segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A ESPERANÇA E DA ESPERANÇA

“A um vilão peco não há coisa que lhe não pareça que fará e, por fim não faz”.
D. João II

A “caixa de Pandora” é um mito grego que narra a chegada da 1ª mulher à terra e, com ela a origem de todas as tragédias humanas. A história foi contada pelo poeta Hesíodo, no Século VIII A.C.

O titã Prometeu tinha presenteado o homem, com o dom do fogo para este poder dominar a natureza.

Zeus, o chefe dos deuses do Olimpo, havia proibido a entrega desse dom aos homens e decidiu vingar-se criando Pandora, a 1ª mulher. Antes de a enviar à terra entregou-lhe uma caixa recomendando-lhe que jamais fosse aberta, pois dentro dela os Deuses haviam colocado um conjunto de desgraças para o homem, como a guerra, a discórdia, e todas as doenças do corpo e da mente e um único dom: a esperança.

Vencida pela curiosidade (não fosse ela mulher) Pandora acabou por abrir a caixa libertando todos os males do mundo, mas fechou-a a tempo da esperança não poder sair…[1]
*****

Fala-se muito em “Esperança”, “ter esperança” e “dar esperança”. Parece-me um bom tema para o ano que desponta.

Tenho sido incentivado por pessoas de boas intenções a, naquilo que escrevo ou quando “em falas alargadas”, terminar sempre com uma mensagem de esperança. Por outros, tenho sido muito criticado por não o fazer o que chega, nos mais atrevidos, a apelidarem-me de “catastrofista” e outros mimos afins.

É possível que tenham razão embora, confesse, apenas tento ser realista. Mas como tudo parece ser subjectivo…

Permito-me, com vossa licença, lucubrar, um pouco, sobre a questão.

A “Esperança” é uma virtude teologal[2], mas não creio que seja esta a esperança a que o comum dos mortais se refere. A “Esperança”, neste âmbito, é algo transcendental, uma escora religiosa, a espera de um acto ou recompensa divina. É um amparo espiritual mais do que psicológico.


Ora a esperança de que se fala no dia-a-dia é outra e o dicionário explica-nos:[3] “o acto de esperar”; “expectativa”; “probabilidade”; “confiança em obter o que se pretende”.

Creio, pois, que é esta última frase que consubstancia aquilo que as pessoas entendem quando falam de esperança. E tal tem, sobretudo, um carácter social, profissional, estratégico, etc., logo político.

No fundo o que querem que seja é um “esperançoso”, ou seja aquele que dá ou tem esperança – um “prometedor”.

Eu nasci noutro país e, por meados da minha existência, só tenho visto, com raríssimas excepções, fazerem-se asneiras. Das grossas!

A coisa além de estar longe de ser parada e invertida vai a caminho de ficar bem pior. Por tudo isto que esperam que espere? E ter “esperança” é esperar….sentado?

A Esperança decorre (ou deve decorrer) daquilo que nós estamos dispostos a fazer para mudar uma situação que não é boa, não no que esperamos que os outros façam.

Por isso cuidado: dar sinais de esperança não deve ser tentar transferir o que desejamos que aconteça para outros o fazerem. Nesse caso a esperança transforma-se em quimera e, depois, em desesperança…

Os políticos e os vendedores de banha da cobra não dão esperança: tentam passar falsas esperanças.

Desse modo passamos apenas a ter a existência pontuada por suspiros do “vamos a ver se é desta”, ou do “ agora é que vai ser”…

E depois, quando tudo vai falhando ficamos com esperança em quê? No D. Sebastião, que há - de voltar, porque deixámos perder o Reino? No Marquês de Pombal? No Salazar? Noutro que há - de vir? Em quem ou em quê? Num milagre de Fátima?

Isto é apenas sintoma (sem retirar o crédito e valor às grandes figuras da História), de menoridade cívica e de incompetência na organização da sociedade e em estabelecer as linhas mestras que orientem um destino comum.

É certo que todas as pessoas necessitam de bengalas psicológicas para melhor viverem e tem que acreditar em algo que os motive para além de irem ao supermercado.

Mas a verdadeira Esperança só nasce e se mantém vivaz, com acções consentâneas com o “Ser” em vez do “Estar”. De outro modo existirá, apenas, uma esperança balofa e uma ilusão.

E não parece haver nada pior do que vender ilusões (mesmo no amor: “mente-me mas faz-me feliz…”), que é o que a generalidade dos políticos (e dos sistemas com esse nome) fazem para ganhar votos.

Eu prefiro não ganhar votos, mas manter-me verdadeiro. É essa, também, a minha esperança.

A Esperança não pode, deste modo, ser desligada do quotidiano mas só fará sentido se estiver ligada à virtude teologal, pois sem Esperança a vida perde o significado.

Resta acreditar no que não se vê e esperar contra toda a Esperança.

Só assim a Esperança será a grande consoladora.

Tenham um bom ano.

Escrito no dia de Natal, do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 2012

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[1] Noutra versão Pandora foi enviada por Júpiter com a intenção de agradar ao homem. Entregou-lhe, então, uma caixa em que cada Deus colocou um bem. Pandora abriu a caixa e os bens escaparam excepto a Esperança.
[2] Da trilogia “Fé, Esperança e Caridade”
[3] “Dicionário da Língua Portuguesa”, Eduardo Pinheiro, Livraria Figueirinhas, Porto.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O “JURAMENTO DO FALCÃO”

Site dos Falcões, clicar aqui
“Há tempos de usar o olhar da coruja e tempos de voar como o falcão”.
D. João II

Costuma contar-se, em roda de amigos – e se calhar é verdade – que nunca se deve perguntar a um piloto se ele é da “Caça”.

Porque, se for, certamente o dirá; se não for, para quê embaraçá-lo?...

A Aeronáutica Militar, fundada em 1914, forma pilotos de caça há muitos anos. Sem contar com os onze pilotos que foram formados em França e Inglaterra, ainda durante a I Grande Guerra fê-lo, institucionalmente, desde 1919, com a criação do Grupo de Esquadrilhas República, na Amadora.[1]

Seguiram-se esquadras nas Bases Aéreas de Sintra, Tancos e Ota, onde a “especialização” foi ministrada.

A partir da criação da Força Aérea, em 1952, resultante da junção da Aeronáutica Militar e da Aviação Naval, inaugurou-se a era do jacto, resultante dos benefícios da nossa entrada na OTAN, com a chegada dos primeiros T-33-A e F-84-G.

Mas foi com a inauguração da Base Aérea 5, em Monte Real, em 4 de Outubro de 1959, criada especialmente para albergar a nova frota de F-86-F, que se estabeleceu, modernamente, a “escola da caça”, em Portugal.[2]

Isto porque, o F-86, conhecido na gíria por “sabre”, fora especialmente desenhado para ser um interceptor (embora cumprisse bem missões de ataque ao solo e no mar) e, também, porque se veio a criar e estabelecer um “espírito” muito especial, na esquadra 51, também ela criada de raiz para operar este novo (e moderno para a época) sistema de armas.

Foi esta esquadra convenientemente baptizada com o nome de “Falcões”.[3]

O curso era longo (e dependia ainda da taxa de prontidão dos aviões…), difícil e algo complexo. Mas era feito com alegria e entusiasmo. Durava, em média, um ano e não havia aviões bi- lugares…

Os pilotos que o frequentavam, independentemente do seu posto, eram (e são) apelidados de “abibes”[4] e sujeitos a um conjunto de praxes e tradições durante todo o curso. Numa palavra, tinham direito a pouca coisa, para não dizer que não tinham direito a nada…

Levavam, ainda, muitas “bicadas” dos mais antigos, pilotos barbados e hirsutos, que habitavam tão inolvidáveis instalações, rapidamente rebaptizadas em “palácio”. O Palácio dos Falcões!

Palácio, que tem a porta principal encimada pela frase marialva e intimidatória: “Por esta porta passam os falcões mais ferozes do mundo”.

Eu, cá por mim, estou convencido que é verdade…

É claro que as bicadas não resultavam só em “apertos de torque”, mas eram transformadas em escudos (não euros) de modo a que, mais tarde, pudessem financiar algumas folganças gastronómicas devidamente regadas a ….”JP4” (se algum restaurante se atrevesse a abrir as suas portas a tão fogosos pilotaços, é claro).

Como um verdadeiro caçador não pode andar desarmado, parte do pecúlio servia, outrossim, para regenerar o “stock” de foguetes e outros artefactos pirotécnicos, com que se treinava a pontaria em terra, mesmo sem visor de tiro!


Ao aproximar-se o fim do curso, depois de muitas horas a estudar, reflectir e discutir; briefings e debriefings e muito suor derramado a fazer todas as modalidades de acrobacia, tiro (ar/ar e ar/chão), navegação, formação, combate simulado, instrumentos, etc., era preparada a cerimónia final.

Esta cerimónia só se realizaria, porém, se após apertado escrutínio, por parte dos doutos Falcões, os abibes:

Já dessem indícios que, dos dedinhos flácidos despontavam garras afiadas; das serosidades nasais, se afirmava o bico adunco; já cresciam tectrizes e rectrizes, que sustentavam voltas apertadas com mais de quatro “Gs”; a arcadura do peito já sulcava o ar, aguentando o voo picado e turbulência severa, e os côndilos occipitais já se ajustavam a uma rotação de 360º!

Enfim, o traseiro fofo já começava a ficar calejado pelas asneiras feitas e o piar fininho tinha-se transformado num crocitar audível.

Por outro lado, os avanços na capacidade psico-motora, já permitiam a distinção entre uma formação táctica e uma “abandalhada de marcha”; conseguiam voar dentro de nuvens sem perder o chefe; entrar ao passo distinguindo os alvos dos “chaparros” e fazer tiro ar/ar, sem entrar pela “manga” dentro!

Nesta fase da sua maturação e estando já todos fartos de os aturar, preparava-se a tal cerimónia iniciática do tipo “passagem à puberdade” das tribos africanas.

Começa com um jantar (está na cara!) em que, no seu inicio, o “Falcão - Mor”,[5] profere, invariavelmente, a seguinte frase:” Determino e mando publicar que isto hoje vai acabar mal”.

Obedientes e disciplinados, que são, os presentes afadigam-se, então, a dar cumprimento ao determinado.

Entre admoestações, castigos, provas diversas, discursos e malfeitorias várias, a coisa lá vai seguindo o seu curso (escusam de estar à espera que eu conte como é, pois não conto nada).

Aos abibes que passam nas provas (e sobrevivem) é-lhes outorgado o anel, símbolo dos Falcões; o lenço da esquadra e permite-se que escrevam o seu nome na parede do balcão do bar, para o efeito reservado. Presume-se que os leitores compreenderão as razões pelas quais muitas das assinaturas sejam, até hoje, ilegíveis.

Ouvem-se “Kiaks”.[6]

Ao tempo do F-86 ainda se oferecia um emblema, o “mach buster”, prova de que quem o possuía tinha ultrapassado a barreira do som. O Sabre foi o primeiro avião no inventário da FAP a conseguir fazê-lo.

E lá começava uma vida nova para os novos Falcões ainda imberbes e tal notava-se logo: compravam uns óculos da marca “Ray Ban”, meneavam o andar e ficavam mais atrevidos a entrar ao passo nas “falcoas”!

Pois não tinham eles, conseguido entrar para o clube selecto dos “suprassumos da essência do sublime”?[7]

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Nenhuma unidade da Força Aérea entrou em combate aéreo, até hoje. Os únicos pilotos que tiveram essa experiência combateram durante a I Guerra Mundial e na Guerra Civil de Espanha, mas estavam dispersos em esquadrilhas francesas e espanholas.[8]

Apenas um deles morreu em combate aéreo, nos céus de França, numa luta desigual de um contra cinco. Trata-se do Capitão Óscar Monteiro Torres e, ainda, abateu um avião alemão antes de tombar. Voava um “Spad 65” e pertencia à célebre esquadrilha das ”Cegonhas”.

Portou-se bem o Monteiro Torres e nós não o devemos desmerecer. É uma referência.

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Quando se fala em “Forças Especiais” pensa-se, por norma, em “Comandos”, “Paraquedistas”, “Fuzileiros” e “Rangers”.

Mas um piloto de Caça é ele, também, especial. É um combatente feroz e letal. Como os Falcões.

O “Caçador” actua só, mas não isoladamente; tem que ter cabeça fria, decisão rápida e nervos de aço. Do alto da vastidão do céu – o seu domínio – ele sente-se como “dono” do mundo e leva consigo apenas o medo, arrumado cuidadosamente numa caixinha, mas sempre pronto a manifestar-se.

Convém, sem embargo, ter a noção de que o piloto de caça é apenas o elo final que cumpre a missão, para a qual é indispensável o concurso de todos os elos que compõem o complexo sistema de Defesa Aérea: o pessoal técnico e operador das estações de radar; as comunicações; o apoio à operação (meteorologia, tráfego aéreo, etc.); a manutenção das aeronaves; o armamento; as infraestruturas aeronáuticas; a organização do Comando e Controle e da tomada de decisão e mil e uma outras minudências.

Ter tudo isto a operar bem não está ao alcance de qualquer Força Aérea. Direi até, que são muito poucas as que o conseguem fazer.

A FAP, com meios limitados, é certo, está capacitada para cumprir esta missão de um modo militarmente eficaz. Mas as ameaças para que o deixe de conseguir fazer a curto prazo, são muito severas.

Em primeiro lugar por motivos financeiros conhecidos – todo o sistema de Defesa Aéreo, apesar de estar optimizado (aqui só há mesmo “bife do lombo”) é caro e não tolera falhas nos diferentes “elos”.

E voar um F-16 tem outras exigências estranhas ao F-86, que já de si exigia muito treino.

Existem dois patamares a considerar: o número de horas de voo mínimas para a proficiência táctica, e a segurança da operação. O valor da vida de um piloto mantêm-se como sempre, a Segurança da Nação, nem por isso, e o preço das aeronaves subiu em flecha. Até onde é que se quer ir (descer)?

Vender aviões, como se pretende, aparenta ser um erro de visão tremendo.

Vejamos: adquirir e manter um sistema de armas, sobretudo do nível de complexidade e exigência como o F-16, é uma operação muito dispendiosa, difícil e demorada. Depois, para se amortizar o melhor possível, o investimento, deve tentar-se explorar os meios o máximo de tempo possível, com a melhor prontidão.

Ora Portugal não vai ter condições para adquirir aviões idênticos nos próximos 50 anos…

É preferível colocar os aviões que não se quer operar na “naftalina” do que desfazermo-nos deles.

Às FAs portuguesas apenas restam pouquíssimos meios dissuasores credíveis. Os F-16 que restam são parte desses meios. E nunca se sabe o dia de amanhã.

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A Aviação de Caça representa o chamado “elemento nobre do Poder Aéreo”, aquele que melhor fundamenta e justifica a independência da Força Aérea como Ramo independente.

E é aquela que garante a vigilância e defesa do espaço aéreo nacional, que é um função vital de Soberania, apesar de a mesma estar, na Europa (e apenas nela) a ser tratada, irresponsavelmente, como coisa menor ou ultrapassada.

São pois as “asas com a cruz de Cristo” quem cumpre essa missão. O símbolo da Cruz de Cristo não está lá por acaso. Meditem nisso.[9]
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Por outro lado as duas esquadras existentes perdem, constantemente, pilotos para as companhias civis (e não quer dizer que não haja também problemas noutras especialidades).

É um problema antigo que nunca foi devidamente equacionado.

Saem pelo dinheiro; porque voam pouco; por falta de reconhecimento social; para terem uma vida mais estável, com mais benefícios, menor risco, mais direitos e menos deveres.

E, ainda, por terem desenvolvido, no mais das vezes, uma ideia muito critica (nem sempre bem aferida) da realidade que conhecem da Força Aérea, ao mesmo tempo que têm uma ideia pouco completa da vida de “empregado” (agora chamam “colaborador”) numa empresa civil.

Enfim, saem por mais isto ou aquilo.

O modo como as coisas se passam é mau para todos (menos para a aviação civil), sobretudo para o país no seu todo, por razões que não vou aprofundar.

Depois de saírem, a maioria vai sentir falta da camaradagem e do “convívio” da esquadra – uma realidade que nunca mais vão encontrar – vão deixar de sentir a adrenalina do combate aéreo; de largar armamento; a liberdade da acrobacia; a auto-satisfação do voo meticuloso e preciso da formação; o sereno gozo de trazer o “asa” em formação cerrada, até à doce pista, em mínimos meteorológicos; a diversidade de missões que jamais geram o tédio e o gosto de comandar que é o fulcro e a essência de toda a actividade militar.

Vai restar-lhes o eventual conforto da conta bancária (o que não é despiciendo), e a visita a locais porventura mais agradáveis do que um esburacado teatro de operações, em locais recônditos.

Espera-se que quando, e se, for necessário defender o ninho onde foram criados, estejam de novo em alerta de 15’, para de novo o fazerem.

Os avanços têm sido muitos, mas a organização, a tecnologia, a logística, a táctica, etc., de pouco valem se a base espiritual estiolar e não se mantiver ao nível do resto.

O último Juramento de Falcão – para onde são convidados todas as “aves” ainda vivas, cerca de 250, e a que poucas, infelizmente, respondem à chamada – contou com três derradeiros abibes.[10]

De facto os cursos estão interrompidos e a renovação parou. Os leitores já, por certo, entenderam porquê.

“Falcões Brancos” check in!
Two!
Three!
Four!
Branco One.



[1] DL nº 5/41, de 15/2; estava equipada co cinco caças Spad 188. A Escola de Aeronáutica Militar tinha, entretanto, sido formada em Vila Nova da Rainha, em 1916, com a missão de brevetar os futuros pilotos militares.
[2] Começaram a chegar em 1958, tendo sido adquiridos um total de 65 aviões.
[3] E não eram uns falcões quaisquer, eram os “Falcões Peregrinos” – “Falcus Peregrinus Tunst”- o caçador mais completo e temível, na família daquelas aves rapaces…
[4] O nascituro de um casal de falcões.
[5] Comandante da Esquadra.
[6] Grito dos Falcões.
[7] “Clube” que não é “secreto”, nem se dedica a traficar influências, conluir estratégias de poder, proceder ao escambo das consciências ou combinar negócios, entenda-se.
[8] Durante a IGM chegaram a combater nas esquadrilhas francesas 30 pilotos e mecânicos. Onze pilotos e um mecânico, da Aeronáutica Militar foram autorizados a alistar-se na Aviação dos Nacionalistas (embora outros civis o tenham feito). Não há notícias de pessoal da aeronáutica que tivesse combatido pelo lado republicano.
[9] Felizmente ainda não apareceu nenhum cretino esférico a defender que essa cruz deve ser substituída por outra coisa qualquer, por poder “ofender os seguidores de uma religião diferente”…
[10] Fez o seu juramento um major da USAF (que se portou à altura), mas que não entra nestas contas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FORÇAS ARMADAS: ASSIM SE VAI FAZENDO A HISTÓRIA E JORNALISMO


O jornal Público publicou um título "Tropas Portuguesas decapitaram em Angola". Segue resposta. Há 51 anos passou-se um dos Natais mais dolorosos de toda a nossa História colectiva. Angola estava a "arder" e o país em pé de guerra; Goa, Damão e Diu, estavam debaixo da pata militar da União Indiana, mas a esmagadora maioria da Nação estava coesa e pronta para a luta, à volta da lareira dos seus antepassados, com a velha cruz de Ourique ao peito, a espada numa mão e a charrua na outra. A vigília foi nossa! Hoje o Sr. Ministro ds Defesa escusa-se a ir visitar as tropas no Kosovo e no Afeganistão (onde não defendem terras nem gentes portuguesas), para poupar uns euros (maldita moeda). Sinais dos tempos...
Fiquem bem.


Perigosos opressores colonialistas eliminados pelos libertadores de Angola (1961)
Com parangonas e ar de escândalo, a edição do jornal “Público”, do pretérito dia 16 de Dezembro, entendeu dar a conhecer aos seus leitores que “tropas portuguesas decapitaram em Angola”, remetendo para páginas adentro os comentários a tais façanhas retiradas de um relatório de uma acção militar, em 27 de Abril de 1961, na sanzala Mihungo, Norte de Angola.

Este relatório terá sido encontrado nos arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo, constando de um livro recentemente editado.

Presumo que o livro não trate só desta questão, mas foi esta que foi puxada à colação pelas duas jornalistas autoras do referido artigo, que enquadram o episódio na alegada “Guerra Colonial”, termos com que a ignorância atrevida e as ideologias malsãs teimam em apelidar o conflito havido.

O equilíbrio com que alguns dos entrevistados enquadra o evento não chega para ultrapassar o sentido critico, de repulsa e condenação que emana do artigo no seu todo e, especialmente, do seu titulo de 1ª página.

É claro que é fácil às duas moças jornalistas, que nunca cheiraram a pólvora, nem nos foguetes de Santo António, se façam de virgens ofendidas, por tão funesto acto; ou que burgueses, bem - postos na vida, após barriga cheia, se esmerem em dissertar sobre o “como” e o “deviam” as coisas se ter passado.

O que, seguramente, nunca fizeram foi colocar-se na situação daqueles que, há mais de 50 anos, foram confrontados com uma chacina hedionda. Sim, senhoras jornalistas, entrevistados e demais leitores, como é que pensam que reagiriam, já meditaram?

E curiosidade das curiosidades, em todo o artigo não aparece uma palavra de condenação relativamente aos terroristas genocidas da UPA e de quem a apoiou, armou e incentivou, por aquilo que fizeram![1]

A falta de vergonha na cara, desonestidade intelectual e a mais torpe parcialidade ideológica têm campeado em Portugal e tudo teremos que fazer para a erradicar da sociedade, um dia!

Por outro lado, não conheço povo mais masoquista do que aquele a que pertenço e que se compraz em autoflagelar-se – ainda por cima sem motivo para tal – ao ponto, e por ex., do cineasta português, mais consagrado de todos os tempos, se ter lembrado de fazer um filme só com derrotas que os portugueses sofreram na sua vetusta História…[2]

Não tenho qualquer dúvida que o relatório aludido é verdadeiro e que o caso relatado não foi o único que ocorreu. Isto é, não foi a única vez que se cortaram cabeças aos bandidos que nos retalharam a carne e os haveres – embora, creio, nunca se o tivesse feito a pessoas (?) vivas.

Quero acrescentar, para eventual escândalo de muitos que, apesar do horror da cena, ela se justificou. E isto não tem nada a ver com a estafada afirmação de que todas as guerras acarretam actos de violência gratuita e inumana.

Em primeiro lugar, sobretudo para os mais distraídos, deve começar por se dizer que não fomos nós que começámos…

Na imagem, um soba esventrado pelos terroristas da UPA (norte de Angola, 1961)
Depois a UPA provocou o genocídio, com inicio em 15 de Março de 1961, deliberadamente – e, também, ainda não vi ninguém preocupado em julgar os responsáveis nos tribunais internacionais, que vão sendo postos de pé para julgarem os inimigos das grandes potências, leia-se EUA e Inglaterra.

O objectivo, já ensaiado, com sucesso, no Congo Belga, era causar o pânico e o terror, provocando a debandada dos portugueses brancos e a fuga e o choque das populações indígenas.

Enganaram-se, pois os portugueses não são belgas…

Para além da aplicação do “principio” de que nas guerras se têm de aplicar os meios que melhor neutralizam as tácticas e armamento do inimigo foi, neste caso especifico, necessário usar pontualmente este método, não só para evitar que a UPA continuasse a fazer barbaridades, como a causar real medo a tal corja de assassinos, cujas hordas drogadas por feiticeiros, estavam inculcadas da ideia de que eram invulneráveis às balas.

Além disso a separação da cabeça do corpo tinha um significado religioso, pois para as crenças daquela gente, tal impedia uma futura ressurreição.

E, o que é certo é que a “táctica” teve um sucesso fulminante, pois ao fim dos primeiros dois meses, os actos selvagens por parte da UPA terminaram.

O PAIGC e a FRELIMO quando desencadearam a subversão, respectivamente, na Guiné (1963) e Moçambique (1964), não cometeram os mesmos erros.

O ocorrido não põe em causa a civilidade e, até, o humanismo com que as tropas portuguesas se comportaram na sua esmagadora maioria, em todo o longo conflito.

A Instituição Militar portuguesa tem quase 900 anos de existência e não tem pejo em se confrontar com qualquer “Exército” das nações mais civilizadas, ou outras, no modo como sempre combateu, relativamente às leis da guerra e sua evolução pelos séculos fora.

E foi sempre fiel cumpridora das convenções internacionais assinadas pelos diferentes governos portugueses, ao longo dos tempos.

Penso que isto é claro mesmo para os desertores e traidores que foram pontuando a nossa existência…

Só não estou seguro do modo como foram decididas as poucas acções deste tipo desencadeadas pelas nossas tropas e qual a cadeia de comando e directivas (se é que alguma) envolvidos. Mas já era tempo de, quem de direito, tornar público, oficialmente, o que se sabe que se passou, pois não parece que haja nada a esconder.

O mesmo se aplica à história de “Wiriamu”, que já tresanda!

Jornalistas, comentadores e “historiadores”, à falta de melhor, ressuscitam o caso quase com sincronia de calendário – é uma espécie de disco riscado – e nunca se os vê preocupados com os milhares (milhares, leram bem?), de acções violentas, raptos, bombardeamentos, trabalho forçado, assassinatos, etc., que a FNLA, o MPLA, a UNITA, o PAIGC e a FRELIMO fizeram contra as populações de todas as cores que queriam continuar portuguesas.

Só mesmo com um pano encharcado no “fácies”![3]


[1] UPA, União dos Povos de Angola, organização independentista baseada no ex-Congo Belga e chefiada por Holden Roberto.
[2] Já terão pensado, também, naquilo que as populações portuguesas faziam aos franceses invasores (1807-1811), quando os apanhavam à mão, depois das barbaridades que eles cá fizeram?
[3] Em português Vicentino (de Gil Vicente), lê-se “tromba”.