Pediu-me ainda que distribuisse os seus comentários a todos aqueles a quem distribuí o escrito - o que agora faço - acrescentando naturalmente, uma pequena réplica de esclarecimento, o que não fere a lisura de qualquer procedimento.
Trata-se apenas de discussão de ideias ou de pontos de vista diferente que não parecem esconder qualquer acrimónia.
Cumpts
BF
Caríssimo!
Como
sempre, leio com atenção os escritos que tens a gentileza de me enviar.
Genericamente, concordo com a maior parte do que dissertas, mas no caso
do presente artigo, não ficaria de bem comigo se não fizesse também
alguns "reparos".
É que, apesar da minha formação militar, prestei serviço na PSP durante 22 anos...
Seguindo
a tua redacção "não deveria ter direito a Estandarte Nacional". Onde é
que está escrito que o Estandarte Nacional é exclusivo dos militares? Ou
são os militares (alguns) que se arrogam essa exclusividade, sem
suporte legal?
Porque não deve o Estado dar a uma força de segurança o direito a Estandarte Nacional?
Da Lei Orgânica da PSP (Lei 53/2007 de 31 de Agosto:
"A Polícia de Segurança de Segurança Pública, adiante designada por PSP, é uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa...
"A Polícia de Segurança de Segurança Pública, adiante designada por PSP, é uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa...
...
A PSP e as suas unidades de polícia, incluindo as unidades constituídas
para actuar fora do território nacional, e os estabelecimentos de
ensino policial, têm direito ao uso do estandarte nacional.
1 – A PSP tem direito a brasão de armas, bandeira heráldica, hino e selo branco.
2
– A Direcção Nacional, as unidades de polícia e os estabelecimentos de
ensino têm direito a brasão de armas, bandeiras heráldicas e selo
branco."
A
Lei Orgãnica das Forças Armadas (Lei 6/2014 de 1 de Setembro) nada diz
sobre direito a uso de Estandarte Nacional, tão pouco o decreto-lei que
estabelece a orgânica do Exército (DL 186/2014 de 29 de Dezembro). A
única referência que vi a símbolos foi no artigo 29º do referido DL,
"O
Exército tem brasão de armas, bandeira heráldica e hino e as suas
unidades, estabelecimentos e demais órgãos têm brasão de armas e
bandeira heráldica."
Não
contesto, nem me passa pela cabeça, que as Forças Armadas não tenham
Estandarte Nacional, mas onde era, para mim, suposto encontrar a
referência a esse direito, não a encontrei. Talvez me possas
esclarecer...
Também
me poderás esclarecer porque é que os estabelecimentos de ensino básico
e secundário sob a tutela do Exército (CM e IMPE), que também não vi
contemplados na legislação supra, têm direito a Estandarte Nacional, uma
vez que não são estabelecimentos de ensino militar e apenas
frequentados por civis.
"...uso de espada, específicos dos militares"
porquê
específicos dos militares? E as pistolas e as pistolas-metralhadoras
usadas pela PSP já não são específicas dos militares? Onde é que isso
está especificado, ou legislado? Os elementos da PSP usavam, como
equipamento de patrulha, uma pistola e uma espada curta, devidamente
suportado por directivas superiores e, claro, fornecidas pelo Estado nos
idos anos 20, 30, 40 do século XX. Porque são um símbolo de Comando?
Quando estive a comandar o Comando Metropolitano de Lisboa tinha, a
nível de Oficiais, 16 Comandantes de Divisão e 135 Comandantes de
Esquadra...
"A
PSP está organizada hierarquicamente em todos os níveis da sua
estrutura, estando o pessoal com funções policiais sujeito à hierarquia
de comando e o pessoal sem funções policiais sujeito às regras gerais de
hierarquia da função pública", tal qual as FA...
E
a talhe de foice, os alunos do CM e IMPE que desfilavam de espada, não
são militares, nem comandantes definidos por legislação do Estado e, no
entanto... iam de espada... apenas o refiro para que te dês conta das
tuas incongruências, porque, de resto, acho muito bem que assim fossem.
Já
agora, e só por piada: a PSP desde os seus primórdios que remontam a
1876, tem Esquadras na sua orgânica. Será que a Força Aérea, na tua
linha de pensamento, terá direito a usar esse termo para designar um
tipo das suas unidades orgânicas?
A
PSP não abandonou o RCHM. Foi obrigada a isso, por recusa de
reciprocidade por parte das Forças Armadas!!! Daí a demora em criar um
regulamento específico para a PSP.
"Só os corpos especiais desfilaram"
Mais
uma observação tendenciosa: se bem me lembro, a GNR apenas desfilou
(apeada) com a Unidade de Honras do Estado... não desfilou (e bem) com o
pessoal patrulheiro. Porque o deveria fazer a PSP?
E
acrescento eu: centenas e centenas de patrulheiros, equipas de
intervenção rápida, pessoal do trânsito, da investigação criminal e
elementos da Unidade Especial de Polícia estiveram fortemente empenhados
para que a Cerimónia decorresse em ordem e segurança, contendo a
assistência, evitando distúrbios, mantendo os corredores de entrada e
saída de tudo o que desfilou, orientando a entrada e saída das
Entidades, fazendo prevenção criminal (carteiristas, por ex.),
guarnecendo os espaços destinados a parqueamento de tudo quanto é
viatura do desfile, Entidades e convidados, cortando trânsito,
desviando-o, criando corredores de evacuação e emergência, durante
vários dias, e ainda a segurança pessoal das Entidades, o posicionamento
de atiradores especiais, a limpeza da área no que se refere a possíveis
ameaças de bomba, quer à superfície, quer no subsolo para que tu, e
todos os presentes pudessem ver, ou participar, na Cerimónia
tranquilamente, sem terem qualquer sobressalto de insegurança ou
desordem.
"A PSP perdeu o direito a participar numa parada militar"
A
PSP deixou de participar em paradas militares por iniciativa própria.
Foi em 1997, ou 98 que o então Comandante-Geral determinou que a PSP não
participaria mais em paradas militares. Daí para cá, apenas o fez este
ano, a convite, nesta cerimónia e na celebração do Dia dos Capacetes
Azuis.
Mas
acrescento: quem sofreu o primeiro embate do terrorismo no Ultramar foi
a PSP. Quem teve prisioneiros de guerra na Índia, foi a PSP. Quem foi
sempre mobilizado para o Ultramar durante toda a guerra foi a PSP,
criando graves problemas de recrutamento porque os seus agentes faziam
uma comissão como militares e, logo a seguir, outra como polícias. A
militar GNR nunca lá esteve...
Os
primeiros a irem para os Balcãs, em 1991, foram os PSP, os primeiros
internacionais portugueses a entrarem no Kosovo foram os PSP, a
segurança das embaixadas em países de alto risco, ou em guerra, é feita
pela PSP. Quando foi necessário projectar Força para países de expressão
portuguesa para proteger e retirar nacionais, avançou a PSP, etc...
Porque carga de água é que a PSP haveria de ter direito a participar em
paradas militares? E de ter Estandarte Nacional? E de ter espadas?
Ah, sim!... tem 16 sindicatos!!!
Mas
isso não impediu a PSP de garantir com os seus sindicalizados, mas que
estavam de serviço, a ordem pública e a segurança dos Orgãos de
Soberania aquando da manifestação convocada, entre outros, pelas
Associações Profissionais da GNR e (não tenho a certeza) das FA.
Espero
que tudo isto tenha sido útil para te esclarecer, teres uma opinião
menos enviesada da PSP e orgulhares-te de teres uma Polícia Portuguesa
altamente profissional, capaz, considerada internacionalmente como uma
das melhores do mundo civilizado, que contribui para que Portugal seja
um dos países mais seguros do mundo, em que as grandes operações por si
conduzidas, tais como a segurança do Euro 2004, a segurança das visitas
papais, a segurança de Cimeiras internacionais (ibero-americana, NATO,
UE), foram observadas por Polícias de outros países, com o intuito de
connosco aprenderem, e que ainda hoje constituem "case study" ,
levando a que tenha sido ministrada, quer cá, quer por deslocação ao
estrangeiro, muita formação a Polícias de outros países. O "Police
Adviser" da ONU é um oficial da PSP.
Mais
haveria para dizer, mas fico-me por aqui, não resistindo no entanto a
uma observação de somenos importância: do que vi na televisão, quer em
directo, quer depois nos vários canais noticiosos, os piores que eu vi a
desfilar foram os cadetes da Academia da Força Aérea.
Termino
com um pedido, apelando à tua honra e isenção: que dês a este meu
"direito de resposta" a mesma difusão que deste ao teu artigo.
Forte abraço do teu camarada Cadete-Aluno nº 89 da Academia Militar,
Jorge Filipe Moutinho Barreira
Superintendente-Chefe (Ap)
24/11/18
“A identidade de interesses é o mais seguro dos
vínculos entre Estados ou indivíduos”.
Tucídides
Gostava de começar por dizer que o texto que escrevi não contém em si mesmo, qualquer apreciação negativa para a PSP, tão pouco afirmei qualquer ilegalidade existente relativamente ao apontado.
Os pontos em diferendo parecem ser:
- A existência de Estandarte Nacional, na PSP;
- O uso de espada por membros da mesma corporação;
- A participação conjunta em cerimónias militares;
- O vínculo ou não ao Regulamento de Continência e Honra Militares.
*****
Para se analisar (sucintamente) as questões em apreço, é mister recuar um pouco atrás na História.
Na sequência do Golpe de Estado militar ocorrido em 28 de Maio de 1926, a antecessora da actual PSP, chamava-se “Corpo de Polícia Cívica”.
Acontece que devido ao estado caótico e comatoso em que a I República deixou a Sociedade Portuguesa, o Estado e as Instituições Nacionais, a Polícia foi intervencionada pelos militares, passando à actual designação no ano seguinte ao golpe.
Quando a situação estabilizou, nomeadamente a partir de 1933, as sucessivas reorganizações mantiveram-na como força militarizada e comandada e enquadrada por militares.
Não interessa agora fazer uma análise crítica do que se passou mas sim ater-nos a factos.
A situação descrita transitou para o período pós revolucionário no seguimento de outro golpe de estado militar, este agora ocorrido em 25/4/1974.
Forças e pareceres vários foram fazendo o seu caminho defendendo que a especificidade policial era distinta da militar e que a PSP devia possuir os seus próprios quadros e ser, consequentemente, “desmilitarizada”.
A situação correu paredes meias com a tentativa de criação de sindicatos na polícia - cujo maior arauto (mas sem alarde) foi o PCP – pretensão que ao poder político de então, só ocorreu contrariar, alegando a existência de oficiais das Forças Armadas, na PSP…
O que se revelou ser manifestamente curto.
Tinha, todavia, um corolário lógico: logo que saíssem os militares da PSP, podia haver sindicatos…
Foi o que aconteceu.
Estabeleceu-se uma data limite para os militares optarem por regressarem ao respetivo Ramo ou abandonarem as fileiras e tornarem-se polícias de corpo inteiro.
Tal ocorreu em 1987.
Simultaneamente criou-se a Escola Superior de Polícia, em 1982, que iria formar os futuros “oficiais”, estabelecendo-se um período de transição.
A partir daqui foi autorizada a criação do primeiro sindicato (de inspiração comunista), liderado pelo Subchefe Carreiras (se bem me lembro), após a aprovação da Lei nº 14/2002, de 19/2, que regulava a liberdade sindical na PSP. Culminava uma longa “luta” que se tinha agudizado após o célebre incidente entre “secos” e “molhados”, no Terreiro do Paço, em Abril de 1989. Desde então evoluiu-se para os actuais 16 (ou 17?) existentes.
Não entendo porque é que não os haveria de referir…
Aproveitando uma querela de má memória, com início na morte de um meliante, em Évora, que acabou numa “greve” em que os agentes entregaram simbolicamente as pistolas, e na saída do então Comandante - Geral, o General Gabriel Teixeira, em ruptura com o ministro da tutela, Alberto Costa (de péssima memória…).
A partir daqui o Governo mudou a designação de Comandante-Geral para Director Nacional, o que acarreta, por óbvio, extensas consequências.
Sem embargo, enquanto os militares se mantiveram na PSP, naturalmente tentaram manter as ligações ao múnus militar.
Mas a partir do momento em que, à PSP, foram retirados todos os vínculos militares e se tornou uma polícia completamente civil (o ter armas aqui é irrelevante – não há nenhuma policia desarmada - e a PJ, o SEF, SIS, até os Guardas Prisionais as têm…), não faz algum sentido que mantenham prerrogativas, tradições, estatuto, ou qualquer outra característica que só aos militares cabe e justifica.
E este é que é o ponto fundamental e creio que tal é de uma evidência cristalina.
Para os mais simples, também se pode deitar mão de um proverbio português que diz não se poder ter, em simultâneo, sol na eira e chuva no nabal…
Deste modo não cabe à PSP ter um Estandarte Nacional, que apenas lhe foi atribuído em 1935, por via do que atrás se disse.
E por acaso até existe algo escrito, sim, no Decreto-Lei nº 150, de 30de Junho de 1911. Diz assim no seu art.º 3: “Nas bandeiras das diferentes unidades militares, serão talhadas em seda, a esfera armilar, em ouro, será rodeada por duas vergônteas de loureiro, também em ouro, cujas hastes se cruzam na parte inferior da esfera, ligadas por um laço branco, onde, como legenda imortal, se inscreverá o verso camoniano: Esta é a ditosa Pátria minha amada”.
O SEF e a PJ também não dispõem de Estandarte Nacional. E, já agora, também ninguém jura bandeira.
E mesmo que nada estivesse escrito deveria aplicar-se o Direito Consuetudinário, pois sempre foi assim nas diferentes cambiantes que ocorreram ao longo dos séculos, e que são muito anteriores à criação da PSP que remonta ao reinado de D. Luís I, quando se criaram as polícias cívicas de Lisboa e Porto, em 2 de Julho de 1867 (e não em 1876).
Na realidade a Lei Orgânica da PSP referida, contempla a existência do Estandarte Nacional, mas não o devia fazer atento ao atrás exposto.
Também parece evidente que os Colégios Militares (sublinho militares) são unidades do Exército, comandados e enquadrados por militares; sendo menores também andam fardados, armados, cumprem o RCHM e têm um estatuto próprio, derivado da sua especificidade.
A questão da espada (ou do espadim, no caso dos oficiais da Força Aérea) não tem qualquer equiparação ao restante material de guerra (seria por isso que a PSP também em tempos quis adquirir carros blindados?). Tem apenas a ver com o simbolismo do “comando”.
Quando falas em espada curta (mais o chanfalho, já agora), usada nas patrulhas, ela era usada como objecto de defesa/ataque, não como símbolo de comando, não fazendo parte de nenhum uniforme.
Em boa verdade os civis não comandam, dirigem. Por isso não faz sentido a PSP ter comandantes de esquadra ou de Divisão, mas sim chefes das mesmas.
E a designação de “esquadra” nas unidades operacionais da FA (e não só) é marginal à discussão e teve um desenvolvimento próprio que em nada toca com a designação da usada na PSP. O significado é ainda, perfeitamente distinto.
O que não faz sentido algum é terem retirado da terminologia da GNR os termos batalhão, regimento, brigada, etc., e substitui-los por designações perfeitamente descaracterizadas (e idiotas) para designar unidades e orgãos daquela força militar. Mas isso já é outra discussão.
Enganas-te ainda - creio eu – ao dizeres que “a PSP está sujeita às regras gerais da hierarquia da função pública, tal como as FA…”. O que caracteriza as FA é a condição militar e convenhamos que comparar a hierarquia ou o comando militar à da Função Pública é, no mínimo, risível!
A questão do RCHM não é tão simples como a colocaste, embora eu apenas a tenha puxado por estranhar como é que uma força que não adopta esse regulamento (e já quase não pratica ordem unida), pode integrar-se numa cerimónia militar.
A questão da reciprocidade, ao que julgo saber, não tem a ver com este âmbito, mas sim à questão da reciprocidade em termos de cumprimento através da continência. Concedo que a questão não é linear.
Mas temos, mais uma vez, de recuar à militarização da PSP, durante a Ditadura Militar e o Estado Novo. Nesse tempo os oficiais da PSP tinham o posto máximo de “comissários” (galões prateados), os quais eram equivalentes a tenentes. Ou seja só tinham que cumprimentar os postos daí para cima.
Os novos postos da polícia, da actualidade vieram mudar tudo isto mas, mais uma vez, o fundamental foi a mudança de estatuto que os “civilizou”.
Ora os militares não fazem continência a civis, por subordinação hierárquica, apenas por deferência de educação, que nem sequer os obriga, por exemplo, a descobrir-se ou a descalçar as luvas, perante uma senhora…
Não houve, por outro lado, qualquer observação tendenciosa relativa à frase “só os corpos especiais desfilaram”, relativamente à PSP. Foi decidido superiormente que a PSP e a GNR participariam com 359 elementos cada. Presumo que cada uma levou o que quis.
As missões que referes no antigo Ultramar ou, agora, no estrangeiro, e que conheço (não enviesadamente) são, outrossim, excêntricas ao que está em discussão.
Quanto aos sindicatos não me obrigues a dizer mais nada…
Registo a tua opinião sobre os cadetes da Academia da Força Aérea, terem sido os piores a desfilar. Presumo que só tenhas visto o desfile na TV. Eu vi na TV e estive lá.
E por aqui me fico.
Para mim serás sempre o cadete aluno nº 89 da Academia Militar, e não perderás tal estatuto. Mas para as Forças Armadas, tu serás apenas o Superintendente – Chefe Barreira. Lembra-te que pediste (voluntariamente) o abate ao quadro do Exército.
Aquele abraço do,
Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador, Ex - Cadete – Aluno 59/71
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