OS 60 ANOS DOS
“FALCÕES”
4/10/2018
“Aqueles que
procuram agradar se enganam. Para agradar, tornam-se maleáveis, apressam-se a
corresponder a todos os desejos. E acabam por trair-se em todas as coisas, para
ser como os desejam. Que fazer com seres que não têm ossos nem forma?”
“O homem se
descobre quando se mede com um obstáculo”.
Antoine
de Saint-Exupéry
“Falcões”
é a denominação atribuída à original Esquadra 51, da Base Aérea 5, sita em
Monte Real, inaugurada com esta, em 4 de Outubro de 1958.
Fez
agora 60 anos, que foram devidamente comemorados como “bodas de diamante”.
Não se trata, todavia, de uns
quaisquer “Falcões”, pois a denominação refere-se apenas a um membro dessa
“família” de aves rapaces, o Falcão Peregrino, “Falcus Peregrinus Tunst”, o
falcão caçador mais feroz e letal de todos!
A
escolha não foi fortuita: a esquadra assim denominada e equipada originalmente,
com o extraordinário F-86F Sabre, era uma esquadra de caça pura, destinada à defesa
do espaço aéreo nacional.
A missão mais nobre do “Poder
Aéreo” e garante da soberania nacional.
O
primeiro comandante da esquadra foi o saudoso e já lendário Coronel Gualdino
Moura Pinto (que tem uma sala com o seu nome na esquadra) extraordinário
piloto, combatente e líder, que acabou a sua carreira após ser Comandante da
Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde e da Base Aérea 12, em Bissalanca, Guiné
Portuguesa.[1]
Nestas funções foi a pedra chave
para a resolução do grave problema do aparecimento dos mísseis SAM 7 “Strella”
(em 1973) naquele teatro de operações e que retirou à Força Aérea a supremacia
dos ares, mas não a superioridade aérea.
Foi
ele que, em 1958, lançou, mais a sua equipa da altura, os fundamentos da
organização e espírito da esquadra, fazendo jus ao ditado que diz que o que não
nasce torto, sempre se mantém e endireita …
A
Esquadra dos Falcões sempre se manteve e nunca precisou de se endireitar.
Estamos
em face de uma unidade de combate de excelência – e não há unidade de
“operações especiais” que se lhe possa comparar – que está na primeira linha
das operações e do combate, velando 24 horas sobre 24 horas, todos os dias do
ano, na vigilância do espaço aéreo nacional, com um grau de prontidão de uma parelha
pronta a descolar em 10’.
E
está (bem) armada, para o caso de haver dúvidas ou julgarem que a Força
Aérea é apenas um aeroclube muito dispendioso.
Que
o será, no dia em que deixar de ter armamento e, ou, não for capaz de executar
missões tácticas de cariz militar…
A
esquadra tem um lema: “guerra ou paz tanto nos faz”, que se não deve ler no
sentido literal da frase, como alguns poderiam deduzir – pois aos militares é
mais caro e importante ganhar a guerra pela dissuasão, do que pelo combate –
mas porque estão sempre aptos a voar e operar tanto na paz, na crise ou na
guerra. Por isso tanto lhes faz…. E têm também um “grito”, síntese da sua
agressividade e determinação que tenta imitar o som estrídulo do falcão
peregrino: KIAK!
E
para que não haja dúvida da sua (serena e eficaz) ferocidade, existe uma frase,
que encima a entrada da esquadra conhecida pelo “Palácio dos Falcões”, o local
selecto onde estão prestes a entrar: “Por esta porta passam os falcões mais
ferozes do mundo”.
A
frase ainda não foi desmentida…
Aos
abibes, isto é, os filhotes do Falcão, ou seja, os novos pilotos que lá chegam
aspirando (mas apenas aspirando) em se qualificarem Falcões, não é permitido
passarem na porta, enquanto ostentarem aquele “diminutivo”. Têm que crescer e
aparecer.
Assim
deve ser.
A
vinda do F-86F, que contabilizou cerca de 65 unidades, foi acompanhada pela
montagem do restante Sistema de Defesa Aérea (comando, controlo, comunicações e
radares de defesa aérea), que não chega a ser concluído, por entretanto ter
sido desencadeada a agressão militar internacional aos territórios portugueses
de Angola, Guiné e Moçambique.
Após
o fim das operações em África, em 1974/5, o F-86F foi finalmente abatido em 30
de Junho de 1980 – após 60.000 horas de voo e, mais tarde (tardiamente),
substituído pelo A-7P, em 24 de Dezembro de 1984, opção encontrada por não
haver disponibilidade financeira no país (isto é, querer político) para o
substituir por um avião de caça moderno.
A
denominação da esquadra passou então, para 302.
Com
o abate destas máquinas, que somaram um total de 50, em 10/7/1999, após 64.000
horas de voo – e que eram uma excelente plataforma para atacar alvos marítimos
e terrestres, mas não para defesa aérea – em boa hora foi a Força Aérea
equipada com duas esquadras de F-16 que, depois de modificados, constituem
ainda um excelente sistema de armas em qualquer parte do mundo.
Parte
dos aviões passou a equipar a Esquadra dos Falcões, que mudou a sua designação
para Esquadra 201.
A
partir de 1978 (Directiva do Cemfa, de 19 de Outubro desse ano) começou a ser
implementado um novo sistema integrado de Defesa Aérea, o SICCAP,
maioritariamente financiado por acordos NATO, e de cujas duas primeiras fases
foram concluídas (a terceira contemplava os Açores e foi abandonada por questões
de prioridades e ameaças dentro da Aliança, decorrentes da queda do Muro de
Berlim, em 1989). Mas o que foi implementado está a funcionar, mas já com
algumas limitações dado que as opções políticas de desinvestimento sistemático
nas missões soberanas do Estado e da Nação, nomeadamente as Forças Armadas,
reduziram já estas à ínfima espécie, desarticulando-as nos últimos 30 anos, em
termos financeiros, administrativos, em pessoal, em autoridade, em apoio social
e cívico e na subversão da condição militar dos seus servidores.
Não
existe no vocabulário da língua portuguesa adjectivos suficientemente fortes e
cáusticos para definir a acção empreendida!
As
comemorações decorreram com brilho, com graça, com dignidade, com simplicidade
e tocando um conjunto alargado de eventos presenciados por mais de uma centena
de antigos falcões (embora pudessem e devessem ter sido mais …), incluindo
alguns falcões da primeira “postura” de 1958, a que se juntou um lote
apreciável de “companheiras” (não “falcoas”), o que aconteceu pela primeira vez
em eventos deste género.
Tendo terminado com um Jantar de
Gala, o que também ocorreu pela primeira vez.
E,
para que conste, a “Fazenda Nacional” não contribuiu com um cêntimo para o
evento.
A
esquadra 201, Falcões, está pois de parabéns.
São
poucos os Falcões no activo e, nomeadamente, na esquadra (mas nós também nunca
fomos muitos…) a quem estimamos boas “caçadas” e estamos certos que saberão
continuar a honrar os pergaminhos do “ninho”.
E
um “falcão” só dá baixa aquando da sua descolagem para o voo eterno!
As
minhas saudações, comovidas, para todos aqueles que já o efectuaram e aguardam
no seu “poleiro” (agora já sem necessidade de “entrar ao passo”) a reunião dos
que cá estão.
A
certa altura das comemorações foi afirmado que enquanto houver Força Aérea,
haverá Falcões.
Eu
diria antes, que enquanto houver Falcões, haverá Força Aérea!
KIAK!
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
Falcão da postura de 1976
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