sábado, 30 de junho de 2012

DEBATES SOBRE AS ÚLTIMAS CAMPANHAS ULTRAMARINAS

“O “desenrascanço” português não é mais do que a arte da improvisação elevada a ciência”.
Do autor

Sob a forma de colóquios, seminários, painéis, etc., têm-se multiplicado, nos últimos 15-20 anos, as sessões públicas onde se procura debater as derradeiras campanhas ultramarinas (1954-1974), em que todo o povo português participou, com especial empenho das FAs.

É sobretudo sobre a acção destas que têm versado a maioria das iniciativas realizadas, cabendo à Instituição Militar ou a órgãos relacionados com a Defesa e Segurança, a parte de leão na sua organização e execução.

O objectivo tem sido, em termos gerais, o de deixar testemunhos que permitam a futura elaboração da História daqueles conflitos e a passagem de testemunho às novas gerações. É um objectivo louvável, a todos os títulos.

Estas iniciativas surgiram tardiamente. Digamos que, com 20 anos de atraso.

As razões são sobretudo políticas e ideológicas.

De uma situação anterior a 1974, em que era muito difícil, fora dos órgãos competentes do Estado, discutir a situação vivida pela Nação, passou-se para outra, dois anos depois, em que se impôs uma ditadura de pensamento que abominava tudo o que tinha ocorrido no passado recente e, até, muitas das coisas do passado remoto.

Os combatentes foram, então, relegados para a prateleira da ignomínia e do esquecimento e a resposta à guerra que nos impuseram, foi carimbada como injusta e iníqua. E tiveram a infâmia de escrever isto mesmo, nos livros de História!

A lavagem ao cérebro, o condicionamento psicológico e a cobardia moral foi de tal ordem, que só há poucos anos se começaram a levantar as barreira à auto-censura e a haver direito ao contraditório.

O caminho que já se fez ainda está muito aquém, porém, daquele que falta fazer.

O que se passou a fazer nos últimos 15/20 anos, não obedeceu a nenhum plano – salvo raras excepções de que se realça o trabalho da Comissão para o Estudo das Campanhas de África – surgiu de iniciativas singulares que ficam ao arbítrio das personalidades que lideram, no momento, diferentes órgãos/instituições.[1]

Daí que, até hoje, os resultados sejam apenas parcelares, repetitivos, aleatórios e descoordenados. Não estou a dizer que sejam medíocres, sem valor ou mal-intencionados; tudo o que foi feito é importante e tem merecimento. Estou apenas a tentar chamar a atenção para a falta de eficiência, dispersão de esforços e falta de sistematização, que coarta a existência de obras de referência e a elaboração de sínteses de conhecimento que permitam o estabelecimento de doutrina e consolidem ensinamentos.

Vamos tentar ilustrar o ponto com o ocorrido no último seminário ocorrido no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), em 20 de Junho, sobre a “Força Aérea em África, 1959-1975”. Este seminário foi antecedido por um outro, em Abril, referente à acção das FAs, em termos gerais, no citado conflito, a que se seguirão mais duas sessões dedicadas, respectivamente, à Marinha e à FA.

Aquele seminário durou um dia e tratou de operações aéreas, construção de aeródromos, acção dos paraquedistas, transporte aéreo, etc., e algumas conclusões. Ora um dia não dá para tratar sequer, um dos sub - temas, quanto mais a actuação de toda a FA num período de 16 anos!

As conclusões serão assim, e inevitavelmente, parcelares e pontuais e, se colocarmos a questão do que se vai fazer com elas creio que ninguém, em boa verdade, saberá responder.

Havendo algum dinheiro e vontade, ficarão registadas em publicação própria e arquivadas à espera que outras se lhes juntem, fruto de iniciativas futuras. Do mesmo modo que as de agora se vão justapor às anteriores, sem nunca se confrontarem…

Depois nota-se uma coisa assaz interessante: para além de haver uns “habitués” que circulam por estas iniciativas, a assistência tende a dividir-se pelos eventos que menos lhes deveriam interessar. Explicitando, cerca de 95% dos ouvintes do seminário em apreço, eram da FA, ou seja é uma assistência que, à partida, está por dentro (ou devia estar), dos assuntos que vão ouvir. Supostamente teriam pouco a aprender.

Quem poderia ter algo a aprender seriam os militares da Armada e do Exército e, naturalmente, os civis (nomeadamente os ligados à Defesa), mas estes primaram pela ausência.

Isto tem sido recorrente.

Ora o desconhecimento que os Ramos têm da acção, uns dos outros é de grande infelicidade pois está na origem de muitos problemas chamados “corporativos”, desentendimentos e preconceitos. Ninguém, aliás, pode amar o que desconhece…

Do mesmo modo, quando a maioria dos oradores são conotados com uma determinada visão da guerra, logo tal afasta os que não se revêm nessa visão e vice-versa.

Ou seja existem, neste âmbito como noutros, um conjunto de “trincheiras” que devem ser desmontadas.

Noutra perspectiva, ao lado de temas que têm sido aflorados, como é o caso do serviço de informações, a assistência sanitária e o serviço postal militar.

E estamos apenas a falar do âmbito militar muito debatidos – caso das operações, por ex. – outros existem que quase nunca foram, já que tudo aquilo que envolveu e condicionou as operações militares, raramente tem sido objecto de estudo e debate mesmo no campo das universidades e instituições civis).

Ora tendo a ofensiva contra a Nação Portuguesa sido global e global a sua resposta, os demais âmbitos têm que ser todos estudados e integrados, sob pena de jamais percebermos o que verdadeiramente se passou e de se poder ter uma visão de conjunto do maior conflito que afectou Portugal em todo o século XX.

E estes âmbitos são, basicamente, o Político/Estratégico; o Diplomático; o Económico/Financeiro; Social e Psicológico, além do óbvio âmbito militar.

Entre todos adquire especial importância o “psicológico” – que foi o que deitou tudo a perder – dado que percorre transversalmente todos os outros, sendo que, no caso em apreço, assume extraordinária relevância a questão da “Justiça da Guerra” e do Direito na, e em fazer a guerra.

Esta questão representa o Alfa e o Ómega de tudo e sem as contas estarem feitas neste particular, nada estará devidamente aferido e concluído.

Desta questão, todavia, não há quem não fuja dela como o diabo da Cruz.

E não há “desenrascanço” que nos salve.



[1] Estranhamente (ou talvez não), nunca se constituiu nenhuma comissão para analisar e documentar o conflito que levou à perda do Estado da Índia, apesar de este ser anterior às campanhas de África…

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A PROPÓSITO DO ÚLTIMO LIVRO DO GENERAL LOUREIRO DOS SANTOS

“As Forças Armadas são o poder da consciência nacional, o braço da Pátria, a Nação em atalaia, a vigilância dos túmulos, a segurança do presente do porvir. Nobreza não há maior que a da sua missão”.
Batista Pereira
“Directrizes de Rui Barbosa”, 1938


Instituto Superior de Estudos Militares, sala à pinha, imprensa escrita e falada, câmaras da televisão. Era dia 30 de Maio.


Esperava-se gente importante e outros apenas com funções importantes, que apareceram.


Estavam assim reunidos os ingredientes para haver impacto mediático se é que, fora do futebol, isso é possível…


Falaram o General Ramalho Eanes, que apresentou o livro e o autor. Dois bons discursos, se me é permitido opinar.


O principal objectivo do livro – explicar a necessidade de existência das Forças Armadas, numa linguagem (e também no preço e no número de páginas), acessível ao grande público – não deixa, outrossim, de ser uma boa ideia, embora tardia. Uns 25 anos tardia.


Não havendo pastel de bacalhau nem espirituoso dito de honra, cedo as tropas “recolheram a quartéis”.


Durante o “destroçar”, um senhor general, cujo nome não interessa referir, atirou-me “en passant”: “Quando é que você escreve um discurso destes?”


Não cogito a intenção da frase (o senhor general um dia mo dirá se assim o entender), mas achei curioso e fui ler os discursos.


De facto não escreveria nada daquilo, dadas as circunstâncias actuais, apesar de reafirmar a bondade dos textos e até de relevar a frase com que o autor do livro acabou a sua intervenção: “Até porque as crises financeiras e económicas conseguem levar-nos os anéis, mas as crises de segurança além dos anéis podem arrancar-nos os dedos…, quando não as próprias vidas”.


Por isso e apesar daquilo que nos vem sendo matraqueado, desde 1789, sobre a “igualdade”, nós somos todos diferentes (graças a Deus e não ao “supremo arquitecto”), o meu discurso seria diferente.


Uma das missões de um chefe militar, quiçá a principal, é a de preparar as suas tropas (e a Nação) para a “guerra que há-de vir”, e uma das razões fundamentais de muitos desastres militares, foi justamente esquecer este princípio, sendo o esforço feito no sentido de “combater melhor a guerra que passou”…


Ora o livro e os discursos não estando voltados para o passado vêm sobretudo falar da importância que as FAs devem ter numa sociedade (democrática), o que representa uma “guerra” em que se foram perdendo todas as batalhas, nos últimos 25 anos…


Por isso uma das opções do meu discurso seria tentar explicitar as razões e o porquê dessas derrotas, pois sem tal se perceber não poderemos obter sucesso no futuro, por mais livros que se escrevam e discursos que se façam…


Sobre este assunto já escrevi o suficiente para me fazer doer os dedos (e o espírito) pelo que sobre isso não me vou castigar e aos leitores, novamente.


Colocar na interrogativa algumas decisões, governamentais, tomadas sobre as FAs, nos últimos tempos, sem apontar opções claras, é uma questão de estilo que não discuto. Tem a ver com as tais idiossincrasias das desigualdades humanas.


Já na listagem resumida das “ameaças” foi deixada de fora aquela que tenho por mais importante de todas, pois se não a anularmos, essa ameaça impedirá, de per si, que possamos fazer face a qualquer outra.


Essa ameaça é representada pela classe política que tão mal tem (des)servido o País e o próprio sistema político que a permite. Ambos os factores são causa e efeito um do outro. Esta causa/efeito tende a perpetuar-se.


Deixando de lado incompetências várias, corrupções, negociatas, etc., que também são consequência da causa/efeito e têm que ser dirimidas pela acção política, pela polícia e pelos tribunais, existem dois eixos de orientação política, que se têm que considerar deliberados (pois caso contrário só uma demência avançada os poderia justificar).


Estamos a falar da desconstrução do Estado e da subversão da Nação (tendo presente que o estado é a nação politicamente organizada).


A principal razão para que tal suceda resulta de, em Portugal (e na Europa Ocidental), imperar a ideia “internacionalista” em detrimento do desiderato nacional.


Ora se as principais forças políticas (e quem lhes puxa os cordelinhos – seguramente, não o povo) defendem que o ideal a seguir é sermos cidadãos do mundo, até ver da “Europa” (seja lá o que isso for), o conceito de Nação passa a ser um formidável obstáculo a semelhante objectivo.
O corolário lógico é a sua destruição; o método é subverte-la.


O sucesso tem sido tão grande – podemos apresentar páginas de exemplos que o corroboram – que o país se está a suicidar lenta, mas literalmente. Basta atentar na “diluição” acelerada que a emigração e imigração, potencia, e que a demografia negativa exponencía.


Toda esta trama vai fazendo com que a soberania esteja a ser transferida dos órgãos nacionais que a representam, para as instituições internacionais representadas pela ONU, NATO, etc., e, principalmente a União Europeia.


Isto quer dizer que, se as funções tradicionais do Estado estão em alienação – não se devendo esquecer as privatizações, sem lei nem roque, que nos vão retirar as empresas a energia, a água, a terra, etc., até ficarmos sem nada em mãos portuguesas, para que é preciso o Estado?


Para já o que resta do Estado serve, fundamentalmente, para ser correia de transmissão de poderes exógenos, cobrar impostos e garantir os negócios necessários à sobrevivência de amigos e familiares.
Neste estádio as FAs além de serem desnecessárias (até haver umas “europeias”) são outrossim um perigo, pois guardam no seu “ADN” os genes da Nação.


Com isto dito, lembraria ao senhor PM e MDN presentes, que os políticos não foram mandatados para acabar com “aquilo” que Afonso Henriques começou e dura há quase 900 anos.


E lembraria à Instituição Militar e ao povo português, que o dever das FAs é defender a Nação – e não a República como, certamente por lapso, foi referido.


Estas seriam as vertentes principais do discurso que faria.


Pois, pelo andar da carruagem, não iremos ficar só sem os anéis, os dedos e, talvez a vida mas, também, sem a alma.

domingo, 10 de junho de 2012

AS ÚLTIMAS DA DEFESA (II)

    A Comunicação Social relatou, com cópia de pormenores, o concurso público para uma qualquer empresa vir a fornecer as refeições a serem servidas no dia-a-dia da Assembleia da República.

    Dadas as exigentes especificações do caderno de encargos (em termos militares dir-se-ia “requisitos operacionais”), dignas de um “Pied de Cochon” parisiense ou, para não ir tão longe, do antigo “Tavares Rico”, existe a possibilidade do concurso ficar deserto, dado ser difícil encontrar firmas à altura de tão exigente gabarito. Mesmo aquelas que estão habituadas a servir os finíssimos escritórios de advogados especializados em “Parcerias Público – Privadas”.
    Disso se terá apercebido o presciente Ministro da Defesa Nacional (MDN) que, na esteira dos melhores estrategistas, delineou a seguinte operação, após o novel “Observatório para a Defesa dos Infras”[1], lhe ter feito chegar um trabalho elaborado por um destes, intitulado “O emprego das armas de tiro tenso na conquista de pontos de cota mais elevada”.
    Pedindo emprestado à Armada o conceito de “duplo uso” – a caminhar rápido para se transformar em “uno/zero uso” – resolveu fazê-lo migrar para o Exército, dando instruções para que a decrépita “Manutenção Militar” (MM) – que já em tempos, não muito recuados, abasteceu, sem grandes razões de queixa (a não ser pelo desvio, menos lícito, de umas arrobas de batatas, em Angola, por parte de um capitão, mais tarde popularucho autarca e dirigente desportivo), mais de 200.000 homens (leram bem?), em quatro continentes – fosse à dobra do concurso salvando, desse modo, os representantes do povo de terem de recorrer à sopa dos pobres.
    E, estou em crer que, desta vez, São Nuno de Santa Maria que a inventou (à sopa), sepultado ali tão perto (embora em condições indignas de tão excelsa personagem e sem que 99,9% dos portugueses saibam onde), não iria mandar nenhum carmelita levá-la a S. Bento…
    Ser a MM a fazer este serviço só acarreta vantagens: primeiro porque se lhe dava utilidade, pois há anos e anos que ninguém sabe o que se lhe há - de fazer; depois porque iria manter o “batalhão” de deputados e o “regimento” de assessores, devidamente escorreitos e em boa forma física. E, claro, melhor preparados para os rigores da luta política!
    Além disso poderia levar S. Exs. a pensarem duas vezes antes de enviarem tropas para lugares inóspitos (mas de grande “interesse nacional”), como sejam o Kosovo, a Bósnia, o Líbano ou o Afeganistão, pois permitia que tivessem um cheirinho a campanha.
    Finalmente, através dos antigos fornos de Vale do Zebro, que forneciam o biscoito para as armadas de antanho, manter-se-a um “stock” adequado daquele produto o que permitiria à “Casa da Democracia” sustentar, por longos períodos, qualquer cerco como aquele ocorrido em 1975 – uma verdadeira epopeia revolucionária!
    O cardápio seria simples: às 2ªs, 4ªs e 6ªs, ração de combate; às 3ªs e 5ªs, refeição quente, alternando entre o “amarelo de carne” e o “rancho”, que dá “sustância”.
    Nos dias de debate com o Governo a refeição seria reforçada com uma entrada de “punheta de bacalhau”, que é especialmente recomendada para uma reflexão sobre a existência do “eu” e a fecundação dos povos.
    Ora sabendo-se que as rações de combate passaram a vir de uma qualquer região autonómica espanhola, mais pertinente se torna servi-las no seio de onde partiu o brado iberista “Espanha, Espanha, Espanha”! Digam lá se isto não é visão?
    Como, porém, estamos (finalmente!) na Europa da União – onde, por acaso, nunca deixou de funcionar a hierarquia das potências – a MM seria ordenada de dar uma nota de requinte servindo especialidades comunitárias, em dias diferentes, tais como azeitonas da Dinamarca; arenque em salmoura, de Creta; fish and chips, da Côte D’Azur; salchichas da Sicília; bochechas de burro da Andaluzia; esparguete à moda das Terras Altas Escocesas, e assim por diante.
    Para beber, água, por favor, água e sem álcool, por razões óbvias. Fica apenas a opção por uma das águas minerais das 33 termas existentes na lusa terra, após a criminosa intenção de privatizar a água, ter feito vencimento. Aí já deve compensar.
    Para os dias de festa, enfim, permitir-se-ia um vinhito daqueles que a MM nos habituou e que faz ter saudades do “Camilo Alves”. Recomendo o “Encostas do Trancão”, cujo ar puro e águas cristalinas daquele rio, tornou famoso em toda a África Sub - Sahariana.
    Para evitar qualquer “levantamento de rancho”, que a conhecida relapsia dos senhores deputados à disciplina partidária poderia, eventualmente, provocar, S. Exª o MDN também aponta uma solução.
     De facto, um dos muitos motoristas ao serviço dos gabinetes dos senhores ministros - que podem auferir muito mais do que qualquer oficial superior das tropas de terra, mar e ar – transportaria, diariamente, uma amostra da comida a fim de ser provada pelo “pelotão” de betinhos que gravitam no gabinete do MDN (para o que se publicaria uma escala semanal).
    Tal evitaria, seguramente, qualquer “derrapagem” na confecção e qualidade dos géneros.
    E será assim, caros concidadãos, que as nossas FAs, num supremo esforço antes da sua exaustão e extinção, irão, mais uma vez, resgatar a República!
    Ora digam lá, se tudo isto não é uma boa ideia, inteligente e patriótica?
    Viva o MDN! Força Portugal![2]

[1] Infra, nome pelo qual são conhecidos os caloiros da Academia Militar e cuja definição me dispenso de explicitar em honra aos bons costumes.
[2] Se necessário a MM também irá servir as refeições à selecção nacional de futebol, na Polónia.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

AS ÚLTIMAS DA DEFESA: MALDADE E VILANIA

Após mais um golpe de estado na Guiné-Bissau, consequência de, num determinado período histórico, se ter teimado em querer atribuir independência política a aglomerados de povos cujo estádio de desenvolvimento se situava na alta Idade-Média, quiçá no Neolítico, querendo forçá-los, ainda, a viverem em sistemas políticos que lhes eram, e são, de todo estranhos, o Governo Português entendeu dar um ar da sua graça.
NRP D. Vasco da Gama

Emendando a mão da penúltima intervenção em que, negligentemente, se atrasou o envio de uma força militar, fazendo-se avançar para uma zona de combate um navio mercante (o “Ponta de Sagres”), completamente desprotegido, o governo mandou zarpar uma pequena “força expedicionária” (mantendo forças de reserva), para as proximidades daquele estado-falhado – a caminhar rápido para ser um narco-estado – a fim de garantir qualquer intervenção que o “interesse nacional” requeresse, e tal não tem que confinar-se à evacuação de nacionais.

Não parece que o Governo, neste âmbito, tenha andado mal, não só pela pertinência da decisão, que o grau de ameaça justificava como, também, pelas forças envolvidas e pela discrição havida.
Esgrimiram-se, de seguida, argumentos e acções diplomáticas, não tendo a posição de Lisboa obtido sucesso até agora, salvo em que não houve a lamentar a morte de nenhum opositor político em presença.
Estando a situação estabilizada – melhor dizendo, em paz podre – entendeu-se mandar recolher as tropas a quarteis. Tinham-se passado algumas semanas.
Entretanto a posição portuguesa, após alguns rugidos de leão, não conseguiu aliados que lhe dessem vencimento, sendo completamente ultrapassada pela Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), de inspiração francesa.
Veio ao de cima, mais uma vez, a menoridade política em que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se encontra e ficará, enquanto o conjunto das forças partidárias nacionais andarem enfeudadas à União Europeia.
Veremos o que a diplomacia ainda consegue fazer, agora que o assunto deixou de ser notícia.
O mais inusitado estava, porém, para acontecer.
Tendo as Forças Armadas, mais uma vez, respondido com reconhecida rapidez e operacionalidade, apesar dos cada vez menos recursos existentes, o governo veio afirmar que não haverá reforço de verbas para fazer face a esta operação – que o Poder Político determinou: ou seja não paga.
Não lhe querendo chamar vilania, esta atitude, pouco séria, configura no mínimo uma maldade.
Os orçamentos militares estão, há muito, abaixo de todos os mínimos e, mesmo os letrados apenas com a actual 4ª classe entendem, que uma operação destas nunca poderia estar orçamentada. É certo que alguns gastos existiriam se a operação não se efectuasse, mas o grosso dos custos não entra nesta equação.
Dado que, desta feita, o Governo não se pode desculpar com a “Troika” – mesmo que lhe tivessem ido pedir autorização (sim, já acredito em tudo!), não o iriam admitir publicamente – pura e simplesmente não se desculpou. Disse, faz e pronto. Também para quem é, bacalhau basta!
Os chefes militares, mais uma vez encaixam e cara alegre. Que podem eles fazer?
Qualquer governo, melhor dizendo, qualquer Estado que se preze tem, resguardado, um fundo de emergência para fazer face a coisas destas - parece que, na actualidade só existe para o BPN e quejandos.
Acontece que nós já estamos viver a realidade do estado exíguo que o Professor Adriano Moreira vem alertando há bastos anos e parece que todos achamos isso a coisa mais natural do mundo.
Da próxima vez que for necessário montar uma operação semelhante como reagirão os militares? Pedem o dinheiro à cabeça? Não avançam sem garantias formais de que o dinheiro aparece? Assumem que não têm meios? Ou, simplesmente, deixam-se esgotar devagarinho?
A “Força” voltou e mais uma missão se cumpriu. Tudo bem, aliás, não há dinheiro a menos o que pode haver é missão a mais…
Voltaram, todavia, para tomar conhecimento que 13.000 dos seus camaradas na reforma (e viúvas), deixaram de receber o complemento de reforma pago por um fundo para onde estes descontaram (e se continua a descontar).
Neste âmbito, porém, já não estamos propriamente, no campo das maldades; é mesmo uma vilania.
Devem ter ficado confortados.

domingo, 3 de junho de 2012

GREVES, CONTROLADORES E COGITAÇÕES AVULSAS


Aeródromo de Tires
"Obrigar o Governo às cedências que rebaixam e às violências que revoltem”
Brito Camacho

Tires, 09:30. Voo de instrução com saída para esta hora. Metereologia excelente, “cavok” (sem restrições de tecto e visibilidade).

Decorria uma greve, intermitente, dos controladores aéreos entre as 0700-0900 que continuava das 1400-1600 e das 2100-2300.

Plano de voo submetido (a horas) para o Espichel; durante o “briefing” fui avisado de que havia demora nas saídas, por causa do controle de Lisboa. Industriei o aluno para tentar coordenar o voo para se ir primeiro a Sintra. Além de proporcionar treino adicional permitia “contornar” a demora com a aproximação de Lisboa, dado que após a descolagem de Tires poderia passar directamente ao controle militar da Base Aérea 1.

Conseguida a autorização para pôr em marcha (eram 0940) e obtida a “clearence”para Sintra com a indicação de que apenas seriamos aceites até às 1030.

Eram 0950, dava tempo para uma aproximação por instrumentos, óptimo, continuou-se o “cheklist”. 1000, estávamos prontos para rolar, eis senão quando o controlador informou que Sintra deixou de autorizar a nossa ida, por ter tráfego (!). Estranha coisa esta mas, enfim, nada a que não estejamos habituados.

Deixámos, porém de estar autorizados a prosseguir, já que passámos a número dois para sair e passar ao controlo de Lisboa, e não havia estima para quando tal evento se pudesse concretizar. Há mais de meia hora estávamos em número três. Um avião de 30 em 30 minutos, rica média…

Para mais, dado que tínhamos pedido para ir a Sintra e agora queríamos voltar ao plano de voo inicial, teríamos que submeter novo plano de voo. Lá se cortou o motor e se foi cumprir o requisito.

Fizeram-se mais umas poucas tentativas para retomar a marcha, a última das quais às 1045, sem sucesso e sem previsão de melhores dias. Plano de voo cancelado, avião retornado à sua condição de “exposição estática”, papelada feita, tudo arrumado, bom dia e muito obrigado.

Saldo da coisa: uns pecados por pensamentos, palavras e (vontade de) obras, por confessar; meia manhã perdida, para mim e para o aluno; gastos em deslocamentos e nenhum provento; prejuízo para a escola (que tinha reorganizado os seus horários, em função da greve); e este escrito.

O direito à greve (que passou a ser uma espécie de vaca sagrada) e sua regulamentação está consignado na Constituição da República (CR) e não é agora a altura de sobre tal arguir. E é deixado livre à opinião pública julgar da razoabilidade de greves efectuadas por grupos profissionais dos mais bem pagos e com melhores condições de trabalho, existentes na sociedade.

Afinal entre os “trabalhadores” há uns mais iguais do que outros, podendo-se vislumbrar autênticos “baronatos” que não hesitam em sobrepor os seus interesses aos direitos dos outros. Sem sequer ter em conta que os eventuais “culpados” das situações criadas andam de carro com condutor ou deslocam-se em jacto privado. O Zé é que se trama…

Creio que vem nos livros, que uma greve deve ser feita para resolver (“in extremis”) um problema laboral – e também seria curioso saber qual a posição da Camara de Cascais que é o “dono” do respectivo aeródromo – não se percebendo muito bem onde está o busílis da questão actual.

Fora do âmbito laboral resvala-se para a Política e aí as coisas ficam todas baralhadas (não se devia permitir, por ex., que os sindicatos fossem correias de transmissão de partidos políticos). A situação complica-se ainda mais quando se passa a invocar o “interesse nacional”. Ora o interesse nacional é definido pelos órgãos de soberania, para tal mandatados. Os sindicatos não são órgãos de soberania.

Fazerem-se greves em altura de catástrofe financeira nacional e de perda acentuada de soberania, só tem paralelo na falta de responsabilização criminal de responsáveis que em tal, eventualmente, incorreram; na falta de exemplo dos representantes do Estado e na falta de vergonha de quase todos.

Acresce que o Governo, ao não tratar com equidade os cidadãos, abre o flanco a tudo, e ao não negociar com as diferentes entidades/grupos profissionais por bitola idêntica, dá azo à anarquia reivindicativa. Tal leva à lei da selva.

De facto se o Governo cede na TAP e na SATA, porque não há - de ceder na NAV ou na CP?

Isto não tem ponta por onde se pegue!

Ter uma lei da greve que permite paragens intermitentes – nomeadamente nos transportes – o que, na prática, permite estender o período da greve, e suas consequências, muito para além do fixado no pré-aviso, parece ser uma insensatez inaceitável. Trata-se de um resquício do “PREC” que a CR algo marxista e meio tola, anti nacional e, até, anti democrática, aprovada nos idos de 1976, respalda e que, passados 36 anos, ainda não foi corrigida nos seus aspectos fundamentais.

Como é tudo feito “democraticamente” como não nos cansam de dizer, isso vai-nos sossegando o espirito, mesmo que as prisões estejam a abarrotar – sem que os principais violadores da lei, por lá passem – e se tenha acumulado uma divida externa superior à soma de todas aquelas contraídas desde que Afonso, o primeiro, desembainhou a espada.

Dívida que agora todos temos que pagar, mesmo que não consigamos trabalhar como se vê pelo exemplo junto.

A cartilha republicano – carbonária de Brito Camacho voltou a estar em vigor.