quinta-feira, 13 de agosto de 2015

ATÉ ONDE CHEGA A CENSURA POLÍTICO-MILITAR

Recentemente um tenente general da Força Aérea (FA), na situação de reforma, escreveu um artigo sobre um evento de guerra ocorrido em 1969, no então teatro de operações da Guiné-Portuguesa.
 
O artigo foi enviado para a “Mais Alto”, revista oficial da FA onde, aliás, o oficial em causa já escrevera várias vezes.
Algum tempo depois o Director da revista, oficial de igual patente, mas muito mais moderno, informou o putativo autor de que o artigo não seria publicado.
 
A razão prendeu-se, aparentemente, com o facto de, no artigo, se tecerem considerações críticas sobre um país – a Suécia – supostamente amigo e aliado de Portugal.
Esta situação é recorrente, mas atingiram-se patamares de paroxismos delirantes.
 
Todavia o autor em questão pode considerar-se um privilegiado, pois tiveram a rara decência de o informar da decisão – o que subentende, não qualquer deferência, mas o embaraço da situação – o que representa um procedimento fora do comum, não só na “Mais Alto”, como na generalidade das revistas militares e órgãos de comunicação social…
E eu sei do que falo.
 
Porque é que as coisas se passam assim?
Certo dia, ainda a minha pessoa usava os galões de capitão, fui chamado ao Chefe de Estado - Maior da FA, de então - sem desfazer, uma excelente pessoa, oficial e combatente – que entendeu dizer-me o que considerava os limites da liberdade de expressão dos militares e dos parâmetros que balizavam a “Mais Alto”.
 
Eram quatro, a saber:
·         A revista não dizia mal de si mesma, isto é da FA;
·         A revista não dizia mal dos outros Ramos;
·         A revista não dizia mal dos Orgãos de Soberania;
·         A revista não entrava em questões político/partidárias.
 
Pareceram-me sensatas e equilibradas, na altura – e hoje ainda parecem – estas quatro regras, embora a distinção entre “dizer mal” e “criticar” não aparecesse distinguida e não seja fácil distingui-la.
 
Tal decorre, como já disse, do bom senso; da responsabilidade oficial do Ramo, que é um órgão do Estado e dos limites à liberdade de expressão dos militares, sobretudo os do activo, regulamentados pelo “célebre” artigo 31 da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
 
Durante alguns anos decorreram colóquios com periocidade anual ou bianual, inicialmente promovidos pelo saudoso Brigadeiro Mendes Quintela, cujo objectivo era debater e explicitar toda esta problemática e promover a dignificação e importância da Imprensa Militar.
 
Se a memória não me atraiçoa, o último colóquio foi organizado pela “velhinha” e decana Revista Militar, há uns 20 anos atrás…
 
De todo este esforço e das propostas saídas de todos estes encontros, nada resultou, pois nunca colheu grandes (nem pequenas…) simpatias ou acolhimento por parte das sucessivas chefias militares, muito menos do poder político, leia-se Ministros da Defesa Nacional.
 
Estes, aliás, tudo têm feito para aperrear tudo aquilo que é escrito e dito sobre as FA e a Defesa e Segurança Nacionais, permitindo-se o despautério de acabar com a revista “Baluarte”, do CEMGFA e respectivo Gabinete de Relações Públicas, reduzindo aqueles dos Ramos, na prática, a pouco mais do que uma caixa de correio.
 
Mas enfim, cada um tem o que merece.
 
Nos anos 80, creio, um número da Revista Mais Alto foi mandado recolher, pelo VCEMFA, depois de já estar em distribuição, porque comportava dois artigos – um desta praça velha e outro do General Kaúlza de Arriaga – que falavam da “Descolonização” e até já me aconteceu ver um artigo, feito por altura e a propósito, do centenário da morte do grande Mouzinho de Albuquerque, ser recusado pelo “Jornal do Exército”, alegando-se que o mesmo jornal era distribuído em Moçambique e “eles” podiam não gostar…
 
Exemplos do que foi acontecendo ao longo da vida e se os fosse contar todos ia faltar o papel!
 
Isto para já não falar na censura às pessoas, que não às ideias.
 
Mas parece que só no regime anterior é que se fazia censura…
 
Porém o escrito de hoje é sobre o artigo agora (mal) recusado, intitulado “Um ataque de olhos azuis”.
 
Vejamos.
 
O artigo do nosso general, escrito em português escorreito, conta um “ronco” obtido por meios da FA, na então Província da Guiné, em 1969, contra o PAIGC e os …. Suecos.[1]

Ora se, já de si, uma vitória das forças portuguesas contra a cáfila de insurrectos acoitados nos países limítrofes, inimigos de Portugal, causa engulhos aos “enganados da vida” e ao maldito do politicamente correcto, quanto mais agora criticar quem apoiava tão excelsos “libertadores de povos oprimidos”!
 
Pois foi exactamente isso que o general/ autor – honra lhe seja feita – descreveu no papel: uma operação exemplar contra um grupo fortemente armado do PAIGC, que há luz do dia (o que nunca faziam) bombardeava um pequeno quartel do nosso Exército, no extremo sul da Província, de uma outra posição abandonada no ano anterior.
 
Os quatro pilotos de Fiat colocaram as bombas todas no alvo (abençoados!) e escaqueiraram as forças inimigas.
 
Foi-se ver e havia corpos de pretos e brancos por todo o lado. Investigado o mistério apurou-se tratar-se de uma operação em que o PAIGC simulava ter tomado a antigo aquartelamento português e logo de seguida flagelava o mais próximo, tudo a ser filmado pela televisão da Suécia, país que durante toda a última campanha ultramarina, apoiou material e moralmente os inimigos de Portugal em África.
 
Tudo isto sendo nosso parceiro na EFTA e noutras instâncias internacionais.[2]
 
Aliás, os “bárbaros do norte” percebiam e percebem tanto de África como de lagares de azeite…
 
O que, sem embargo, os não impediu de fazer tráfico de escravos nos séculos XVIII e XIX, como o autor general explicitou…
 
E gostam tanto de pretinhos e outros coloridos, e têm tanto jeito para lidar com eles, que desde que abriram uma delegação para a cooperação na Guiné, anos após a independência, nunca conseguiram pôr nada a funcionar e praticamente não se davam com ninguém nem saíam das instalações…
 
Tive ocasião de assistir enquanto por lá estive nos anos 90.
 
Ora uma metade do artigo sobre os tais de olhos azuis, que o general Fernandes Nico descreve e faz considerações é, justamente sobre a atitude dos governos suecos durante o tempo que durou o conflito, para com Portugal, por sinal muito bem fundamentados.
 
E foram estes considerandos que incomodaram a chefia da FA – não sabemos se o próprio ministro – ao ponto de vetarem a publicação do artigo na Mais Alto.
 
Ora tal aparenta ser incompreensível e inaceitável.
 
Em primeiro lugar porque é tudo verdade – e muito ficou por dizer; depois porque se reportam a factos que têm mais de 45 anos; que já são História e nada existe de difamatório ou ofensivo.
 
Finalmente porque seja o PAIGC, o governo guineense (quando existe), o governo sueco ou qualquer outro actor político, se coíbe de dizer o que quer que seja sobre Portugal e os portugueses, sem terem o menor escrúpulo pelos nossos sentimentos, quiçá pela verdade histórica.
 
Estou farto, por tudo isto e muito mais, de ver comportamentos de compatriotas meus, com funções de responsabilidade, a colocarem-se na posição de “quatro patas”, perante personalidades, governos, ou entidades várias, que ainda têm que comer muito pãozinho antes de nos quererem dar lições de moral seja sobre o que for.
 
Ganhem coragem, se forem capazes, e alguma vergonha na cara.
 
Uma coisa, aliás, ajuda à outra. 


[1] PAIGC – Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde.
[2] EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre.

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