quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O “GRANEL” DA “SAÚDE MILITAR”

Publicado no jornal "O Diabo" de 4 de Janeiro de 2011
Vista frontal do edificio principal do HMP, na Estrela
Tinha decidido não escrever mais sobre o assunto mas ao assistir ao evoluir do mesmo e ao sentir na pele as consequências das decisões tomadas (e ainda a procissão vai no adro…) resolvi dar mais um contributo para este peditório.

Sem adiantar juízos de valor vamos ver o que se passa quando as desavenças dos de acima, chegam ao elo final da cadeia, neste caso os utentes do sistema.

Um familiar meu e eu próprio tínhamos questões pendentes do foro ortopédico e urológico – justamente as duas únicas especialidades médicas cujos serviços migraram do Hospital da Força Aérea (HFA), para o Hospital Militar Principal (HMP). Acontece que, no que toca à ortopedia, a maioria dos médicos militares e civis em serviço na FA, entendeu não querer passar a trabalhar na Estrela e saíram do serviço activo.

Como a Marinha não fechou ainda o respectivo Hospital nem transferiu nenhum médico para os serviços do Exército à excepção, salvo erro, de um dermatologista, o serviço de ortopedia ganhou os doentes todos, mas não o pessoal para os curar. Ou seja conseguir-se uma consulta, passou para as calendas não gregas mas, para aí, persas. Agendar uma operação deve ser bonito…

O serviço de urologia lá marchou mas, azar dos Távoras, neste caso dos Brandões, o meu familiar que aguardava uma operação, pertence à ADSE, o que era permitido pela FA, mas não é aceite no Exército…Ainda não fui ver como se resolve a coisa, mas provavelmente só no que resta do Serviço Nacional de Saúde, ou no privado, que é para onde o governo nos quer atirar a todos, não só porque não sabe quanto gasta na saúde, mas também porque faz jeito a umas quantas empresas do mercado.

Ora isto são apenas duas pequenas consequências de um processo que nasceu torto, onde ninguém se entende e onde ninguém manda. E, no mais, perfeitamente escusado.

Mas já lá iremos.

Convinha, à partida esclarecer – porque nestas coisas a clareza é importante – se os actuais despachos do Sr. Ministro da Defesa (MDN), foram da sua iniciativa ou inspirados nalgum chefe militar. Mas os despachos e a “Reforma da Saúde Militar”, tudo espremido, versam apenas a questão dos hospitais militares (havia um para a FA e a Armada, em Lisboa; e três para o Exército, dois em Lisboa e um no Porto, sendo que o HMP tem três núcleos de edifícios distintos).

O objectivo, vá-se lá saber porque bulas, é fazer um, ou o hospital único das Forças Armadas. Hospital único não quer dizer, à partida, que tudo estivesse reunido no mesmo local, mas parece que é isso que se pretende, já que se determinou o fecho do Hospital de Belém (infecto-contagiosas) e o da Marinha para, numa primeira fase, restarem o HMP e o HFA, no Lumiar. Mas tudo aponta para que, posteriormente, apenas reste a Estrela ou o Lumiar. A serem as coisas assim, o do Porto também não vai durar muito… a alternativa seria fazer um hospital novo de raiz, o que é impensável não só porque não há dinheiro como não existe vontade política.

Esta ideia não é nova e tem andado aos baldões de ministro em ministro.

As coisas passam-se normalmente da seguinte maneira: pedem-se pareceres aos ramos e fazem-se várias reuniões; ninguém se entende. Porém, raramente os problemas são encarados de frente, evitam-se pôr os dedos nas feridas, quando as há, e opta-se – à boa maneira portuguesa – por atacar efeitos e “dourar pílulas”. A seguir acontece uma de várias coisas, a saber: muda o ministro e volta tudo à estaca zero; mudam os chefes e o processo sofre dilações; formam-se novos GT; fazem-se umas directivas que, ou não são cumpridas; verificam-se que estão erradas; cumpre-se uma coisinha. Andamos nisto há décadas.

Chegou agora um ministro – que obviamente também não percebe nada da função que veio ocupar, mas que tem peso político e com fama de “malhador” – que decidiu cortar a direito. Quando os chefes militares se aperceberam disto, em vez de se unirem, discutirem o assunto e apresentarem uma solução equilibrada, para assim poderem fazer frente às mais do que previsíveis asneiras dos políticos, não senhor, foi cada um para seu lado, tentar salvar uns cacos onde ainda possam dizer que mandam um bocadinho. Isto chegou a extremos inéditos: os médicos militares, que normalmente não ligam a estas “guerras”, passaram a vestir a “camisola” dos Ramos e andam amofinados uns com os outros!

Estamos a falar de quatro (não de quarenta!) chefes militares, que se conhecem há muitos anos, andaram em escolas idênticas e leram pelos mesmos livros, Santo Deus! Adiante.

O que se passa tem alguma razoabilidade? Não tem.

Não faz sentido ter um hospital único das FAs se não houver um Serviço de Saúde Militar único e este também não parece ter qualquer justificação. Cada ramo tem as suas especificidades e necessidades próprias.

Tudo funcionava razoavelmente bem, e os serviços estavam praticamente lotados em todo o lado. Concentrar tudo em um ou dois lugares vai tornar impossível prestar o mesmo serviço a todos os utentes como até agora. E vai custar dinheiro em mudanças e adaptações. Ao avançar-se para um hospital único, este fica dependente de quem? E como vão funcionar os serviços dos ramos e respectiva articulação? Ou seja terá que haver mais um “terramoto” organizativo e legislativo perfeitamente dispensável e inútil.

Depois está-se a olhar para a saúde militar de um modo restritivo, esquecendo-se que esta serve primariamente para apoiar as tropas em operações e que os hospitais militares são a retaguarda de tudo isto e devem articular-se com a “linha da frente” e apoiar a “família militar”.

A única coisa que faria, eventualmente, sentido seria fazer utentes dos hospitais militares o pessoal da GNR e assim “dispensar”o hospital – eufemísticamente baptizado de “clínica” – de que usufruem. Mas tal o Sr. MDN não quer pois não está na sua tutela… Ou seja, só as FAs é que têm que se “racionalizar”, o governo não!

Não se entende o que se ganha com tudo isto, mas podemos apontar os problemas verdadeiros que existem e com os quais, pelos vistos, ninguém está preocupado: harmonizar e disciplinar a qualidade de médico com a função militar – não devo agora desenvolver este aspecto; cuidar do problema da retenção do pessoal que trabalha nesta área; resolver os problemas da carreira dos enfermeiros e sua formação; ultrapassar os constrangimentos oriundos do ministério das finanças relativos à contratação do pessoal civil técnico, indispensável.

Quando se chegar à decisão de fechar o hospital de FA ou o do Exército, nova “guerra” despontará e já começou a ser preparada: como o HMP não tem condições para se bater com as instalações do Lumiar (não tem bons acessos, heliporto, parques de estacionamento, zonas de expansão e carece de verbas substanciais para manutenção de edifícios), a não ser em número de quartos, o Exército tem apostado na manutenção e alargamento da urgência, de proveito mais do que duvidoso.

Problemas há-os sempre, e procedimentos que podem ser melhorados, também. Por exemplo, a Marinha era muito atacada (sem se ponderar bem se eles não teriam razão), por o pessoal no activo receber medicamentos gratuitamente, e os do Exército e Força Aérea, não receberem. Pois bem, ora aqui está algo que devia ser uniformizado num sentido ou noutro, ponderadas as razões. Mas para isto e para a “racionalidade” do sistema seria necessário arranjar este granel medonho?

O MDN já deve estar mais que arrependido, mas como tomou a decisão agora não quer dar o dito por não dito…

Resta a pergunta, que devia em primeiro lugar ter sido equacionada: o que é que se pretende atingir com a “reforma” em curso?

domingo, 19 de dezembro de 2010

Para que se saiba e não se esqueça.

PORTUGAL E A UNIÃO INDIANA: OS FACTOS E A VERDADE

O ULTRAMAR E A GUERRA. AINDA!

SUSPENDER A “DEMOCRACIA”: SERÁ QUE A MANUELA TINHA RAZÃO?

Não se trata de prenda de Natal...
Escrevi este texto em 2/6/10 e obtive as reações mas diversas.
Passados cerca de seis meses envio-vos de novo a fim de o  interiorizarem e aquilatarem se pensam o mesmo de então.
Espero que perdoem o desafora, mas a intenção é boa.
Um Santo Natal para todos!
03/6/2010
(Dia do Corpo de Deus)

Não passa um santo dia em que o comum do cidadão não seja agredido na sua mente, no seu espírito e no seu bolso, por um qualquer evento ou declaração política.

Trata-se de uma verdadeira violentação cívica e psíquica, contumaz, que não há futebol, fado ou Fátima, que releve.

A última “pérola” de que fomos servidos, saíu da boquinha asneirenta do sr. Ministro das Finanças – isto não é um insulto mas antes a constatação do senhor não acertar em nada do que diz – ao defender no parlamento que o aumento do IRS devia ter efeitos retroactivos, pois o bem geral deve sobrepor-se à lei (neste caso a Constituição da República)! Este arrazoado pretende justificar a impossibilidade de uma tal medida ser tida como anticonstitucional.

E se não fora, é seguramente insensata. A insensatez e a ignorância correm, aliás, paredes meias com o despudor e a falta de vergonha com que a generalidade dos políticos diz as coisas mais inverosímeis, quando não uma coisa hoje e o seu contrário, amanhã afivelando o ar mais seráfico deste mundo.

Será que não terá ocorrido ao senhor ministro pensar para que servem então as leis? E se acaso as leis existentes não serem suposto servirem o bem público? Servirão então o quê? E se esta ideia do sr. ministro (do governo?), fizer vencimento, que outras se seguirão? Sim porque a partir daqui, é o vale tudo…Que os responsáveis políticos não dizem normalmente o que pensam, até uma mente infantil percebe; mas será que andam tão desorientados que já nem pensam o que dizem?

Quando se porá cobro a toda esta falta de seriedade, ao mais alto nível, que se desenvolve como uma mancha de óleo e que acobertada pelo termo “democrático” está a desgraçar e a desqualificar o nosso país, Portugal?

Quanto mais tempo iremos admitir, que a nível do Estado se tomem decisões gravíssimas algumas das quais põem em causa a existência de Portugal como país independente, sem consultarem e explicarem à população o que se passa?(caso da UE,por ex.). Até quando iremos admitir que nos faltem à verdade, que falhem constantemente nas previsões de tudo e raramente cumpram as promessas feitas?

Como é possível a maioria da população não se incomodar que o país esteja com uma segurança medíocre; a justiça não funcione – isto é, tudo funciona, mas não se exerce justiça… -; idem para a educação – isto é, tudo funciona, mas os resultados são desastrosos - e que se viva há mais de três décadas acima das nossas reais possibilidades, sem que ninguém responsável tenha tido a coragem de dizer que o rei anda nu ?

Até quando é que a população vai aceitar que cerca de umas 100 a 200.000 famílias que orbitam à volta dos partidos e do Estado suguem a quase totalidade da riqueza produzida na Nação?

O que será necessário acontecer para se perceber que não podemos viver sem termos objectivos políticos institucionais e de longa duração, e estratégias para os alcançar e tal não poder ser constantemente boicotado pela luta partidária (fratricida!) e pelas sucessivas pugnas eleitorais que não permitem que haja tempo para se exercer o Poder e … governar?

E será assim tão difícil apurar responsabilidades pela verdadeira incompetência/corrupção com que foi utilizada a maioria dos fundos comunitários que, tudo somado, pouco nos deixa de mais valias para o futuro? E já pensaram que estes fundos (cerca de dois milhões contos/dia desde 1986) representam uma soma incrível de riqueza que ultrapassa, em muito, as especiarias do Oriente, o ouro do Brasil e as riquezas de África, fundos estes que nós nem sequer tivemos que ter o esforço de enviar navios a buscá-los, pois estavam ao alcance de uma tecla de computador?

De facto é muito lamentável o estado a que nos deixámos chegar. E não devemos culpar ninguém, a não ser nós próprios, por isso.

Ainda não há ruptura de abastecimentos, dificuldades de sobrevivência graves e revoltas sociais extremas. Mas lá chegaremos se não atalharmos caminho.

Infelizmente não acredito que a classe política que temos se regenere e seja capaz de endireitar o país, por razões que não vou expor.

Mas vou expor meia dúzia de acções que julgo urgentes para parar o caminho para o abismo. Mesmo sabendo que vou incorrer no desacordo e na ira de muitos compatriotas.

O estado de sítio deve ser declarado.

O PR (é bom que seja o PR…), deve escolher um governo de salvação nacional, com personalidades independentes dos partidos, que reúnam três características: sejam patriotas, sérios e competentes.

O estado de sítio implicaria: suspensão da actividade partidária; censura à imprensa; proibição de greves, lockouts e manifestações; controle das fronteiras; reavaliação dos compromissos internacionais para determinar quais os que seriam suspensos; comando centralizado de todas as forças militares, policiais e de segurança; manter os tribunais ordinários a funcionar para questões correntes e suspensão dos tribunais superiores; poderes especiais para o Banco de Portugal poder intervir no sector financeiro, etc.

Os objectivos principais do estado de sítio (seis meses a um ano devem chegar), são cinco: a definição de um sistema político que funcionasse em Portugal, com portugueses – já se viu que este sistema de partidos não funciona e temos disso prova desde 1820, já chega;

A definição de objectivos nacionais permanentes e importantes e as estratégias para os alcançar (não pudemos andar constantemente à deriva ou a mudar de rumo!);

A definição de bases de uma economia minimamente sustentável, que possa ser avaliada e corrigida;

A criação de uma equipa alargada de investigadores com poderes especiais para investigarem todas as trafulhices existentes a nível dos órgãos do Estado e não só. Os casos de ilícitos instruídos transitariam para tribunais formados especificamente para julgar, com celeridade, estes casos;

Preparar a realização de referendos para as principais medidas que se vierem a considerar adequadas.

O estado de sítio não deve impedir o livre debate sobre as principais questões em apreço. Deve, porém, discipliná-las e torná-las representativas. E a acabar de vez com o mito idiota de que todas as pessoas podem ou devem, discutir e decidir sobre tudo – mesmo do que não entendem.

Por aqui me fico, sabendo que não farei vencimento. Pensem apenas que seria preferível jogar por antecipação para evitar males maiores.

Para evitar, por exemplo, que venhamos a ficar numa situação semelhante à de 1926.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O AEROPORTO “MONO”, DE BEJA E A NATUREZA HUMANA

4/12/2010

Ao fim de cerca de 12 anos a aerogare civil da Base Aérea Nº 11, sita em Beja, está praticamente construída. Falta certificá-la e… dar-lhe uso.

Contas feitas, 35 milhões de passivo e outros tantos para tornar tudo operacional. Mas resta a pergunta, para operar o quê, como e quando? Parece que ninguém sabe responder a isto, vários governos, grupos de trabalho e vicissitudes, depois.

Existe uma questão central em tudo isto e que é esta: qual o objectivo e qual a viabilidade económica desse objectivo? É aqui que o nevoeiro é imenso. O objectivo geral parece discernível, trata-se de trazer mais valias económicas/financeiras/sociais, a uma das zonas mais pobres e deprimidas do país, o Baixo Alentejo. Os objectivos parcelares que consubstanciariam o objectivo geral é que são mais difíceis de distinguir.

Senão vejamos: para que serve um aeroporto? Pois para transportar “de”, “para” e volta, passageiros e mercadorias/correio. Mas o que poderemos transportar de lá, ou para lá? O Baixo Alentejo tem um turismo incipiente (mesmo contando com um desenvolvimento muito acelerado do Alqueva); não existem eventos internacionais significativos (a não ser que se queira englobar a “Ovibeja” em tal categoria); tão pouco desportivos. 

Baixo Alentejo tem pouquíssima população e muito poucos destes habitantes tem meios para viajar de avião; a agricultura está a morrer; não tem indústria (o pólo de indústria aeronáutica que poderia servir os intuitos deste âmbito, foram colocados em Évora…), nem serviços, logo não há reuniões de negócios… Uma criteriosa agricultura de estufas, sobretudo no sudoeste alentejano podia produzir uma quantidade de produtos hortícolas e florícolas de qualidade – poderia, friso – a que se teria que conseguir mercados para exportação, mas isso justificaria voos regulares a partir de Beja? E feitos por quem? Que incentivos se poderão elencar para atrair investidores?

Pode-se pensar que o Porto de Sines poderá servir de porta de entrada e saída para produtos. Mas que produtos? Que produtos poderão chegar a Beja de avião para seguirem de navio a partir de Sines? E que produtos poderão desembarcar em Sines, para seguirem de avião? Pois apenas produtos perecíveis ou de alta tecnologia e baixo volume/peso. Quais?

Vamos supor, com optimismo, que países do Oriente, nomeadamente a China, veriam Sines como uma boa porta de entrada dos seus produtos na Europa, a aposta não recairia no caminho-de-ferro?

Temos ainda a considerar a concorrência que poderá vir a existir do terminal que os espanhóis acabaram de construir em Talavera da Real (Badajoz), e não devemos esquecer que os aeroportos de Lisboa e Faro estão a cerca de 120 km de Beja.

Ora estamos em crer que os estudos de viabilidade económica não foram feitos com a necessária profundidade e, ou, seriedade. Mas a conta calada para o contribuinte, essa, já está a facturar…

Como chegámos a este ponto? Basicamente por via da natureza humana. Expliquemo-nos.

As forças vivas do distrito anseiam por desenvolvimento, os protagonistas, sobretudo se conseguirem mais valias, terão dividendos políticos, além de previsíveis negócios.

Disso se apercebem as forças políticas no seu conjunto, primeiro a nível regional, depois no âmbito nacional. O ponto de partida seria a já existente infra-estrutura aeronáutica militar, muito disputada para utilização civil (de norte a sul do país) – esquecendo muito convenientemente os custos e implicações que acarreta. Julgam ou fingem julgar, que é só chegar lá e utilizar, tipo “tiro e queda”.

Depois de alguns relatórios e muitos almoços e jantares, lá se consegue uma luz verde, sobretudo se estivermos perto de um período eleitoral. Nomeia-se então uma comissão/grupo de trabalho/órgão, que começa por ter que se instalar. O processo é algo moroso: é necessário arranjar instalações “condignas”, viaturas, secretária(s) e parafernália vária; tratar da parte legal e, claro, conseguir cabimentação de verbas para tudo funcionar.

Começa-se então (finalmente) a trabalhar, por norma sem objectivos ou especificações precisas. Amiúde os membros nomeados, desentendem-se. Quando muda o governo, é usual haver mudanças na equipa ou no trilho do trabalho efectuado. Por vezes em ambas, quando não existem hiatos por faltar algo, normalmente dinheiro. Os orçamentos em Portugal andam de skate, derrapam sempre…

Ao fim de alguns anos, lá se tem a infra-estrutura construída, o problema seguinte é que ela engrene no País que somos.

Porque é que as coisas se passam assim? É simples, as forças vivas da cidade/região jamais admitirão que a ideia não é boa ou seja útil para o futuro, por isso continuarão a empurrar com a barriga; as estruturas político partidárias obviamente não se opõem, já que isso lhes pode retirar votos. Mesmo os da oposição são cuidadosos e não criticam em demasia, atacam apenas a forma, ou um ou outro personagem; os sucessivos membros dos GT constituídos também não se opõem a nada, e são quando muito, cuidadosos nos alertas que fazem, já que é o seu ganha-pão – mesmo que temporário – que está em causa; os organismos/entidades que podem ser chamados a intervir/colaborar, etc., também só raramente levantam problemas, que não sejam da sua área exclusiva. Afinal não é nada da sua conta e há certamente quem esteja a ver o filme todo…

Finalmente, o governo, por norma, não intervém a não ser quando o desastre é já extenso, ou o Tribunal de Contas – que na prática não tem poder nenhum – publica um relatório pouco abonatório. Percebe-se: o governo tem mais que fazer e além disso não convém desagradar às estruturas locais do partido nem às populações da área; e, com um bocado de sorte, até haveria mais um bocado de cimento para inaugurarem (para já não falar nas eventuais generosas contribuições que aqui e ali, pingam para os cofres partidários).

Em termos gerais, toda esta minha gente, passa a ter, com o decorrer do tempo, a maior dificuldade em assumir que algo está errado, mesmo que, já se sabe, tudo tenha sido feito com a melhor das intenções.

Esta é a prática generalizada no país chamado Portugal, nas últimas décadas. Nunca existem responsáveis.

Parece que agora se descobriu que além de não haver dinheiro para se manter a economia, as estruturas do Estado e o “estado social”, a funcionarem, estamos todos endividados até ao tutano.

Gostaria muito que a aerogare civil de Beja servisse para tudo aquilo que os bem intencionados desejavam. Mas tenho as mais sérias dúvidas.

Lá se deu cabo de mais uns quantos hectares de sobreiros, pasto e para plantio de cereais. E estes fazem-nos muita falta.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

AINDA OS BLINDADOS DA PSP E O PORQUÊ DAS COISAS

5/12/10
Publicado no "O Diabo" de 14 de Dezembro de 2010

Blindado semelhante aos da PSP
Conhecem-se as linhas gerais da novela:

Cerca de dois meses antes da Cimeira da NATO (19/20 de Novembro) – sobre a qual se fez derramar junto da opinião pública os mais sérios riscos; e se deve elogiar os responsáveis pelas medidas tomadas, pois foi a primeira vez, em todo o mundo, em que numa cimeira destas não houve uma única bastonada – veio a público e algo a medo, a encomenda de cinco viaturas blindadas para serem aumentadas à carga da PSP com a “desculpa” de que eram necessárias à segurança da dita cimeira. Estranhou-se o facto, houve argumentação a favor e contra, para se chegar à ocorrência da dita cuja, sem que as viaturas chegassem a tempo.

Para se perceber tudo isto, é necessário dilucidar dois aspectos: a necessidade e a oportunidade, e mais umas questões mais ou menos acessórias. Já em artigo anterior opinámos sobre a falta de razoabilidade da aquisição das viaturas blindadas, até porque existem 20 viaturas adequadas para a finalidade aludida, na GNR.

Parece então que as viaturas são pretendidas não para a segurança de cimeiras, mas para intervenção em “bairros problemáticos”, isto é em linguagem reciclada “zonas urbanas sensíveis”.

Porque não se assume isto? Bom, não tem segredo nenhum: ao governo, através do MAI não é nada politicamente correcto, vir dizer à população uma coisa destas, ainda por cima quando andam sempre a pintar de cor de rosa a segurança das populações; por outro lado a própria PSP, não pode vir dizer algo que contraria os desígnios políticos da tutela e convenhamos que também não faz bem ao seu ego ter que assumir que o patamar de segurança está a fugir aos meios que tem.

Depois temos o problema muito típico português, do “complexo de quinta” (longe de ser exclusivo da GNR e da PSP), isto é, ambos têm a mesma missão, embora em áreas complementares, mas como utilizar os meios em proveito mútuo? E quem comanda? Porque é que eles têm e eu não? O protagonismo de um prejudica o outro?, etc. Ora estes são problemas de sempre que sempre é necessário harmonizar.

Depois temos ainda a questão magna da intervenção ou não das FAs na segurança interna. Mas isto representa um imbróglio constitucional, primeiro e de regulamentação, depois, que tem a sua origem em complexos políticos, derivados da transição do “Estado Novo” para o actual modelo de Democracia e que não há meio de ser ultrapassado e resolvido.

Vejamos a oportunidade. Esta tem origem numa espécie de jogo de sombras. Ou seja os governos são relapsos em equipar adequada e atempadamente, as forças de segurança e sobretudo as FAs. A crise financeira e outras prioridades, têm agravado a situação, sobretudo nestas últimas. As FAs, porém, ainda dispõem de uma Lei de Programação Militar (que aliás nunca é cumprida…), as Forças de Segurança (FS), nem isso.

Ou seja, cada vez que há um evento maior para as FS, caso da Expo 98, Europeu de Futebol, Cimeira da NATO, etc., ou se acorda uma ida de uma unidade militar para um teatro de operações distante, por exemplo, aproveita-se a oportunidade para se tentar adquirir de tudo um pouco do que faz falta e não há (às vezes, também, do que não faz falta…).

O governo pressionado e com pavor de haver um incidente ou um morto, lá autoriza, “in extremis”, a compra de algo, por ajuste directo, o que por norma fica mais caro, arrisca-se a não chegar a horas e a provocar problemas legais.

Ora foi mais uma vez isto que aconteceu com os blindados para a PSP, acrescido das hesitações políticas e da burocracia do ministério das finanças em desbloquear verbas.

Mas se a necessidade de blindados é mais do que questionável, já o mesmo não parece acontecer com as 46 viaturas de transporte (de que ninguém fala), também pedidas (e por fim, autorizadas) e que a trapalhada descrita, ainda vai fazer que demore à sua chegada. Ora estas viaturas servem para substituir e melhorar, as existentes que estão velhas, e para garantir a operacionalidade de uma das melhores ideias que a PSP teve, que foi a de constituir equipas de intervenção de cerca de nove homens, especialmente treinados, para actuarem rapidamente em locais onde se verifiquem acções violentas de ordem pública.

Assim vamos vivendo no reino da Lusitânia.

Dizer a verdade em vez de tentar enganar o próximo não seria muito melhor?

domingo, 5 de dezembro de 2010

RÚSSIA 1, PENÍNSULA IBÉRICA 0

03/12/10


“Os ibéricos continuam a trabalhar: os nossos são em menor número do que os hespanhois, mas decididamente mais malvados e estúpidos”
Desabafo do Conde de Lavradio, 1860 (Memórias….VIII. P.305)

Finalmente uma boa noticia: não se vai realizar nenhum campeonato do mundo de futebol, de organização conjunta entre Portugal e Espanha!

Admirados? Às vezes o bom Deus dá-nos uma ajuda apesar “dos ibéricos continuarem a trabalhar…”

Podemos considerar que o Iberismo tem duas vertentes, uma espanhola, melhor dizendo, castelhana, e outra portuguesa. A primeira pode ser condensada na célebre frase de José de Carvalhal y Lencastre, ministro de Estado ao tempo do rei D. Fernando IV, “A perda de Portugal foi de puro sangue e, por isso, o ministro espanhol que não pense constantemente na reunião, ou não obedece à lei ou não sabe do seu ofício”.

É, sem dúvida, uma posição constante, adaptada às circunstâncias e, no mais das vezes, dissimulada.

O iberismo português, por seu lado, é errático, disperso e sazonal. Desperta, normalmente, em épocas de crise e tem vários matizes e motivações. Chega a ser ingénuo, idealista e roça algumas vezes a traição. Em todos os casos é, porém, ilusório e irrealista e estará, enquanto houver uma mão cheia de portugueses determinados, votado ao fracasso.

O iberismo acarreta, portanto, para o povo português e para as suas elites – quando estas estão ao lado daquele – duas frentes de combate: uma externa, para fazer face às investidas castelhanas; outra interna, a fim de neutralizar os ingénuos úteis e os “cavalos de Tróia”, que sempre os vai havendo.

O Iberismo não é coisa do passado, mas sim actualíssima e hoje em dia muito mais perigoso, por três razões principais:

Primeiro porque o “poder nacional” português foi catastroficamente reduzido após a calamidade daquilo a que chamaram de “descolonização”, o que levou o jornal “ABC” a escrever, na altura, “Adeus ao Portugal das grandezas. E agora nada mais resta a Portugal que se acolher a Castela”; e o ministro dos negócios estrangeiros espanhol, Fernando Móran, não se coibiu de fazer a seguinte declaração logo na primeira reunião de chefes de governo de ambos os países, a seguir ao 25 de Abril de 1974: “A reconversão histórica de Portugal, passa pela continentalidade e, sem dúvida, pela Europa, salvo se, como faz desde Aljubarrota aos Tratados de Windsor, procurar converter-se na base de desembarque de uma potência ultramarina e salvo se enfeude aos EUA e à Nato”.

A segunda razão prende-se com a adesão de Portugal e Espanha à CEE, em 1986. Ora esta adesão potencia, ao máximo, o iberismo, dado facilitar amplamente a “invasão espanhola do todo português: económica, financeira, cultural e psicológica, ainda por cima sem ter a maçada de grandes manobras diplomáticas ou enviar um qualquer derivativo do Duque de Alba…”

As defesas caíram todas uma a uma e sem ninguém se preocupar com as implicações. Chegámos ao cúmulo dos portugueses irem abastecer-se, estudar, tratar-se e parir a Espanha. Só falta fecharem os cemitérios, para termos de ir lá morrer também!

Além da débacle atrás apontada, passou a verificar-se uma nova realidade geopolítica: a de nós termos passado a estar nas mesmas alianças politico-militares internacionais em que a Espanha está, o que é a primeira vez que se verifica em toda a nossa História. Existe uma excepção, porém, de que ninguém fala: a Aliança Inglesa, muito apropriadamente esquecida nos actuais conceitos estratégicos de defesa nacional e militar!

Finalmente, que dizer da actuação politica? Toda a gente trata a Espanha como se ela tivesse sido sempre nossa amiga e aliada, e que essa é a situação que vai perdurar no futuro. Isto não é ingenuidade esperançosa, é inconsciência dolosa!

Ministros de governos socialistas têm afirmado, publicamente, as suas convicções iberistas; empresários e financeiros “vendem-se” ao mercado espanhol; primeiros ministros cobrem-se de ridículo a falarem “portunhol”, em ambos os lados da fronteira e em actos oficiais, e até ao mais alto nível se permite que as cimeiras semestrais entre os governos dos dois países se chamem “ibéricas” em vez do correcto “luso – espanholas.

O baixar de guardas foi longe de mais para se transformar numa leviandade, e isto não tem nada a ver com as boas relações que se pretende se mantenham e reforcem.

Mas tal não deve impedir que se levante, por ex., a questão de Olivença, que está cativa da Espanha, desde 1807, uma situação ilegal e vergonhosa; se permitisse, há anos atrás, que a volta a Espanha em bicicleta, tivesse tido inicio em Lisboa – com a presença de guardas-civis armados! -; ou se insista em construir o TGV, que já se provou ser económico – financeiramente ruinoso, mas nunca se falou ser um aborto estratégico, não só pela finalidade como pelo traçado!

Os exemplos podiam continuar pelas centenas.

Por isso jamais devia passar pela cabeça de qualquer português, digno desse nome, e muito menos pelo bestunto de um político minimamente responsável, organizar um campeonato de futebol (ou outro qualquer), com os nossos vizinhos. Tal destinar-se-á apenas a permitir que os inquilinos do palácio da Zarzuela e da Moncloa, continuem (entre muitas outras coisas), a tentar confundir a opinião pública dos dois países e a da comunidade internacional, fazendo crer que a realidade geográfica chamada Península Ibérica, representa apenas uma única entidade politica.

Não por acaso, cada ano que passa se esfuma cada vez mais as comemorações dessa aurora luminosa, que representou o 1.º de Dezembro de 1640, em que os portugueses ganharam novamente as suas liberdades como nação. Este ano nem uma linha se pôde ler na comunicação social, ou uma referência de um qualquer detentor de cargo político, sobre a efeméride… No dia seguinte lá veio a notícia da nega da FIFA.

Resta lembrar Frei Heitor Pinto, patriota sem mácula, que morreu miseravelmente, numa masmorra de Madrid e que afirmou: “El Rei Filipe bem poderá meter-me em Castela, mas Castela em mim, é impossível”.

sábado, 27 de novembro de 2010

SANTOS SILVA, O MINISTRO DÉSPOTA?

Ainda não tínhamos recuperado do congelamento das promoções dos militares e já outra decisão incrível, bateu à porta dos quartéis: o Sr. Ministro da Defesa, por despacho de 17 do corrente, mandou “congelar” todas as verbas, ainda não consignadas. No dia 18 de manhã as unidades, órgãos e serviços dos três ramos das FAs, abriram os computadores (existe um sistema informático integrado que mantém a informação financeira “on line”) e verificaram que todos os saldos das diferentes rubricas orçamentais estavam a zero.

Como se chegou a isto? Simples, como costuma acontecer por esta altura do ano vão dizer ao Sr. Ministro que falta verba para se pagar os vencimentos (ás vezes também para outras coisas…) e que é necessário um reforço de capital. Desta vez, porém, o Sr. Ministro das Finanças não deve ter estado pelos ajustes e o MDN estava num beco sem saída. Aparentemente por sugestão do secretário-geral do ministério, o Sr. Ministro foi às contas das unidades e rapou-as.

Isto está tudo mal e imbuído de uma perversidade escandalosa: o governo começa por orçamentar as verbas necessárias para as FAs (sinal para o eleitorado: estamos numa de conter gastos…); depois cativam ou congelam uma percentagem elevada de verbas atribuídas (mensagem para o eleitorado: nós estamos a pôr estes tipos na ordem…); mais tarde, quando a situação está em ruptura no pessoal – porque no resto já está tudo parado há muito – fazem saber que é preciso mais dinheiro (mensagem para o eleitorado: estes tipos gastam mal, o dinheiro nunca lhes chega e só nos arranjam problemas…); finalmente disponibilizam “in extremis” o mínimo de verba arengando o facto (mensagem para o eleitorado: o governo em mais um esforço ingente sacrifica-se a tapar os buracos destes incompetentes, pois é preciso salvar a dignidade do Estado ou cumprir compromissos assumidos). A cena foi-se repetindo, ano após ano, sem que o assunto até hoje tenha sido denunciado por nenhum deputado, chefe militar, comentador político ou profissional da informação. A “crise” pôs um ponto final no esquema.

Mas destapou outros: trata-se de mais uma ingerência inadmissível no funcionamento interno da Instituição Militar (outras se seguirão…), uma ultrapassagem hierárquica grosseira e um atestado de desconfiança e de incompetência para com as FAs e os militares (o sr. ministro “sabe tudo” substituiu, até, o chefe de gabinete por uma “girl”).

E urdido, ao que tudo indica, de uma forma baixa e mal-educada, para ficarmos por aqui. Isto porque nada foi, aparentemente, conversado/discutido/analisado, com a hierarquia militar. Foi todo o mundo confrontado com um facto consumado.

Neste momento ninguém sabe o que há-de fazer. O Sr. Ministro pretende que cada unidade/órgão lhe submeta os pedidos inadiáveis a que ele magnânima e superiormente decidirá. Luís XIV (o rei sol) deve estar a dar voltas no túmulo incomodado com tanta concorrência…

Portanto, neste momento está tudo em causa e o facto de ninguém saber como vai pagar a alimentação, a água, a luz, o fardamento, o combustível e tudo o resto que faz falta a um Exército, é ainda, quanto a nós, o menos grave de tudo.

Abriu-se também uma caixa de Pandora: vai ser inevitável que irão ficar coisas por pagar. Quando se tratar de empresas privadas, vão ficar a arder com o que têm a haver, interrompem os serviços e, ou, entopem os tribunais com processos, ficando o resto da vida à espera de uma decisão; se forem empresas públicas, vai-se engordar o seu deficit o qual, naturalmente, passará para o ano que vem e assim sucessivamente.

Quem vier a seguir que feche a porta e apague a luz…

Laus Deo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SERÁ QUE O GOVERNO QUER PROVOCAR A INSTITUIÇÃO MILITAR?

21/11/10

“É muito perigoso mexer na barriga de um macho (mula) quando ele está a comer”
Brito Camacho

Avizinha-se um novo ataque demolidor da Instituição Militar. Trata-se daquilo que vem consignado na proposta de Orçamento do Estado relativamente ao congelamento das promoções nas Forças Armadas (FAs).

O que, aparentemente, (as coisas estão sempre a mudar, fora a intoxicação noticiosa…) se pretende ver aprovado, resume-se no congelamento, sem prazo, de todas as promoções, de soldado a general, a não ser nos casos em que se tornar imperioso promover alguém para ocupar um cargo – caso de um chefe militar, por exemplo. Nas outras situações apenas haverá promoções em caso de não haver supranumerários ao quadro respectivo.

Quem assim tentar legislar não sabe o que anda a fazer e devia ser exonerado, ou sabe muito bem e devia ser preso.

Esta afirmação prende-se com duas ordens de razões, uma de subversão política da Instituição Militar (IM), a outra de ignorância militante, relativamente às especificidades próprias das FAs e dos militares. Vamos tentar dilucidar em poucas palavras um assunto que é complexo.

Quanto à subversão política, trata-se de mudar através de uma lei – o orçamento do estado – parte do normativo enformador da IM e dos militares mudando a baliza e as regras a meio do jogo, a meio do campeonato, etc. – no fundo, sempre que quiserem…. Uma situação destas vai lançar o caos na gestão de pessoal, pôr em causa a hierarquia e a disciplina e transferir para o ministro das finanças competências dos chefes militares que andam, há a anos a esta parte, a serem transformados em chefes de secretaria de uma (pequena) repartição de província. Já quase só lhes falta as mangas-de-alpaca.

As excepções que se intentarem fazer, serão sentidas entre os militares, como injustiças e só agravarão o mal-estar.

A confiança entre militares e políticos está quebrada há longos anos e acumulam-se de parte a parte queixas mútuas. Isto só se resolve com uma postura de verdade e lealdade mútua, o que atendendo à natureza humana só se deverá conseguir … no céu.

Vejamos agora as “peculiaridades” militares.

Num Exército (no sentido lato de FAs) é baseado numa parte, digamos, material, consubstanciada na hierarquia, na disciplina e na organização (por esta ordem…) e numa outra que apelidarei de espiritual, onde entram as virtudes militares e a tradição.

A organização engloba a estrutura, o dispositivo e o sistema de forças que, por sua vez, actuam segundo uma doutrina (e princípios) e estratégias, tácticas e técnicas, adequadas a cada momento. A parte “material” tem que ser estável e a parte “espiritual” é de sempre. Apenas as estratégias, tácticas e técnicas devem ser flexíveis e trabalhadas continuamente para se estar actualizado e a fim de antecipar riscos e ameaças.

Todo este complexo material/espiritual foi maturado durante muitos séculos, em função de melhor cumprir a Missão: ser elemento de afirmação de soberania, dissuasor por excelência, defender por meios violentos a integridade do território e a segurança das populações de uma agressão externa e ser garante da unidade do estado.

Finalmente, a IM, cuja história se confunde com a da nacionalidade, é servida por homens (agora também, mulheres) que são recrutados, seleccionados, formados e treinados, de uma maneira muito selectiva e dura e sujeitos a um código ético/deontológico sem paralelo no meio civil. São promovidos dentro da estrutura segundo regras estritas e métodos de aferição próprios. A vivência interna visa a coesão das tropas, o conjunto prefere ao indivíduo e o comando e a liderança são o fulcro de toda a actividade militar.

Ou seja a IM não pode ser servida ou comandada por elementos que não emanem do seu ventre e quando a tutela política não entende isto e não actua em conformidade, irá concitar tensões que levam ao desastre. No limite, destroem o Exército. E eu acho há muito tempo, que é exactamente isso que muitos políticos querem.

Basta, por isso, uma análise superficial, para se entender como esta norma impensável (!), que se quer implementar, colide com todo este “edifício”.

A situação é ainda mais grave quando a isto se tem que juntar as aleivosias já feitas no âmbito da justiça e da disciplina; nas interferências civilistas no campo do ensino militar; no contínuo constrangimento financeiro e administrativo, na redução continuada de dispositivos e dos efectivos (apesar das missões terem aumentado), no fim do serviço militar obrigatório (um erro trágico); no “enxotar” os militares de actividades, não relacionadas directamente com as suas missões, mas para as quais eles estão especialmente preparados, no rebaixamento relativamente às restantes profissões de referência do Estado; e agora nos “ataques” ao fundo de pensões e à assistência na saúde militar.

São demasiadas coisas que exigem oposição firme, corajosa e esclarecida!

Depois temos a questão da carreira militar em si mesma. A importância da carreira para um militar não tem qualquer comparação com a de uma profissão civil. Já vimos que ela tem uma porta de entrada estreita e um caminho específico a trilhar. Subir na carreira só pode ser feito segundo as condições estabelecidas que não podem nem devem, andar a ser mudadas por caprichos do legislador ou circunstancialismos políticos. Mais ele só pode ascender a funções importantes e aumentar os seus créditos pela via da promoção.

Além disso, um profissional civil, pode mudar de empresa, de terra, etc., pode até emigrar. Ora um profissional das armas só pode trabalhar na mesma “empresa” e no mesmo país. Isto implica um conjunto de constrangimentos e limitações que têm que ser compensados com um mínimo de condições estáveis, com as quais cada um individualmente e a instituição no seu conjunto, saiba com o que pode contar.

Finalmente as especificidades da IM, têm de ser entendidas e não se cortar a direito ou chutar para o lado onde se está virado. O exemplo mais típico disto é o “pessoal a mais ou a menos”. Qualquer decisão no âmbito do pessoal, vai ter repercussões daí a 20 anos (pelo menos). Ora se formos alimentando os quadros para uma determinada realidade e se andar (como se anda!), a mudar os pressupostos constantemente, não há gestão que aguente. Como é o caso dos supranumerários ou do corte dos 3000 contratados anunciados (depois das inúmeros já havidos…).

Outro aspecto fundamental em que não há meio de se atinar é assumir que às FAs interessa a eficácia e não a eficiência! Ou seja, em tempo de crise ou guerra cumprir uma dada missão prefere a que se cumpra a mesma missão de uma forma económica… Exemplo eloquente disto, foi o fracasso da operação de resgate americana no Irão no tempo de Jimmy Carter… Dito por outro modo, não se pode “explorar” os meios aéreos, terrestres e navais como se fez com meios idênticos nas profissões civis, pois que se tem que ter sempre potencial disponível para ser empregue numa emergência.

Raciocínio similar se pode aplicar à gestão de pessoal. A gestão de pessoal tem que ter “almofada de ar” e alguma flexibilidade de gestão, além de um mínimo de factores de planeamento estável de modo a torná-la exequível. Por isso existe a reserva, o quadro de supranumerários e várias outras “ferramentas” que têm sido sistematicamente destruídas. Tudo isto serve para fazer face a imprevistos que estão sempre a acontecer, como aquelas decisões políticas inspiradas de enviar mais 45 quadros para o Afeganistão, sem dizer nada às chefias…

Por tudo isto, não parece difícil perceber que o normal fluxo das carreiras não deve ser interrompido e que a forte cadeia hierárquica existente (que só tem paralelo na Igreja), não pode ter soluções de continuidade.

A IM não é propriamente um bloco de plasticina que um qualquer grupo de arrivistas políticos (mesmo os que se arvoram com “legitimidade democrática”), se arrogue moldar a seu belo prazer.

Vejam se percebem isto, antes de arranjarem mais algum “trinta e um”.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O MDN PRESIDIU A UM COLÓQUIO…

19/11/10

O MDN no seu discurso/conferência
O senhor Ministro da Defesa, Dr. Santos Silva, foi presidir à sessão inaugural do XIX colóquio de História Militar (16/11/10), que este ano versou o tema da queda da Monarquia e a implantação da República.

O MDN não se limitou, porém, a presidir à sessão e a dizer umas palavras de circunstância, não, ele próprio fez uma conferência. Por sinal notável.

Notável, não propriamente no conteúdo mas, sobretudo, na forma inteligente como encadeou a substância e a argumentação para atingir o seu objectivo; e, igualmente, pela forma como foi dita. O Sr. ministro é um orador exímio.

Qual era então, o objectivo do MDN? Pois era o de fazer um balanço algo equilibrado da I República – ao contrário do que fazem próceres republicanos mais fundamentalistas –, ignorar olimpicamente o “Estado Novo” para, reportando-se à actualidade nascida no pós Abril de 1974, nos dizer que agora estamos no bom caminho, pois não se tem cometido os erros que se seguiram ao 5 de Outubro de 1910.

O discurso é todo ele voltado para o futuro e não para o passado, sem demagogia e aproveitando para fazer doutrina, cuja importância o orador aprendeu, certamente, durante a sua formação politica na juventude.

Sem embargo o discurso suscita alguns comentários.

O Dr. S. Silva começa por tentar justificar a República pelos “valores” republicanos emergentes e pela necessidade de mudar o regime a fim de se resolverem os problemas económicos, financeiros e sociais existentes, sendo a “regeneração” do país sinónimo de republicanismo.

Não cremos que o Dr. S. Silva tenha qualquer razão. Em primeiro lugar porque os tais valores alegados já existiam, na sua maioria, desde a implantação do Liberalismo, em 1820. A única grande diferença era a figura do chefe do Estado não ser eleita por meio de votos.

Por outro lado, quaisquer que fossem os “valores” alegados, estes ficaram irremediavelmente manchados pelo regicídio e pela baixa politica contumaz desenvolvida pelo Partido Republicano (PRP) e seus apêndices/tutores.

Finalmente, usaram a insurreição armada para a tomada do poder, sem haver qualquer factor de ordem política, social, de ameaça interna ou externa, etc, que justificasse a acção tomada. E nunca fizeram sequer um referendo para legitimarem a nova “ordem”.

E também ficou provado à saciedade que a mudança de regime não só não regenerou a Pátria, nem resolveu qualquer problema, como os agravou a todos.

Passou, de seguida, o MDN a analisar o “passivo” e o “activo” da I República.

Como passivo indicou – e bem – a sucessão de decepções consubstanciadas nas promessas não cumpridas (quebra de legitimidade social, não implementação da descentralização administrativa, diminuição das liberdades politicas, intolerância e violência politica); as acções de governo que se revelaram serem rupturas excessivas ou deslocadas (a questão religiosa, o tratamento do operariado); aquilo a que chamou de “continuidades incríveis” (o Partido Democrático ter feito suas as listas das clientelas de anteriores partidos monárquicos; o partido no poder nunca perder eleições) e, ainda, o que considerou serem os grandes insucessos republicanos: o combate ao analfabetismo e a participação na I Grande Guerra, nomeadamente na incapacidade em retirar dividendos na conferência de paz.

Sobre isto temos apenas a dizer que, infelizmente, o quadro do passivo dos 16 anos daquela “balbúrdia sanguinolenta” (Eça de Queiroz dixit), é muito mais negro do que aquele pintado por quem gosta de “malhar na Direita”.

E passou, de pronto, aos activos:

Progresso na forma politica, referindo o parlamentarismo como a expressão de diferentes opiniões; a libertação de formas de tutela religiosa; a criação do registo civil; modernização dos quadros normativos que regulavam a vida social e o sistema nacional de educação.

Neste âmbito as conclusões do Sr. ministro são mais facilmente desmontadas, senão vejamos:

O parlamentarismo não representou nenhuma melhoria política, não só porque já existia desde 1820, como nunca funcionou bem, tendo piorado após o 5 de Outubro a ponto de se poder afirmar que o que passou a existir foi uma anarquia parlamentar; a libertação de tutelas religiosas só em parte representa um ganho (no sentido de eventuais constrangimentos à liberdade individual), já que passou a haver uma “tutela” civil, ou laica, além do que o modo como trataram a Igreja, os padres e os religiosos, não tem qualquer qualificação; quanto ao registo civil era uma tarefa que fazia parte das atribuições do Estado. Se o serviço era prestado pelas autoridades religiosas, só se lhes devia dar crédito por isso, pois mais ninguém o fazia…

Por outro lado, não se entende muito bem, qual o avanço no quadro normativo da sociedade, a não ser naquilo em que mudou o simbolismo e nas referências monárquico/nobiliárquicas. As promessas, como o orador referiu, também não foram cumpridas neste particular. E nem sempre aquilo que é julgado “avançado” é o mais adequado para a especificidade do povo a que se aplica…

O sistema educativo, esse sim, tinha bastantes aspectos positivos e foi pena não ter dado os frutos que se esperavam, por via da instabilidade que afectou todos os sectores da vida nacional, e que se tornou crónica.

Aqui o Dr. S. Silva fez uma pausa para ignorar o Estado Novo, desclassificando-o de “República” e crismando-o de “Ditadura”, e para afirmar que aquele tempo foi de “regeneração no campo republicano”. Dá ideia de que o país esteve imerso numa espécie de “buraco negro”.

Apenas alguns comentários: em termos de ciência politica podemos dizer que o termo “ditadura” se deve aplicar ao período que vai de 1926 a 1933, em que a Constituição de 1911 foi suspensa e não foi substituída por outra. E podemos, até, dividir a ditadura em três, ou seja uma ditadura militar, entre 1926 e 1928; uma ditadura financeira entre 1928 e 1932 e uma ditadura politica, até à entrada em vigor da Constituição de 1933.

Por isso, quer o MDN queira ou não, Portugal continuou a ser uma República, não só porque assim era designado constitucionalmente, como a prática obedecia ao princípio republicano de governo. O que não havia era o parlamentarismo como tinha existido no constitucionalismo monárquico e na democracia directa, após o 5 de Outubro, que tinham, aliás, revelado ser um verdadeiro desastre político para o país.

Mais ainda Sr. ministro, o plebiscito efectuado em 1933, constituíu até, a única forma de legitimação do novo regime feita até então.

E se, por acaso, tiver dúvidas do que as pessoas preferem, se um ditador integro e competente, ou uma mão cheia de democratas corruptos e, ou, ignorantes, tente fazer uma sondagem e verá como fica esclarecido…

Mas passemos ao presente, pois essa era a grande aposta do auto imposto conferencista. Agora (defendeu), é tudo diferente – subentende-se, que para melhor – da I República que, segundo António Sérgio “não conseguiu cumprir os seus ideais”, sic. Hoje o “plano de relação com a I República é fundado na distância”, e citando Popper, veio dizer que a “actual Democracia é o regime político que permite que os governos percam eleições”. Inteligente este ministro.

Tudo agora é diferente, “entrámos na UE, existe muito mais parceria social” (seja lá o que isso for). Acusou Afonso Costa de pretender que “a República fosse cativa dos republicanos”, e defendendo A. José de Almeida que opinava “ser o regime de todos os portugueses”, e que “após o 25 de Abril a situação é muito mais clara e ninguém se pode arvorar em dono da revolução”. Curioso isto.

Finalizou dizendo que “hoje estamos muito longe da República na questão religiosa – a religião não tem que ser evacuada do espaço público!”, e não estamos “obcecados pela questão jacobino/religiosa”, existindo “muito mais preocupação com a estabilidade politica”, lembrou os “45 governos que houve entre 1910 e 1926 – ou seja um governo, em média de três em três meses (após o 25/4 vamos em 30, ou seja um por ano)”, o que parece mesmo assim ser uma média desadequada…

O sistema, defendeu ainda, não “se compraza com a instabilidade nem com o comandamento por vanguardas” – quem o viu e quem o vê! Segundo S. Silva existe hoje a “centralidade da educação” e a “convicção das nossas próprias capacidades”, e remata “ a Nação não deve ser um lugar de depressão”.

Calha não termos, também, sobre esta última parte, a mesma ideia do ilustre sociólogo, começando por dizer que ao fim de 84 anos (1926 - 1974), parecia muito mal não se ter aprendido nada. Mas aprendeu-se pouco.

Comecemos pela “instabilidade”. A seguir ao 25/4 a instabilidade politica e social foi imensa, a ponto de o país ter ficado à beira de uma guerra civil. Isto para já não falar nas terras do Ultramar (convenientemente esquecidas pelo MDN), onde as iniquidades duraram décadas (com alguma excepção em Cabo Verde, S. Tomé e Macau). Contabilizam-se cerca de um milhão de mortos…

No entretanto a instabilidade politica e social na parte europeia que restou a Portugal, continuou, embora sem violência de maior, mas afundando-se a situação económico/financeira, mesmo sendo aguentada pela “pesada herança” deixada pelo regime anterior. E só foi ultrapassada após a intervenção do FMI.

As coisas serenaram com a entrada na CEE (não a UE…), quando começaram a jorrar, uma quantidade astronómica de fundos comunitários, o que permitiu lançar obras públicas em barda, ocupar as pessoas e distribuir subsídios.

Depois inventou-se o dinheiro de plástico e abriu-se portas à especulação financeira e outras. O pessoal perdeu a cabeça e pura e simplesmente passou a navegar-se à vista, estando a classe politica e empresarial muito mais interessada em fazer negócios e tratar da vidinha, do que governar bem e acautelar o futuro. Quanto ao povo entrou na onda e passou a consumir e a endividar-se desenfreada e alegremente. O exemplo vinha de cima.

Ou seja passámos a viver com dinheiro que não era nosso, com riqueza que não produzíamos e acima das nossas possibilidades; não aplicámos os fundos em investimentos que garantissem mais valias futuras e ainda ajudámos a destruir o nosso aparelho produtivo.

Quando os governos começaram a ficar sem dinheiro, os políticos fizeram a única coisa que homens pouco sérios sabem fazer: escamoteiam a verdade e pedem emprestado. Há dois anos que se começou a destapar esta gigantesca farsa (que está longe de ser exclusiva de Portugal), e entrou tudo em paranóia – afinal a nação é um lugar de depressão… Nunca tantos fizeram tão mal, em tão pouco tempo!

O Dr. S. Silva está mortinho de saber que a Instrução (e não a educação, que, também anda pelas ruas da amargura), consubstanciada no sistema de ensino, é um monumental embuste; que os portugueses acreditam tanto nas capacidades do país que passaram a emigrar às dezenas de milhar e que o regime é tão transparente que permite partidos monárquicos, mas impede (artº 288 da CR), que se possa ter um regime não republicano!

Quanto à questão religiosa concedo-lhe que houve umas tréguas e alguma esperteza na acção. Mas há meia dúzia de anos, que o ataque voltou através de ampla campanha de imposição laicista, ghetização dos católicos (e só desses), proibição de crucifixos nas escolas, limitações aos capelães nos hospitais, prisões e quartéis, dificuldades na regulamentação da Concordata, etc, etc. E, sobretudo, na subversão dos costumes, e na defesa da vida humana (divórcio, aborto, educação sexual, investigação genética, eugenia, eutanásia, casamento de invertidos, mudança de sexo, e o mais que estará para vir…).

E fará o Dr. S. Silva o favor de explicar o que é que a desvirtualização da frase de Popper, que resulta na “guerra civil” contumaz de se andar a atirar com os governos abaixo e a arranjar outros, ajuda à governação.

Existe, porém, uma diferença abissal entre a I República e esta III, em que agora estamos: é que os republicanos de 1910 eram, salvo raras excepções, patriotas e nacionalistas. Defendiam o reforço da soberania tanto na Metrópole como no Ultramar; tinham preocupações de defesa e não hostilizavam as FAs como instituição, etc. Os de agora abandonaram o Ultramar de qualquer maneira; evitam os termos “Pátria” e “Nação”, andam a “desmontar” não só as FAs mas todas as instituições nacionais; são internacionalistas e não têm qualquer pejo em alienar soberania.

Tudo somado, vejam bem, ainda prefiro os de 1910…

Os verdadeiros portugueses, Dr. S. Silva, não gostam da República Portuguesa, ou de qualquer outra coisa, mas sim de Portugal.

Passar bem.

domingo, 21 de novembro de 2010

PORQUE É QUE AS FORÇAS ARMADAS DEIXARAM CAIR A MONARQUIA?

Conferência que proferi no âmbito do XIX colóquio da CPHM.
17/11/2010

“A obra liberal de 1834 foi inteiramente semelhante à obra republicana de 1910. Nos homens dessas duas invasões é idêntico o espírito de violência, de anarquismo e de extorsão”.
Ramalho Ortigão in “carta de um velho a um novo”

1. INTRODUÇÃO
No fim do dia 25 de Setembro de 1910, o jovem Rei D. Manuel II estava contentíssimo.

Acabava de regressar do Buçaco onde assistira às comemorações da memorável batalha que travámos contra os franceses naquele local, em 1810. Cem anos antes.

O seu contentamento quis partilhá-lo com os seus íntimos e confidenciou-lhes que, naquele dia, tinha conquistado o Exército! A que se devia este julgamento? Pois ao brilhantismo da cerimónia; àqueles milhares de homens perfilados nos seus melhores uniformes, engalanados de todas as condecorações, aos discursos, às saudações, enfim, àquela memorável revista em que todos em uníssono gritaram, “Viva o Rei!”.

A alegria do rei poderia ter sido justificada se a interpretação que deu aos factos fosse a correcta. Naquela conturbada época a agitação política e social era infrene e a monarquia portuguesa estava abalada nos seus alicerces. O jovem monarca não estava tão bem preparado para reinar, ao contrário do seu irmão Luís Filipe, barbaramente abatido a tiro com seu pai, às mãos do Costa e do Buiça, dois anos antes.

Ter uma força como o Exército a seu lado seria, indubitavelmente, importante. Mas a ingenuidade da família real, o faz de conta dos cortesãos, a fraqueza suicidária do governo, as dissensões e traições entre os monárquicos e o “não me comprometas” dos restantes, ditaram a sorte neste lance da História.

“Atolados há mais de um século no mais funesto dos ilogismos políticos, esquecemo-nos de que a unidade nacional, a harmonia, a paz, a felicidade e a força de um povo não tem por base senão o rigoroso e exacto cumprimento colectivo dos deveres do cidadão perante a inviabilidade sagrada da família, que é a célula da sociedade; perante o culto da religião, que é a alma ancestral da comunidade e permite o culto da bandeira, que é o símbolo da honra e da integridade da Pátria.

Quebrámos estouvadamente o fio da nossa História, principiando por substituir o interesse da Pátria pelo interesse do partido, depois o interesse do partido pelo interesse do grupo, e por fim o interesse do grupo pelo interesse individual de cada um”.
Ramalho Ortigão

Como se sabe o regime monárquico, antigo de 782 anos, baqueou em menos de 24 horas, na passagem do dia 4 para o 5 de Outubro de 1910. Ou seja, apenas nove dias depois do jovem Rei ter pensado que tinha o Exército a seu lado. O núcleo duro das forças republicanas consubstanciou-se em cerca de 500 civis e militares de baixa patente, oriundos sobretudo das unidades sublevadas: infantaria 16 e artilharia 1. Todas estavam mal armadas e equipadas à excepção de várias peças de artilharia modernas, que acabaram por ter peso no desfecho final.

Esta “mole” humana acabou comandada por Machado Santos, guarda marinha de administração naval, único oficial que restou depois de todos os outros terem dado às de “Vila Diogo”, quando pensaram a partida perdida.

Rezam as crónicas que montou a cavalo pela 1ª vez nesse dia, e é verdadeiramente a ele que o Partido Republicano deve a vitória.

Igual importância teve a acção dos militares republicanos da Marinha de Guerra que revoltaram o Quartel dos Marinheiros em Alcântara, onde se entrincheiraram, e a sublevação de três cruzadores – um dos quais bombardeou o Paço das Necessidades – após prenderem a quase totalidade dos oficiais presentes e constituído uma espécie de sovietes de marinheiros. A ameaça de bombardearem o Rossio e desembarcarem as guarnições no Terreiro do Paço, não se chegou a verificar, mas também muito influiu negativamente no ânimo das tropas, supostamente, fiéis à Monarquia. Houve aqui e ali, umas sarrafuscas dispersas, sem nada de grave ter resultado.

A maioria das unidades obedeciam à autoridade legítima, mas apenas um oficial, o Capitão Paiva Couceiro – herói das campanhas de África se bateu e mostrou vontade em se bater, verdadeiramente.

As forças monárquicas tiveram três oficiais mortos (e alguns feridos): o comandante e um capitão de Infantaria 16 e um tenente da Armada que se suicidou. O resto rendeu-se praticamente sem disparar um tiro.

Deixo-vos a fórmula do juramento de fidelidade em vigor desde 1908, e que todos os oficiais faziam sem qualquer tipo de coacção.

Deixo-vos para reflexão e sobre ele não farei, por agora, mais comentários.

FÓRMULA DO JURAMENTO DOS OFICIAIS EM VIGOR EM 1910 (Dec. de 23 de Abril de 1908)
“Eu, F…, juro pela minha fé e no Santo Nome de Deus, que enquanto cingir a minha espada e pertencer à nobre officialidade do exército portuguez, hei-de servir bem, com zêlo e valor, obedecendo às ordens dos meus superiores, e fazendo-me obedecer e respeitar dos meus subordinados, debaixo dos preceitos da disciplina, respeitando, guardando e fazendo respeitar os direitos e deveres de cada um, e procurarei por todos os modos augmentar o esplendor do Exército, defender a nação dos seus inimigos internos e externos, o Rei e a constituição política do paiz, vertendo para esse efeito, quando seja necessário, o meu sangue, como militar brioso e dedicado cidadão. E para firmeza de tudo, assim o juro na presença de todos officiais d’este…"

Do lado republicano havia também muito poucos oficiais activamente envolvidos na revolta e mais na Armada do que no Exército. Seguramente poucas dezenas. O Chefe da componente Militar era o Almirante Cândido dos Reis que se suicidou – ao que tudo indica – perto de Arroios já a revolução estava na rua…

A sua memória está perpetuada na Avenida Almirante Reis que, na altura era a mais comprida de Lisboa, com o nome de “Rainha D. Amélia”. É curioso notar como os republicanos da primeira República mudaram o nome às ruas e apearam estátuas; os governantes do Estado Novo, mantiveram tudo o que era primo – republicano, reabilitando outros vultos como era de justiça, e a seguir a Abril de 74 os novos republicanos voltaram a fazer o mesmo que tinham feito os seus antepassados a seguir à revolução de Outubro…

Fica aqui o registo para o caso de alguém ainda não ter reparado nisso.

Deste modo se pode afirmar que as FAs, como tal, não derrubaram a Monarquia mas também não a defenderam, o que parece ser uma constante da vida portuguesa nos últimos 200 anos, apenas com algumas nuances.

“Para deixar ver o carácter instável da República basta um facto: ser ele o primeiro governo que, no mundo, aceitou governar com manuseadores de bombas e explosivos – artefactos só até hoje usados por inimigos da sociedade!”
Fialho de Almeida

E foi assim que chegámos à República que muitos espíritos progressistas, bem intencionados e até patriotas, aspiravam. Esta é a parte do que vem nos dicionários que eles ambicionavam: República, “forma de governo em que se tem em vista o interesse geral de todos os cidadãos e cujo poder supremo é exercido, temporariamente, por um ou mais indivíduos eleitos pela Nação”. Infelizmente não foi esta a república implantada, mas sim aquela que a turba multa descontrolada e os políticos impreparados, pouco sérios e ideologicamente perturbados, vieram a lançar o país, e cuja definição também consta nos dicionários: “conjunto de estudantes que vivem em comum na mesma casa; desordem; anarquia; agremiação sem chefe e sem disciplina”.

Foi isto e pior do que isto, aquilo que vigorou entre 1910 e 1926 e que os actuais órgãos do estado, insensatamente, decidiram não só comemorar, mas enaltecer e onde derramaram dez milhões daquela moeda que, em má hora, substituiu o escudo.

2. COMO SE CHEGOU À REPÚBLICA
“Acervo de teorias irrealizáveis, se teorias se podiam chamar, de instituições talvez impossíveis sempre, mas de certo modo improváveis numa sociedade como a nossa e na época em que tais instituições se iam assim exumar do cemitério dos desacertos humanos.”
Alexandre Herculano, sobre a Constituição de 1822

Como se sabe o regime de “democracia directa” da I República tem os seus antecedentes históricos na Revolução Liberal de 1820 (ou vintista), se descontarmos as inconfidências brasileiras de 1710, 1720 e sobretudo a de 1789. Mas temos que recuar um pouco mais atrás para entendermos melhor a contemporaneidade que se estende até hoje.

Queremos referir-nos às invasões francesas. Na iminência da primeira invasão por Junot, em 1807, o governo português preparou, com o apoio do governo inglês, a retirada da família real e da esquadra portuguesa, para o Brasil.

Não se tratou de uma fuga como a historiografia liberal, do século XIX, quis fazer crer, mas sim uma retirada estratégica que foi bem concebida mas executada atribuladamente. Tal retirada negou a Napoleão os seus principais objectivos políticos em Portugal. O que, no nosso parecer, não foi bem feito foi o facto de não se ter resistido às tropas napoleónicas (lembre-se D. Maria I, a quem apelidaram de louca, que afirmou:”então rendemo-nos sem disparar um tiro?”; e quando embarcava, “não corramos para não parecer que fugimos”), e em vez de se ter evacuado apenas a família real, o governo, o tesouro e as tropas que se pudessem levar, para posterior emprego, se permitisse que a maior parte da nobreza e a burguesia endinheirada, abandonasse a Metrópole. Isto criou uma cisão na sociedade portuguesa.

Por outro lado, Junot licenciou de imediato e desmontou o Exército português, que já estava depauperado e enviou as melhores tropas para França, combater pelo imperialismo gaulês.

Poucos meses depois, já em 1808, a revolta popular rebentou por todo o lado e foi preciso fazer tudo a partir do quase nada. Foi uma situação singular na História de Portugal e que até hoje não se repetiu.

Com a chegada dos ingleses, estes tomaram conta, naturalmente, de toda a situação, dado o vazio das estruturas políticas e militares nacionais.

Hoje perdeu-se a noção das consequências catastróficas das invasões francesas, por isso é bom relembrá-las: o país ficou literalmente destruído e desorganizado; para além dos 200 ou 300 mil mortos que se estimam ter havido (cerca de 10% da população); esta sofreu as maiores agruras durante os quatro anos que duraram as operações em território nacional, seguidos da perseguição e combate às tropas francesas até que estas se renderam em Toulouse, corria o ano de 1814.

Mas outras consequências ocorreram: os franceses deixaram a semente das novas ideias da revolução francesa: a liberdade, igualdade e fraternidade, que foram expandidas no nosso país pelas lojas da maçonaria que passaram a ter um grande crescimento.

Por outro lado os ingleses foram ficando e tomando conta da economia. Beresford exercia a direcção política em nome do Rei e comandava o exército português, onde predominavam os oficiais ingleses nos lugares de maior proeminência.

Por outro lado, em troca de auxílio militar o governo de S. Majestade Britânica tinha exigido – e obtido – a abertura dos portos brasileiros ao seu comércio em pé de igualdade com os portugueses. Esperar-se-ia que a família real regressasse a Lisboa, logo que a situação não oferecesse perigo, mas em vez de a tal se decidir, D. João VI foi ficando no remanso do Rio de Janeiro. E nem a conspiração de Gomes Freire de Andrade, em 1817, que marca a primeira intervenção política dos militares, na vida política nacional, lhe fez soar as campainhas de alarme.

Foi preciso que a revolução seguinte tivesse êxito, retirasse poderes ao Rei exigisse o seu retorno, formasse um parlamento e preparasse a 1ª Constituição. Estávamos em 1820 e a família real regressou, finalmente, em 1821, a tempo de jurar a Constituição no ano seguinte.

As relações tinham, entretanto, azedado entre ambas as partes do Atlântico, acabando no grito do Ipiranga, em 25 de Setembro daquele ano. Mas, no fundo, bem se pode considerar que foi Portugal que se tornou independente do Brasil pois, de certo modo, se tinham, invertidos os papéis entre Metrópole e Colónia…

Tudo isto criou uma cisão gravíssima no país, que se tornou irreversível, quando a família real se cindiu, o mesmo sucedendo com o Exército e a Armada. A instabilidade política e social acompanhada de crise económica e financeira aguda e de muita violência, descambou na pior guerra civil que em Portugal já houve e que durou entre 1828 e 1834.

“Foram eles e suas absurdas e falsas reformas que nos trouxeram a este estado. Foram eles que desmoralizaram de todo o país, que o deslocaram e revolucionaram. Reformadores ignorantes, não souberam dizer senão como os energúmenos de Barras e Robespierre: abaixo! Assim se reformou esta desgraçada terra a machado!

Mais 10 anos de barões e de regime da matéria, e infalivelmente nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito.

… Não contentes de revolver até aos fundamentos a desgraçada Pátria com inovações incoerentes, repugnantes umas às outras, e em quase tudo absurdas, sem consultar nossos usos, nossas práticas, nenhuma razão de conveniência, foram ainda atirar com todo este montão de absurdos para além-mar…”
Almeida Garrett, sobre a implantação do liberalismo em Portugal.

Com a Convenção de Évora Monte que lhe pôs termo, a antiga nobreza emigrou quase toda e foi substituída por uma nova, baseada nos serviços efectuados pela causa liberal, nacionalizaram-se as Ordens Religiosas que eram donas de cerca de 1/3 dos bens nacionais – os quais foram distribuídos pelos próceres da causa vitoriosa e não em investimentos reprodutivos.

Mouzinho da Silveira fez uma reforma, em muitos casos, radical de toda a administração pública.

A partir daqui os liberais desentenderam-se e o país mergulhou novamente no caos em todas as vertentes da sua existência, que acabou em mais duas guerras civis, a Maria da Fonte e a Patuleia, em 1846/7.

Entretanto já se tinha mudado de Constituição três vezes, em 1826, 1834 e 1838, mas fomos vendo as revoluções industriais passar ao nosso lado, estando o Ultramar votado ao mais completo abandono.

Novo golpe de Saldanha leva à Regeneração, de 1851 e ao Pacto da Granja, de 4 de Setembro de 1865.

Instala-se o Rotativismo, isto é, as oligarquias políticas e económicas, acordam em pôr um pouco de ordem no caos que se vive desde as invasões francesas e a alternarem no poder, numa tentativa de imitar o que se passava em Inglaterra. Nasceu, assim, o partido Regenerador, mais à direita, e o Progressista, mais à esquerda. Por esta altura aparecem os primeiros bancos no nosso país. (o primeiro tinha sido criado em 31/12/1821)

A melhoria das finanças, a que um súbito investimento de dinheiro brasileiro, derivado da fuga de capitais, causado pela proibição da escravatura naquele país, foi uma causa determinante, permitiu algum progresso económico e paz social, muito alimentado pela política de obras públicas de Fontes Pereira de Melo.

Mas foi sol de pouca dura. Em 1890 o Ultimato e nova crise financeira fizeram disparar a instabilidade política e social, agora muito influenciada, sobretudo em Lisboa e Porto, pela propaganda republicana. A Monarquia ia viver os seus últimos e atribulados anos.

3. OS ÚLTIMOS 20 ANOS DO REGIME MONÁRQUICO
“Os diferentes partidos não são mais do que escolas de imoralidade, e portanto companhias de comércio ilícito, onde as diferentes lutas, que promovem, não são mais do que o modo de realizarem o escambo das consciências, o sacrifício dos amigos, e o bem do país, e por conseguinte, o modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postos em almoeda as opiniões”. “A classe dos malfeitores é a que mais tem ganho com as garantias constitucionais”.
Luz Soriano, sobre a política do seu tempo.

A primeira revolta republicana deu-se logo, em 31 de Janeiro de 1891, mas ninguém a levou a sério, nem os próprios republicanos cujo partido não tinha apoiado a revolta. A República fez-se, aliás, em pouco tempo.

Em 1864 foi fundado em Lisboa, por Elias Garcia e outros, o “Centro Democrático de Vocação Republicana”, chamaram-lhe o “Clube dos Lunáticos”…

O Partido Republicano Português é fundado, doze anos depois, em 1876, elegendo o seu primeiro deputado, em 1878.

Em 1880 aproveitou o IV Centenário da morte de Camões para fazer acções de propaganda de grande impacto, que se tornaram cada vez mais frequentes e duras, após o “Ultimato”. De facto os republicanos não olhavam a meios para atingir os fins, e exploravam todas as fraquezas e escândalos políticos e sociais a seu favor, ao mesmo tempo que atacavam a família real, por vezes usando meios soezes. A imprensa tanto nacional como regional, muito abundante na altura e gozando de uma liberalidade excessiva, tinham um efeito de gasolina numa fogueira.

Os métodos republicanos que se vieram a revelar verdadeiramente subversivos da sociedade, sobretudo nos meios urbanos, podem resumir-se numa célebre frase de Brito Camacho:
“Quanto mais liberdades nos derem mais nós havemos de exigir; devemos obrigar o governo às cedências que rebaixam e às violências que revoltam”

Porém a decisão republicana em derrubar a monarquia através de uma revolta civil e militar, só começa a tomar forma, quando Rei D. Carlos, que era um notável estadista, quis passar a intervir mais directamente na governação, dado o descalabro da actuação dos governos e políticos monárquicos, e patrocinou um governo algo ditatorial de João Franco, em 1907. O que implicava a suspensão temporária do Parlamento.

Para o aumento da violência republicana muito contribuiu o aparecimento da Carbonária portuguesa, uma sociedade secreta com organização semelhante à Maçonaria, mas com fins diversos desta. Pode dizer-se que a Carbonária funcionou como uma espécie de braço armado do PRP (que era quase o mesmo que dizer da Maçonaria), e teve um papel fundamental no aliciamento de civis dispostos a pegarem em armas e na subversão de unidades militares. Os elementos mais destacados desta organização, ainda hoje mal conhecida, eram Luz de Almeida, Machado Santos e António Maria da Silva.

Em 28 de Janeiro de 1908. o PRP tentou una revolta que falhou e muitos dos seus dirigentes são presos. É a ameaça de deportação de todos estes elementos, assinada por D. Carlos, em Vila Viçosa, na véspera do atentado em que faleceu – e que ele previra após ter assinado o decreto régio – que fez espoletar a acção de comando carbonário chefiado por Costa e Buiça. Ainda hoje não se sabem os verdadeiros contornos desse crime político e de lesa-pátria, pois os resultados do processo nunca vieram a público e os dois exemplares que se conhecem, um desapareceu nas catacumbas do ministério da justiça e o outro foi roubado da residência inglesa de D. Manuel II.

Assim se decapitou a chefia do Estado de uma personalidade notável que teve um papel destacado na política externa do país nomeadamente na conjuntura que mais o afectou e que se ilustra: o ataque às possessões portuguesas em África por parte das potências europeias, sobretudo após a Conferência de Berlim, em 1884/5; as relações bilaterais com a Espanha, França, Santa Sé e Brasil; a especial ligação à Inglaterra em que se destaca a crise do ultimato e a sua ultrapassagem, com o apoio de Portugal ao aliado durante a guerra dos Boers, que levou à renovação da Aliança, em 1899; as visitas de estado; a crise de Marrocos e a ameaça de intervenção alemã e as consequências da guerra Espano – Americana, de 1898.

Quando D. Manuel II subiu ao trono os monárquicos estavam mais divididos do que nunca e demonstraram um desvario e cobardia dignos de figurarem na galeria dos maus exemplos. Em vez de se unirem e mostrarem coesão, atraiçoaram-se uns aos outros e ao próprio regime e cederam em toda a linha, à agitação republicana, que não parou de crescer. A síntese de tudo pode ser consubstanciada no nome que puseram ao 1º ministério que foi empossado após João Franco se ter exilado: o ministério da “acalmação”. O resultado foi o de que, em vez de “acalmar” fosse o que fosse, condenou-se em três tempos. No dia 4 de Outubro ainda conseguiram que o pobre do monarca assinasse o decreto da expulsão dos jesuítas, que consubstanciava toda a acção anti católica em marcha desde 1820 e, sobretudo, desde 1834, mas caíram de uma maneira vergonhosa daí a umas horas. Os políticos monárquicos não souberam nem quiseram defender-se. Tiveram o que mereciam.

Em súmula, o período de 90 anos de liberalismo monárquico, entre 1820 e 1910, além de ter desarticulado a Nação da sua matriz antiga, deixou como legado: seis monarcas (dois assassinados), e três regências; 142 governos (um governo e meio por ano); 42 parlamentos, dos quis 35 dissolvidos por meios violentos; 31 ditaduras – ou seja um terço do tempo fora da normalidade constitucional – e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, etc.

Este foi o passivo e a causa que desgraçou o país durante todo o século XIX e que resultou de uma “guerra civil” quase permanente entre tendências maçónicas de origem francesa encabeçadas primeiramente pelo Conde de Subserra e depois pelo Marechal Duque de Saldanha; e as da “escola” inglesa, que tiveram um seu exponente no Duque de Palmela. Esta luta surda e constante veio a agudizar-se no fim do século entre maçons adeptos da monarquia e outros adeptos da República. Ora, quer-me parecer, que a Nação dos Portugueses não tem que ser pasto destas lutas…

4. A SITUAÇÃO MILITAR
“Vindo a cair numa oligarquia de factos revestida de fórmulas e garantias fictícias”;
“Democracia, riqueza e Exército; eis os três pontos de apoio da doutrina; centralização oligárquica: eis o seu processo”.
Oliveira Martins, sobre a Regeneração.

Depois de 1851, com a estabilização da “regeneração”, tentou-se, com algum êxito, despolitizar as Forças Armadas e fazê-las regressar a quartéis a fim de se dedicarem às missões para que foram criadas e impedir que tivessem qualquer tipo de intervenção política.

Tentaram-se várias reorganizações das quais se destacam as de 1849 (que fixou pela 1ª vez os efectivos em pé de paz), 1863 (do Marquês de Sá, que criou a medalha militar), 1864, 1869 (que foi influenciada pela guerra franco-prussiana e criou o sistema de remissões), 1884 (a principal em todo o período, inspirada por Fontes Pereira de Melo em que foram estabelecidos os quadros dos oficiais e a composição das unidades de cada arma, foram compradas as primeiras espingardas de repetição, metralhadoras e peças de artilharia e equipamento para as outras armas e serviços); 1899 (que desenvolveu a ideia do Coronel Sebastião Teles, da “defesa concentrada do país”); 1901, (que é extensiva às forças do Ultramar e que permitiu adquirir mais algum armamento).

Quanto à Armada ainda estava pior que o Exército, dado que o custo financeiro para a compra de navios era ainda mais incomportável, e o avanço tecnológico tornou mais complicado a sua aquisição e manutenção. A marinha nacional começou a decair desde que a esquadra partiu com a família real para o Brasil e nunca mais recuperou disso. Em 1850 a Armada apenas alinhava duas naus, seis fragatas, 10 corvetas e 13 brigues e destes só quatro navios eram a vapor.

Em 1859/60 houve algumas reformas mas a maioria dos navios ainda era a vela, só em 1862 adoptámos a canhoneira, fundamental para as operações em África. A partir dos anos 60 ocorreu nova revolução tecnológica, com os cascos blindados, e a evolução da artilharia naval e a propulsão, que não conseguimos acompanhar.

Em 1870 a Marinha não tinha um único navio de combate principal nem usava as técnicas e as tácticas modernas de então.

A partir de 1875 passou a haver uma evolução positiva, encomendou-se navios de algum porte, melhoraram-se alguns portos e sua protecção e introduziram-se os torpedos. É por via da reforma de Fontes Pereira de Melo, tanto no Exército como na Armada, que foi possível efectuar com êxito as operações no Ultramar a partir da Conferência de Berlim. Em 1895, a Marinha dispunha de um couraçado, seis corvetas, quinze canhoneiras, dezanove lanchas canhoneiras, três transportes, um rebocador, quatro torpedeiros e três navios escola.

A seguir ao Ultimato de 1890 foram encomendados novos navios o que permitiu à Marinha, em 1902, contar com seis cruzadores, duas corvetas, vinte canhoneiras, quatro torpedeiros e outros navios menores. Somavam 60 navios e 34800 toneladas. Mas, nos oito anos que se seguem até à República foram apenas adquiridos 13 novos vasos de guerra, sendo abatidos 28. Deste modo, em 1910, apenas existiam 45 navios deslocando 28000 toneladas.

Em síntese por muitas boas vontades que pudesse ter havido (e houve), a maioria das reformas claudicou e quase tudo ficou por implementar, dada a instabilidade política e ausência de entendimentos estratégicos e por crónica falta de fundos. E ainda atraso e incumprimento do que se ia decretando. Deste modo a grande maioria do que se fazia era reorganizar uniformes, mudar a designação dos regimentos ou o número das divisões militares. Aquilo que verdadeiramente importava, que era aquisição de material moderno, equipamento e munições, a sua manutenção, o treino e a disciplina adequados, etc., que permitiriam às FAs cumprir as suas missões com alguma dignidade e eficácia, nunca foram atingidos.

As forças portuguesas não estavam capazes de fazer frente a nenhuma ameaça de poderes europeus, mesmo da nossa dimensão e só dificilmente e com muitos sacrifícios, faziam frente às campanhas ultramarinas de afirmação de soberania. A organização e meios do chamado exército colonial eram confrangedores e as unidades metropolitanas não tinham treino permanente e não estavam habituados a rodar pelo Ultramar.

Tudo isto causava grande frustração e mal-estar no seio dos oficiais e sargentos do quadro permanente.

5. CONCLUSÃO
“Ao fim de várias tentativas alguns grupos de monárquicos conseguiram implantar a República”
(do anedotário nacional)

Em traços gerais pode dizer-se que as Forças Armadas não terçaram armas em defesa da Monarquia por duas grandes ordens de factores:
Factores de ordem política
Factores de natureza institucional

No primeiro encontramos a ineficácia escandalosa do sistema político e a actuação indecente de baixeza moral e política dos partidos e da classe política, em geral. Isto conduziu o país para a agitação política e social infrene, a ruína da economia, o descalabro das finanças, a desqualificação internacional e finalmente o abaixamento do moral nacional. O país acabou bloqueado politicamente. Os militares ganharam asco aos políticos e fizeram a asneira, como muitos outros cidadãos, de confundirem o comportamento daqueles com a figura do Rei e da Monarquia, e de ser a instituição monárquica a impedir o progresso do País.

As razões institucionais militares têm a ver com o abandono e a indigência a que se votaram as FAs durante o período considerado. Podemos agrupá-las em três grandes grupos de razões (que podemos descortinar pela leitura da abundante literatura militar de então, nomeadamente nas insuspeitas Revista Militar e Anais do Clube Militar Naval, que são, aliás, razões de todos os tempos:
Incapacidade e/ou desinteresse político em conseguir dotar o aparelho militar do mínimo de organização, liderança e meios para o cumprimento das missões atribuídas;
A falta de dignificação e entrosamento nacional da instituição militar e,
A resolução atempada dos problemas internos das FAs.
Relativamente ao primeiro ponto temos que chamar a atenção para as questões da:
Falta de Preparação da Nação para a guerra;
Problemas de recenseamento e recrutamento (uma questão sempre mal vista pela população e que só se resolveu razoavelmente após a reforma de 1936);
Falta crónica de fundos financeiros para levantar e manter umas Forças Armadas consentâneas com as necessidades e ameaças do País;
Sistemático não cumprimento de objectivos fixados ou das promessas feitas.

Quanto ao segundo ponto, devemos englobar:
O descaso com que os poderes públicos encaram as FAs em tempo de paz;
A falta de defesa institucional para além das palavras de circunstância;
A equiparação real com as outras profissões de referência e enformadoras do Estado;
A exiguidade relativa dos vencimentos e apoios sociais;
A interferência política nas promoções/escolhas das chefias e na autonomia interna da IM.

Quanto à última questão destacamos problemas de:
Recrutamento
Formação
Treino
Promoção (quadros, fluxo, tempo no posto, mérito)
Organização
Falta de armamento, equipamento, munições, etc.
Logística
Actualização técnico-táctico
Comunicação interna
Comando e liderança

E, sobretudo, um adiar ou fazer de conta, na resolução dos problemas.

No caso concreto em apreço tiveram ainda influência particular, o assassinato do Rei, a questão das “remissões” e a questão do exército profissional versus o exército nacional.

A morte do Rei D. Carlos veio privar as FAs do seu Comandante – Chefe. D. Carlos dispunha, indiscutivelmente, de grande prestígio no Exército e mesmo na Armada, apesar das fortes correntes republicanas que nela existiam. A substituição desta personalidade forte e activa, pela de seu filho D. Manuel, ainda muito novo e impreparado para reinar, sobretudo nas condições difíceis em que se encontrava o País e o trono – sem desprimor para a sua figura que se veio a revelar de grandes qualidades humanas e de exemplar patriota – afectaram, seguramente, a ligação entre as FAs e a Monarquia. O afastamento dos oficiais mais considerados e que tinham apoiado o governo de João Franco, também foi um golpe duro no animo das FAs defenderem as instituições monárquicas.

A questão das remissões foi uma questão muito grave. Instituída pela reforma de 1869, destinava-se a conseguir fundos destinados a financiar a compra de armamento. Ou seja, os recrutas convocados para “servir” nas FAs, podiam remir esse serviço, mediante um pagamento em dinheiro. Esta disposição cedo foi mal recebida no seio militar, já que atentava contra a “dignidade” da instituição militar e limitava o recrutamento à grande massa de agricultores pobres e analfabetos (quem tinha meios e instrução livrava-se da tropa!), baixando, deste modo e drasticamente, a qualidade do contingente.

Finalmente temos a questão do “exército nacional”, que passou a estar em voga na Europa e com o qual se pretendia optimizar os meios de um país em caso de conflito.

Que os republicanos estavam muito atentos à realidade militar, prova-o a rapidez com que fizeram uma vasta reorganização das FAs, que entrou em vigor em Maio de 1911, apenas oito meses após a resolução de Outubro. Nela tentaram dar solução a muitas das críticas e aspirações existentes no seio militar.

E sabendo da importância secular do Exército e da Armada, quiseram assegurar-se da sua lealdade, obrigando cada oficial a assinar um termo de responsabilidade cujo teor era o seguinte:
“Declaro sob a minha honra garantir a mais absoluta lealdade ao novo regímen da República que actualmente vigora em Portugal”

Não achando isto suficiente logo a organizaram uma guarda pretoriana a que chamaram de Guarda Nacional Republicana…

6. SÍNTESE FINAL
“…isto é, as liberdades interessam na medida em que podem ser exercidas, e não na medida em que são promulgadas”.
Oliveira Salazar

De tudo o que se disse, pode concluir-se que as FAs não derrubaram a Monarquia mas também não a defenderam.

Sucede que, em Portugal, desde 1820, os regimes políticos apodrecem e caiem por si.

Como disse D. Carlos, vivia-se uma “monarquia sem monárquicos”, que não tinha monárquicos nos políticos e nos burgueses liberais que viviam dos seus negócios e de rendas, completamente infiltrados pelas lojas maçónicas. Como se sabe, os burgueses conspiram bem, mas não se batem… Os militares estavam assim numa posição delicada e tudo isto explica que não reagissem à subversão que se instalou nos quartéis feita sobretudo pela Carbonária.

Será que toda a hierarquia era cega? E porque não havia nenhum sistema de informações capaz a funcionar, nem tão pouco um plano minimamente competente para fazer face à mais do que expectável insurreição?

Uma outra ordem de razões prende-se com a natureza humana e com a importância que a carreira adquire entre os militares – até se lhe chamam a “carreira das armas”, e que é sintetizada numa frase de um deputado do PRD na Assembleia da República, em meados dos anos 80 do século XX, reza assim:
Os militares, pela sua formação, pela sua maneira de ser, pelo seu espírito de missão, etc., em tempo de guerra são capazes de arriscar a vida 100 vezes no mesmo dia; em tempo de paz não dão um passo que possa pôr em risco a sua carreira.”

É muito curioso verificar que apenas 16 oficiais da Armada pediram a demissão da corporação por não quererem servir o novo regime (três cap.frag., dois cap.ten., seis 1º ten., cinco ten. e um guarda marinha). E apenas um foi demitido (cap.frag.). O que, num universo de 467 oficiais representa cerca de 3,4% do total.

No Exército os números são, ainda, mais expressivos.

Num total de cerca de 3300 oficiais, apenas 30 pediram para abandonar as fileiras, (um gen. de brigada, um coronel, dois tcor., um maj., 10 cap., quatro ten. e 11 alf.); seis desertaram (três cap. e três ten.); e 14 foram demitidos (um gen.de divisão, um maj., cinco cap., seis ten. e um alf.). O que dá que apenas cerca de 1% do efectivo, que não quis aderir à República. E despertaram, de repente, profissões de fé, republicanas, antigas, já se vê…

Sem embargo, as Forças Armadas – e a sua oficialidade, que representa a sua espinha dorsal – tinham o dever de defender a Monarquia e o Rei, não só porque a isso os obrigava os seus juramentos, como também porque o PRP e as forças que o apoiaram, ou que dele se serviram, não tinham a mais pequena legitimidade em desencadear o 5 de Outubro.

De facto a República nada teve que a justificasse: não foi implantada para pôr termo a uma tirania, uma opressão, ou a qualquer regime iníquo; tão pouco para corrigir os erros do sistema político-partidário existente – onde haveria alguma justificação – pelo contrário, ampliou-os.

Por fim, derrubou um regime e uma instituição, que apesar das falhas de funcionamento, pode ser considerado como perfeitamente “democrático” à luz de conceitos actuais, e onde o PRP podia participar em igualdade de circunstâncias.

O que já não acontece hoje em dia com os adeptos da Monarquia, já que a Constituição prevê (artigo 288), como limite à sua revisão a “forma republicana de governo”.

E assim vamos vivendo.

             
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