têm vindo a transformar em figuras decorativas, em detrimento de políticos de ocasião cuja ignorância é crassa e as intenções duvidosas?

- Lembram-se dos numerosos grupos de trabalho já nomeados a nível do MDN, enxameados (quando não presididos) por civis, com a finalidade de tratarem de assuntos estritamente militares?

Os exemplos podiam continuar restando acrescentar um ponto: muito do mal que foi efectuado podia ser relevado se tivesse sido feito com boa intenção. A ignorância não pode ser apresentada como desculpa e há incontornáveis indícios de dolo.

A memória dos homens é fraca mas, às vezes, é também muito conveniente.

Por outro lado as responsabilidades dos militares não se limitam à Instituição de cujos antepassados são agora os sucessores (e não há instituição mais antiga no país!). Os militares têm responsabilidade em tudo o que se passa em Portugal, como cidadãos de corpo inteiro, e especiais responsabilidades naquilo que possa pôr em perigo a Segurança da Nação e a sua Independência (jurámos todos defender isto com risco de vida e tal não prescreve na reserva, reforma, nem nos cidadãos que cumpriram o SMO).

Ora também neste âmbito, raramente topei com alguém que fosse além da conversa de escárnio e maldizer à volta de uma boa bacalhoada, âmbito em que continuamos imbatíveis.

Vou arriscar dar, também, alguns exemplos neste particular:

- Recordam-se quando virámos costas ao mar (e ao passado) comprometendo o futuro, até ver, irremediavelmente?

- Recordam-se do modo irresponsável como entrámos na Comunidade Económica Europeia?

- Recordam-se como entrámos no Euro sem estarmos em condições de o fazer?

- Recordam-se como assinámos os tratados de Maastricht, Nice e Lisboa, que põem em causa a nossa independência, sem se explicar nada à Nação nem se fazer referendo?

- Recordam-se como se fez a última revisão constitucional (que passou despercebida), em que se instituiu o primado da legislação oriunda de Bruxelas sobre a nacional, ainda por cima sem que nada a tal nos obrigasse?

- Recordam-se como deixámos a nossa cultura, economia e finanças ser invadidas pelos espanhóis, país com quem temos a única fronteira que nos resta e cujas ambições passadas, ainda vamos conhecendo?

- Recordam-se de como temos vindo a alienar todo o nosso património, sobretudo aquele que é estrategicamente relevante? (depois de termos trocado as verbas dos fundos estruturais pela destruição do aparelho produtivo!);

- Recordam-se de como há décadas se passou a enviar políticos aos pares (não se sabendo como nem quem os escolhe), a reuniões internacionais de que ninguém conhece a agenda, e que são guardadas por forças de segurança e militares, pagas pelos impostos dos cidadãos e que, depois, esses políticos aos pares têm vindo, sucessiva e maioritariamente, a ocupar os cargos de PM e PR?

Quando uns malandrotes madeirenses andam, irresponsavelmente, a agitar o fantasma da independência, isso tem-vos causado, ao menos, algum franzir de sobrolho?


Quando a irresponsabilidade política quer acabar com o feriado do 1º de Dezembro - verdadeiro símbolo da nossa individualidade como Nação - isso causa-vos algum transtorno?

Querem mais exemplos?

Pois parece que muito poucos de vós se tem apercebido disto, a avaliar pela passividade evidenciada, ó tropas!

Começaram agora a acordar pois… estão a ir-vos ao bolso. Mais ainda estão aturdidos com o soco e sem saber o que fazer. A pancada ainda só agora começou. É curto e está tarde (embora valha mais tarde do que nunca).

Julgam que o atrás apontado não configura uma invasão e por isso estão “serenos”? Invasão militar, não será, mas as consequências são as mesmas ou piores. Vou expor de outro modo para melhor se perceber: a presença da Troika no Terreiro do Paço é idêntica à da Duquesa de Mântua no Palácio Real, protegida pela Guarda Alemã no Castelo de S. Jorge…

Hoje estou disposto a bater-me por quê? Eis a súmula do exame de consciência. Ficar indignado ou reagir só quando vos vão ao bolso é curto e fica tarde. E só acontece por falta de reacção a montante.

Nós nem sequer temos que ter serenidade para aceitar o que não podemos mudar, nas palavras do ilustre desconhecido, pela simples razão de que tudo o que se tem passado podia ter sido evitado ou mudado. Faltou apenas a noção do que é geopoliticamente relevante, bom julgamento e alguma coragem.

(1) No próximo ”número”, o exame de consciência aos chefes militares.

sábado, 14 de janeiro de 2012

  Instituto Dom João de Castro
CONVITE 
O Presidente do Conselho de Fundadores do Instituto Dom João de Castro, Prof. Doutor Adriano Moreira, convida V. Ex.ª e Exma. Família para a sessão a realizar-se no próximo dia 26 de Janeiro (5ª feira), pelas 21.00 horas, neste Instituto, durante a qual o Senhor Tenente-Coronel João José Brandão Ferreira proferirá uma conferência subordinada ao tema “Geopolítica da Antárctida e os interesses nacionais”.

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O JANTAR DA ACADEMIA

Foi no dia 12 de Janeiro, dia da “velha” Escola.

O toque de “formar” fez reunir na Academia Militar cerca de 2500 oficiais e alguns civis, todos ex-alunos. A ideia foi feliz (e oportuna) e o acontecimento bonito de ver.

O evento foi extremamente importante, pois marca o início do reencontro da Instituição Militar consigo própria depois dos graves acontecimentos ocorridos em 1974 e 1975, que cindiram as Forças Armadas. É preciso não esquecer que os militares andaram a prender-se e a sanear-se uns aos outros! Daí talvez que a mensagem que sobressaiu no encontro fosse a de “Camaradagem, coesão, camaradagem”, lema que se encontrava espalhado em várias salas. De salientar ainda, que todas as “sensibilidades” existentes no meio militar se encontravam presentes.

E tudo se passou numa altura em que a Instituição Militar e os seus servidores não deixam de ser alvo de ataques num giro de 360º do horizonte…

Estranha-se, no entanto, a presença de uns quantos cujo esquecimento dos Deveres Militares (não estão em causa as opções políticas), levou à prática, em tempos não muito recuados de acções menos dignas que a Justiça Militar e, ou, demais leis da República, infelizmente não puniram. A vergonha, se a houvesse, teria recomendado a ausência.

Estiveram a mais.

Por outro lado, houve quem primasse pela ausência, notada por o seu passado, responsabilidades ou funções, melhor os fazer junto dos seus.

Fizeram falta.

Como é tempo de dar a cara, também se fica a saber onde nos posicionamos.

Foi pena que no fim não se tivesse dado o “grito da casa” e que umas palavras de boas vindas não tivessem sido escutadas.

Mas o saldo é muito positivo: o ar de festa, o encontro de gerações, o bom ambiente em que tudo decorreu, as caras que não se viam há muito, as palmadas nas costas, os nomes de guerra relembrados, etc., etc., tem um efeito moral que não é contabilizável.

Constitui, certamente, um bálsamo para o Moral que tão debilitado anda.

Temos um longo e árduo caminho à nossa frente para conseguirmos uma Instituição Militar mais respeitada e mais apta a cumprir as suas missões.

É necessário convergir esforços, realçando o que nos une e pondo de lado o que possa separar. Não é sequer preciso que tudo se faça para amanhã. Importante é criar uma dinâmica positiva para realizar objectivos.

Se isso for conseguido será fácil já no próximo jantar gritar com orgulho “Vivam as Forças Armadas”.

Publicado no “Centurião” n.º 6, Jan. /Fev. 1990

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

RAZÕES HISTÓRICAS PARA MOTINS MILITARES


Tinham-nos dito, no momento em que deixámos a terra natal, que partíamos em defesa dos direitos sagrados que nos são conferidos por tantos cidadãos instalados lá longe, tantos anos de presença, tantos benefícios concedidos às populações que têm necessidade do nosso auxílio e da nossa civilização”. “Pudemos verificar que tudo isso era verdade e, visto que era verdade, não hesitámos em derramar o imposto de sangue, em sacrificar a nossa juventude, as nossas esperanças. Não lamentamos nada, mas enquanto aqui este estado de espírito nos anima, dizem-me que em Roma se sucedem as intrigas e as conspirações, se desenvolve a traição e que muitos, hesitantes, perturbados, cedem com facilidade às tentações do abandono e aviltam a nossa acção”. “Suplico-te, tranquiliza-me o mais breve possível e diz-me que os nossos concidadãos nos compreendem, nos defendem, nos protegem como nós próprios protegemos a grandeza do império”. “Se tudo fosse diferente, se tivéssemos de deixar em vão os nossos ossos embranquecidos sobre as pistas do deserto, então, cuidado com a cólera das Legiões.”
Marcus Flavinius,
Centurião da 2ª Coorte da Legião Augusta, a seu primo Tertulius

Da análise da História Militar sabe-se que desde os Assírios, os Persas, os Egípcios, os Macedónios, os Gregos, os Romanos, etc., que os motins militares têm origem, fundamentalmente, em três coisas: o não pagamento atempado do soldo (donde deriva a palavra soldado) devido; quando se interfere aleatoriamente na carreira (sobretudo na Idade Moderna) e quando os militares se sentem atraiçoados por quem os tutela.

Foi sempre assim e não se vislumbra (dada a natureza humana), que possa mudar.

Acontece que as numerosas malfeitorias que têm sido feitas à Instituição Militar (IM) e os militares, por parte de sucessivos governos nos últimos vinte e tal anos - o que representa um passivo de problemas acumulado, único em quase 900 anos - vieram, por sorte vária, confluir no actual governo e chefias militares, em que:

- Relativamente ao soldo ainda não deixaram de pagar (embora já tenha havido um atraso de um dia, no ano passado, no Exército), e há mais de 10 anos que a rubrica de “pessoal” é sistematicamente sub-orçamentada, mas fizeram pior, fizeram regredir cerca de 4000 militares à tabela remuneratória de 31/12/2009. Uma coisa inaudita, que certamente nunca ocorreu em nenhum país, nem na “América Latrina”!

E tudo depois de um conjunto de episódios pouco dignificantes cuja origem primeira, foi terem querido meter os militares na tabela salarial da função pública. O que à partida nunca devia passar pela cabeça de ninguém, já que um militar jamais poderá ter um estatuto de funcionário público!

Relativamente à “carreira” - que nos militares adquire uma importância que não tem paralelo em qualquer outra profissão - o actual congelamento das promoções faz com que o decreto-lei 373/73 (que deu origem ao 25 de Abril), pareça uma brincadeira de crianças. Julgo que não preciso de dizer mais nada.

E quanto ao facto dos militares se sentirem atraiçoados, ainda se pode distinguir três vertentes: o “Comandante Supremo” (que aliás não manda nada), que desapareceu, aparentemente, em combate; os governantes que não sabem o que querem, não têm política para coisa alguma, a não ser para os 3Rs - reduzir, reduzir e reduzir - não cumprem leis que aprovam, mudam regras a meio do jogo e têm, numa palavra, destruído paulatinamente uma Instituição sem a qual o País não se sustém; e sentem-se também atraiçoados pelas chefias militares, pois não têm ninguém que os defenda.

Não contentes, porém, em deixar medrar uma das razões que historicamente levam a motins nas forças militares, juntaram-nas todas três, em simultâneo. Convenhamos que era difícil fazer pior em qualquer parte do mundo!

Ora tal só é possível com enorme irresponsabilidade, incompetência, arrogância e muita falta de prudência.

E por terem encontrado pela frente muita gente capaz, disciplinada, com espírito de serviço e de missão, que anda há 20 anos (muito tempo antes da crise) a dar exemplo de contenção de despesas, reorganização e redução que, sem estar isento de erros ou críticas, não tem paralelo em mais nenhuma área do Estado. Mais ainda, apesar dos cortes constantes em tudo, ainda não se deixou de bem cumprir nenhuma missão atribuída, nem se envergonhou (antes pelo contrário) as armas lusas e o País, nos numerosos teatros de operações espalhados pelo mundo, onde marcou presença nos últimos 25 anos.

Não vai ser possível aguentar mais este estado de coisas.

Os contemporâneos julgam, quase sempre, que determinados eventos pertencem ao passado ou só acontecem aos outros.

E, por norma, só descobrem que estão enganados demasiadamente tarde.

COLOMBO OU COLON?

Irei participar como orador neste debate, pelo que os convido a todos para estarem presentes!

sábado, 7 de janeiro de 2012

CHEFIAS MILITARES E O QUE SE PASSA POR AÍ…

Gostaria que soubessem que lamento ter escrito este texto e cada vez sinto mais vergonha do estado em que as FAs foram colocadas e se deixaram colocar.

Publicado no jornal "O Diabo" de 17 de Janeiro de 2012

General GEMGFA Luís de Araújo
“…mas havemos de nos acomodar às situações que existem”

General CEMGFA
(noticia da Lusa, de 31/12/11)

A Força Aérea vai começar o ano a perder cerca de 260 oficiais e sargentos, que pediram para abandonar o serviço activo, ou por terem atingido o limite de idade.

É uma perda brutal.

Não conhecemos ainda os números da Armada e do Exército, mas estes servem para ilustrar o ponto.

Estes números vieram a público por causa da saída inesperada do 2º Comandante do Comando Aéreo (CA). Esta saída deve-se a um “desaguisado” interno que não é relevante para o grande público.

Esta saída tem, todavia, origem na decisão do anterior comandante do CA, há cerca de dois meses, em retirar-se da vida militar e para o substituir ter sido indigitado um Major General (duas estrelas), quando o cargo vence um Tenente General (três estrelas).

Cabe aqui referir, que as saídas previstas de generais e o inconcebível congelamento das promoções em vigor, faz com que a FA tenha, neste momento, quatro generais: o chefe, o vice-chefe e o Comandante do Pessoal. O quarto está fora do Ramo e há pouco tempo na função.

Ora por alturas do Natal S. Exª o Ministro da Defesa fez saber ao Chefe de Estado Maior que pretendia um general de três estrelas no CA, restando saber as razões do senhor ministro ou, o que é mais curial, quem tal lhe foi sussurrar ao ouvido e porquê.

Daqui decorreu a indigitação de um general de três estrelas...

Para o lugar agora vago pelo número dois do CA, marchou o Major General que o senhor ministro (ou alguém por ele) não tinha querido como nº um. Já regressaremos a isto.

Especulou-se, entretanto, porque é que tanta gente quer abandonar as fileiras e aventaram-se umas poucas de hipóteses que podemos sintetizar na seguinte frase: já ninguém consegue aturar o que se passa!

E o que se passa dava para encher páginas, que vamos reduzir a meia dúzia de ideias, nenhuma delas aduzida, aliás, na citada notícia da Lusa, baseada numa entrevista ao CEMGFA.

Em primeiro lugar já não se consegue suportar a continuada má relação político-militar de décadas e o enfado, a acrimónia, a deslealdade e as ilegalidades com que os políticos, em geral, têm tratado as FAs e os militares; depois o continuado ataque à condição militar em todas as suas vertentes, que intentam destruir, por não lhes convir, não entenderem, ou não acharem necessária; em seguida, porque os militares não têm, há muito, hierarquia que os defenda; finalmente por não haver aviões para voar, navios para navegar e homens para comandar!

Hoje em dia, só quem não sabe ou gosta de fazer mais nada; não arranja emprego, ou ainda julga que pode desviar o eixo da terra a fazer flexões de braços, é que permanece na Instituição Militar. Quem tem condições pira-se (é o termo), num fósforo!

As intenções governamentais – e nisto o PSD/CDS têm-se revelado mais perniciosos e perigosos para a IM, porque são mais metódicos e cínicos a fazer as coisas, ao contrário dos socialistas que são desastrados a lidarem com fardas – devem ser, para já, como segue:

Meter o Exército inteiro, a três batalhões (menos), em Santa Margarida; a Marinha fica circunscrita ao Alfeite (onde já está), com alguns pontos de atracagem espalhados pela costa, ficando à espera que os navios encostem todos, à excepção de dois patrulhas para a busca e salvamento; e reduzirem a FA a duas bases, provavelmente Monte Real (que diabo a Nato até gastou lá uma palete de massa), e Beja, digo Montijo, já que não dá jeito andar para a frente e para trás com o Falcon. E, claro, fazendo migrar o comando da Defesa Aérea para Madrid…

Isto numa primeira fase; imaginem o que será a segunda.

Voltemos agora ao CA para analisarmos o facto – de gravidade inaudita – do MDN ter interferido directamente nas atribuições de um chefe militar, neste caso, nas de gestão do seu pessoal.

Não está em causa se a decisão de nomear um determinado oficial para uma função, foi boa ou má – a função em causa obriga, até, que a nomeação seja ratificada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, o que ultrapassa o próprio ministro – mas sim a ingerência em âmbito que não lhe compete. Ainda por cima com o desaforo das implicações que a não autorização de promoções acarreta.

Tudo isto representou uma desautorização do CEMFA e sobre isto mais não digo.

O passo lógico seguinte, a ser dado pelo senhor ministro, será o de passar a colocar todos os comandantes de unidades e por aí abaixo. Não, não corro o risco de ser acusado de lhes estar a dar ideias, já há muito que estão mortinhos por fazer isso e só não põem um “boy”, ou uma “girl” lá deles, a comandar o Regimento de Infantaria de Viseu (em tempo de paz, claro), porque é manifestamente difícil – embora não impossível. Mas lá que gostavam…

Não contentes em terem transformado os chefes militares, na prática, em figuras decorativas – por terem vindo, paulatinamente, a esvaziá-los de todas as competências - ainda os querem transformar em “quartos secretários” do Presidente da Comissão Liquidatária (da tropa). E sabem que mais? Tenho esperanças de que se hão-de mostrar contentes com isso.

A iniquidade miserável do último despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa, de 30/12 (que faz regredir os militares à tabela salarial de 31/12/09), só encontra paralelo na patética reacção (ou falta dela), da alta hierarquia militar, perfeitamente incompatível com aquilo que se ensina aos cadetes, na escola!

Fomos todos postos de castigo, voltados para a parede e com orelhas de burro.

Sem querer tirar a frase citada, do CEMGFA, do contexto em que foi dita, mas extrapolando-a, pode-se entendê-la como a síntese quase perfeita da atitude da generalidade da hierarquia militar, desde 1982[1] (depois de se terem zangado no dia 26 de Abril de 1974): “havemos de nos acomodar às situações que existam”.

Nem imagina o senhor general o alcance da verdade que agora lhe escapou.

Resta apenas saber o que acontecerá quando houver alguém que não se queira “acomodar”.

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[1] Data da promulgação da Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.

A DEMOCRACIA E AS SOCIEDADES SECRETAS

Para os que não acreditam em bruxas (mas lá que as há, há), e a propósito da actual celeuma que por aí vai sobre serviços secretos, maçonaria, "Ongoing", etc., relembro o artigo que sobre a temática escrevi, em 3/8/2010.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

D. SEBASTIÃO, O DESEJADO (1554-1578?)

O personagem D. Sebastião é (isto é, tornou-se), uma das figuras mais controversas da História de Portugal e o seu desaparecimento no fim da batalha de Alcácer-Quibir, em 4 de Agosto de 1578, ainda constitui um dos maiores enigmas do nosso rico e conturbado destino comum.

Estarão os leitores, eventualmente, curiosos de saber porque começa-mos o ano a escrever sobre o “Encoberto”. Já lá iremos.

D. Sebastião, “desejado” como o crismaram, bem poderia ser chamado de “infortunado”. De facto nasceu no “fio da espada”, pouco tempo após da morte de seu pai, o príncipe D. João. Ficou sem a mãe, D. Joana de Áustria, pouco depois dos primeiros afagos, por razões políticas e muita desumanidade, que a obrigaram a regressar a Madrid (mãe e filho mantiveram sempre o contacto epistolar e através de retratos que a mãe pedia, sendo curial pensar ser esta a razão porque D. Sebastião é dos reis mais retratados entre todos eles).
Infortunado também, porque cresceu numa Corte dividida e cheia de intrigas, com uma avó castelhana (Regente) e um tio Cardeal, também regente (mais tarde Rei), já algo senil. Apenas teve sorte com alguns dos seus mestres. Como pano de fundo, um país ainda orgulhoso dos seus feitos, mas já em acelerada decomposição moral e material.
O infeliz desfecho da jornada marroquina – cuja razão de ser está longe de ter sido uma “loucura”, como muitos observadores “pouco atentos” teimam em classificar – fez voltar contra ele muitos autores por ligarem a derrota à perda da independência; a acção dos Filipes e a posterior historiografia espanhola, não lhe foram nem serão, por razões óbvias, favoráveis.
Por seu lado a Dinastia de Bragança, apesar de ter a sua origem na Casa de Avis, não tem por esta grande apreço, desde que D. João II fez degolar o 3º Duque de Bragança, mesmo estando este envolvido em alta - traição contra o seu soberano; além disso, durante a Restauração, a Casa de Bragança (entretanto reabilitada por D. Manuel I), encabeçou o salvamento do país e este estava unido à volta de D. João IV. D. João, este, que não poderia ser rei caso D. Sebastião fosse vivo ou aparecesse…
Finalmente, muitos dos historiadores liberais do século XIX a que se seguiram outros “democratas” da I República, quase diabolizaram o Rei - Menino, assacando-lhe incontáveis chagas físicas e morais. Neste âmbito se embrenharam, inclusive, alguns médicos arvorados em historiadores, cujas teses estão hoje desmentidas.
Houve de tudo um pouco, desde António Sérgio que se desqualificou ao chamar a D. Sebastião coisas como “pateta”, “imbecil”, “perfeito pedaço de asno”, “tonto”, “bobo”, “idiota”, “torpe”, “vil”, etc.[1]; até ao insuspeito Prof. Veríssimo Serrão[2] que, aparentemente, foi na onda do “diz-se”sem se ter tomado de cautelas.
Ora o jovem Sebastião – e aqui entra a razão deste escrito – escreveu um memorial, antes de fazer 14 anos – ou seja antes de ter sido coroado Rei – que quase se pode haver como um “programa de governo”, seguramente um código de conduta [3] ·.
Ei-lo, sendo os sublinhados de minha autoria:
    Terey a Deos por fim de todas as minhas obras, e em todas ellas me lembrarey delle.
     Em me deitando, e levantando, conta com elle muito particular.
    Cuidar à noite, em que falley naquelle dia.
    Trabalharey muito por dilatar a Fé.
    Favorecerey muito as coisas da Igreja.
    Armar todo o Reyno.
    Defender alfayas, e delicias.
    Fazer mercê a bons, castigar a máos.
    Não crer levemente, e ouvir sempre ambas as partes.
    Fazer justiça ao grande, e ao pequeno sem exceição de pessoa.
    Tirar as onzenas.
    Conquistar, e povoar a Índia, Brasil, Angola, e Mina.
    Todo o que me fallar deshonestidades, castigallo rijamente.
    Quando houver de fazer alguma cousa, comunicalla primeiro com Deos.
    Reformar os costumes começando primeiro por mim no vestir, e comer.
    Em negócios ter primeiro conta com o bem comum, e depois com os particulares.
    Tirar alguns tributos, e buscar modo, com que Lisboa seja abastada.
    As leys que fizer, mostrallas primeiro a homens de virtude e letras para que me apontem os inconvenientes, que tiverem.
    Levar os súbditos por amor, em quanto poder; ser inteiro aos Grandes, humano aos pequenos.
     As Commendas sirvão se a África.
    Não ter junto de mim, senão homens tementes a Deos.
   Devaçar dos Oficiais de Justiça, e Fazenda cada anno.
    Escrever a todos os Prelados, que fação dizer Missas e Oraçoes por mim, e pedir Jubileo ao Papa.
    Terey nos póstos do mar homens de confiança, e os que entrão, que não sejaõ suspeitos na Fé.
    As cousas, que naõ entender bem, communicallas primeiro com quem me possa dar parecer desenganado.
    Naõ dar, nem prometer nada, sem saber se he injustiça, ou mal feita.
    Mostrar bom rostro, e agasalhado a todos.
    Prover os cargos, e Officios em quem for para isso, e naõ por outros respeitos.
    Naõ desmayar nas dificuldades, antes ter mayor fé, e confiança em Deos.
    Tirar a cobiça.
    Mostrar sempre animo liberal, e naõ aquanhado.
    Gavar os homens, e cavalleiros, que tiveram bons procedimentos, diante de gente, e os que tiverem préstimo para à República, e mostrar aborrecimento às cousas a ella prejudiciaes.
   Naõ dizer palavras, que escandalizem, mayormente quando estiver agastado.
    Os meus Embaixadores andaraõ sempre vestidos à portugueza.
    Em todas as cousas, que fizer, terey primeiro conta com a honra de Deos.
    Serey pay dos pobres, e de quem naõ tem quem faça por elles”.
Ora o que este texto notável revela é um carácter forte, cheio de espírito de missão e uma invulgar soma de conhecimentos e bom senso, em tão jovem cabeça, perfeitamente incompatíveis com os defeitos que os detratores assacam ao “Desejado”.
Resta dizer que a “teoria” apontada pelo Rei foi posta em prática no seu curto reinado, e com invulgar determinação e sentido de justiça.
Permito-me, até, recomendar a sua leitura a todos aqueles que têm assento em edifícios bem identificados ali para os lados de Belém, S. Bento e na Gomes Teixeira. Ámen.

[1] “Ensaios” T. I
[2] História de Portugal, 3º Vol.
[3] Transcrito por D. António Caetano de Sousa, in "História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Lisboa, 1733; e citado por Mário Saraiva,in "Nosografia de D. Sebastião", Delraux,1980.