terça-feira, 2 de outubro de 2018

UM FILME DE TERROR EM SESSÕES CONTÍNUAS


UM FILME DE TERROR EM SESSÕES CONTÍNUAS

02/10/18

“O Exército é o espelho da Nação”. Frase utilizada em Portugal, na acção psicológica durante o último conflito ultramarino.

Estamos a falar da sociedade portuguesa num país (ainda) chamado Portugal.
Relativizemos o “terror”, que não é comparável ao que se passa na Síria, no Congo, ou na Bolívia…
Mas falamos do nosso país já entrado no século XXI, amadurecido, por um lastro de 850 anos de História comum, que vive o dia – a - dia sem ameaças violentas no horizonte, mas com uma conflitualidade política e social permanente e latente.
Não estamos em guerra nem numa situação de “PREC”. 1
Se bem que, verdadeiramente, o país nunca saiu do PREC, apenas o amenizou…
Neste âmbito a “geringonça” tem andado – com alguma inteligência até, diga-se em abono da verdade (o que torna a coisa mais perigosa) – a exacerbar as coisas.
Estranhamente, ou não, o “órgão” Presidência da República tem proporcionado um caldo de cultura em que tudo isto medra.
Pois palavras e “selfies” leva-as o vento…
Daí que assistirmos a um telejornal ou ler os títulos dos jornais seja um filme de terror. Em sessão contínua.
As pessoas nem conseguem respirar de umas para as outras…
A que se deve o que estou a referir?
Fundamentalmente ao aumento geométrico dos casos de corrupção; de crimes vários e de incompetência manifesta.
Pode-se argumentar que a acção desenfreada de concorrência entre os diferentes órgãos de informação (sendo estes muito superiores às necessidades) tem um efeito multiplicador e cacofónico em tudo o que se passa.
De facto é uma avalanche de notícias e ruído (por isso muitos cidadãos já não os consegue ler, ouvir ou ver), mas as coisas não deixam de acontecer e ser reais.
Não passa um santo dia sem que sejamos brindados com desbragamentos, roubos, subornos, malfeitorias, desfalques, crimes passionais, vigarices, etc., etc.
A Justiça está atulhada de processos e tem sido (por via da natureza das leis e de como as coisas estão organizadas) de uma ineficácia monumental!2
O cidadão comum anda estarrecido com tudo isto, em revolta surda acumulável, a falar mal por todos os cantos e deixou de acreditar seja em quem for.
Mas a sua intervenção cívica não passa disto, sobretudo enquanto tiver dinheiro no bolso e comida nas lojas, “esquecendo-se” que tal só se consegue à custa de uma dívida interna e externa que não pára de aumentar; venda de património nacional e alienação de soberania!
Tudo muito tipicamente português…
A corrupção é transversal, gangrena tudo e manifesta-se sobretudo na classe política, autarquias, futebol, no mundo da finança, enfim, em tudo o que cheire a negócio.
Está a ficar muito preocupante e só diminuirá (como os incêndios florestais) quando se cortar a cabeça a uma dúzia alargada de cabecilhas. E se saiba.
Agora a débacle – que já infestava a Instituição Militar há muito tempo – chegou em força às Forças Armadas, por via de exposição pública de vários casos (seguidos) mediáticos.
Começa (mas não se esgota no que vou referir), na auto - demissão do CEME, General Jerónimo e mal conseguida substituição; situação nos estabelecimentos militares de ensino secundário (CM, IO e IMPE); no assalto aos paióis de Tancos (antecedidos dos roubos já havidos, nos Comandos, nos Fuzileiros e na PSP, etc.) – uma vergonha inominável; o caso das messes da FA; a guerra sobre a Autoridade Marítima; a morte de dois recrutas durante o curso de comandos; continuado “assalto” governamental ao IASFA; no congelamento das carreiras (uma coisa inaceitável desde o início); na cativação escabrosa e continuada das verbas destinadas ao funcionamento dos Ramos e da Lei de Programação Militar; na degradação do Serviço de Saúde Militar e do Hospital das FA (ninguém se entende sobre nada desde o início) para agora vir desembocar no inacreditável caso da prisão do Director da PJM, de um civil e da arguição pesada para mais três militares da mesma polícia e outros três da GNR, que investigavam o caso do assalto aos paióis de Tancos.
Quase em rajada e simultâneo, somos confrontados com mais uma morte de um soldado no “Regimento” de Comandos, (aparentemente por suicídio), poucos dias após a substituição do Comandante – a qual (substituição) teve contornos menos próprios e foi largamente publicitada (originando um almoço público de desagrado e desagravo); a arguição de uma oficial farmacêutica da Marinha por alegadamente “traficar” medicamentos, logo seguida do desaparecimento de uma caixa de munições transportada numa viatura dos fuzileiros (recuperada entretanto por um elemento da população que a encontra na via pública e a entrega à PSP).
Tendo como pano de fundo a paralisia de tudo, pois a FA não voa, a Marinha não navega e o Exército não treina; não há dinheiro, não há material, não há pessoal, não há autoridade, não há carreira, o moral é medíocre, as poucas unidades operacionais existentes estão mercenarizadas; parte da opinião pública acha (em Portugal toda a gente acha qualquer coisa e opina sobre tudo) que a “tropa” não serve para nada e as autoridades políticas e os “média” retiraram cirurgicamente a Instituição Militar e os militares da vida nacional. Só são notícia quando se dá uma bronca qualquer…
Se isto não é um filme de terror só pode ser um festival de filmes de terror!...
A situação nas FA vai piorar. Só pode piorar.
A razão fundamental prende-se com o menosprezo, degradação, e ataques vários a que foram sujeitas pelo Poder Político; má vontade em algumas áreas da intelectualidade nacional – tudo reflectido nos OCS. Esta situação dura há mais de 30 anos. Não são 30 meses…
Isto tem consequências fundas, que as chefias militares não têm sabido ou conseguido antecipar, impedir ou remediar.
E somos chegados a um ponto em que estas mesmas chefias estão, aparentemente, inermes, arrastando com elas toda a hierarquia militar.
Estou em crer que, se amanhã, por exemplo, (e não por absurdo…) acabasse o Conselho de Chefes Militares, ninguém no país – nem mesmo na tropa – daria por isso.
Imagine-se o Moral que percorre as fileiras…
A Instituição Militar é aquela que no país inteiro, é a mais resiliente, devido à formação dos seus servidores; hierarquia, disciplina, estrutura, etc., consubstanciada na “Condição Militar”, alicerçada num conjunto de “virtudes militares”.
Mas quando parte, parte a sério. Veja-se o que aconteceu no PREC.
As Forças Armadas estão abaixo de todos os mínimos há muito. Não é, pois de estranhar o que está a acontecer. É de admirar, apenas, como não acontece pior.
As Forças Armadas não são também, imunes, ao que se passa no resto do país…
Uma palavra mais para terminar sobre o evento da posição do Coronel Vieira até agora Director da PJM.
O caso de Tancos – cujos verdadeiros contornos ainda se desconhecem – irá ficar para a História como o exemplo do que não se deve fazer e actuar.
Em primeiro lugar porque representa uma falha de segurança grave; um acto de desleixo, incompetência ou incapacidade militar; absoluta incompetência político/militar para lidar com o caso publicamente; inenarrável confusão de competências e autoridade na investigação desencadeada e em curso; falta de liderança e todos os níveis.
Enfim, um “case study” pelos piores motivos e que, à boa maneira portuguesa, dificilmente reverterá em ensinamentos, apuramento de responsabilidades ou mudança de procedimentos e estruturas. Com o perigo muito grande de caso se venha a mudar algo, seja para pior.
O fulcro de todo este caso, que devia ser o apuramento do crime e suas envolvências, passou a ser uma guerra entre corporações, em que ninguém até agora pôs ordem.
Ou seja a PJ e a PJM em vez de investigarem o acima descrito, passaram a espiar-se mutuamente, vítimas de desacertos legislativos, quezílias de poder e desentendimentos pessoais. E também ninguém os pôs na ordem.
Já nem as aparências se salvam.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto (não é fado), é … um filme de terror!








                                                      João José Brandão Ferreira
                                                         Oficial Piloto Aviador

1 comentário:

Anónimo disse...

Sr. Tenente Coronel Brandão Ferreira

Permita-me que acrescente ao título deste seu excelente texto o seguinte:
"Filme de terror em sessões contínuas, com episódios cómicos, para amenizar".
Justifico:
Consta (blogue "porta da loja") que, no caso de Tancos, o Ministro também já tinha sido informado da encenação e, aparentemente nada fez!
Lá se pergunta também: Se o Ministro já sabia, o Sr. Primeiro Ministro e o Sr Presidente da República desconheciam?
A ser verdade, só posso rir.
Para não chorar.
Meus cumprimentos
Manuel A.