Recentemente um tenente general
da Força Aérea (FA), na situação de reforma, escreveu um artigo sobre um evento
de guerra ocorrido em 1969, no então teatro de operações da Guiné-Portuguesa.
O artigo foi enviado para a “Mais
Alto”, revista oficial da FA onde, aliás, o oficial em causa já escrevera
várias vezes.
Algum tempo depois o Director da
revista, oficial de igual patente, mas muito mais moderno, informou o putativo
autor de que o artigo não seria publicado.
A razão prendeu-se,
aparentemente, com o facto de, no artigo, se tecerem considerações críticas
sobre um país – a Suécia – supostamente amigo e aliado de Portugal.
Esta situação é recorrente, mas
atingiram-se patamares de paroxismos delirantes.
Todavia o autor em questão pode
considerar-se um privilegiado, pois tiveram a rara decência de o informar da
decisão – o que subentende, não qualquer deferência, mas o embaraço da situação
– o que representa um procedimento fora do comum, não só na “Mais Alto”, como
na generalidade das revistas militares e órgãos de comunicação social…
E eu sei do que falo.
Porque é que as coisas se passam
assim?
Certo dia, ainda a minha pessoa
usava os galões de capitão, fui chamado ao Chefe de Estado - Maior da FA, de
então - sem desfazer, uma excelente pessoa, oficial e combatente – que entendeu
dizer-me o que considerava os limites da liberdade de expressão dos militares e
dos parâmetros que balizavam a “Mais Alto”.
Eram quatro, a saber:
·
A revista não dizia mal de si mesma, isto é da
FA;
·
A revista não dizia mal dos outros Ramos;
·
A revista não dizia mal dos Orgãos de Soberania;
·
A revista não entrava em questões
político/partidárias.
Pareceram-me sensatas e equilibradas, na altura – e hoje
ainda parecem – estas quatro regras, embora a distinção entre “dizer mal” e
“criticar” não aparecesse distinguida e não seja fácil distingui-la.
Tal decorre, como já disse, do bom senso; da
responsabilidade oficial do Ramo, que é um órgão do Estado e dos limites à
liberdade de expressão dos militares, sobretudo os do activo, regulamentados
pelo “célebre” artigo 31 da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Durante alguns anos decorreram colóquios com periocidade
anual ou bianual, inicialmente promovidos pelo saudoso Brigadeiro Mendes Quintela,
cujo objectivo era debater e explicitar toda esta problemática e promover a
dignificação e importância da Imprensa Militar.
Se a memória não me atraiçoa, o último colóquio foi
organizado pela “velhinha” e decana Revista Militar, há uns 20 anos atrás…
De todo este esforço e das propostas saídas de todos estes
encontros, nada resultou, pois nunca colheu grandes (nem pequenas…) simpatias
ou acolhimento por parte das sucessivas chefias militares, muito menos do poder
político, leia-se Ministros da Defesa Nacional.
Estes, aliás, tudo têm feito para aperrear tudo aquilo que
é escrito e dito sobre as FA e a Defesa e Segurança Nacionais, permitindo-se o
despautério de acabar com a revista “Baluarte”, do CEMGFA e respectivo Gabinete
de Relações Públicas, reduzindo aqueles dos Ramos, na prática, a pouco mais do
que uma caixa de correio.
Mas enfim, cada um tem o que merece.
Nos anos 80, creio, um número da Revista Mais Alto foi
mandado recolher, pelo VCEMFA, depois de já estar em distribuição, porque
comportava dois artigos – um desta praça velha e outro do General Kaúlza de
Arriaga – que falavam da “Descolonização” e até já me aconteceu ver um artigo,
feito por altura e a propósito, do centenário da morte do grande Mouzinho de
Albuquerque, ser recusado pelo “Jornal do Exército”, alegando-se que o mesmo
jornal era distribuído em Moçambique e “eles” podiam não gostar…
Exemplos do que foi acontecendo ao longo da vida e se os
fosse contar todos ia faltar o papel!
Isto para já não falar na censura às pessoas, que não às
ideias.
Mas parece que só no regime anterior é que se fazia
censura…
Porém o escrito de hoje é sobre o artigo agora (mal)
recusado, intitulado “Um ataque de olhos azuis”.
Vejamos.
O artigo do nosso general, escrito em português escorreito,
conta um “ronco” obtido por meios da FA, na então Província da Guiné, em 1969,
contra o PAIGC e os …. Suecos.[1]
Ora se, já de si, uma vitória das forças portuguesas contra
a cáfila de insurrectos acoitados nos países limítrofes, inimigos de Portugal,
causa engulhos aos “enganados da vida” e ao maldito do politicamente correcto,
quanto mais agora criticar quem apoiava tão excelsos “libertadores de povos
oprimidos”!
Pois foi exactamente isso que o general/ autor – honra lhe
seja feita – descreveu no papel: uma operação exemplar contra um grupo
fortemente armado do PAIGC, que há luz do dia (o que nunca faziam) bombardeava
um pequeno quartel do nosso Exército, no extremo sul da Província, de uma outra
posição abandonada no ano anterior.
Os quatro pilotos de Fiat colocaram as bombas todas no alvo
(abençoados!) e escaqueiraram as forças inimigas.
Foi-se ver e havia corpos de pretos e brancos por todo o
lado. Investigado o mistério apurou-se tratar-se de uma operação em que o PAIGC
simulava ter tomado a antigo aquartelamento português e logo de seguida
flagelava o mais próximo, tudo a ser filmado pela televisão da Suécia, país que
durante toda a última campanha ultramarina, apoiou material e moralmente os
inimigos de Portugal em África.
Tudo isto sendo nosso parceiro na EFTA e noutras instâncias
internacionais.[2]
Aliás, os “bárbaros do norte” percebiam e percebem tanto de
África como de lagares de azeite…
O que, sem embargo, os não impediu de fazer tráfico de
escravos nos séculos XVIII e XIX, como o autor general explicitou…
E gostam tanto de pretinhos e outros coloridos, e têm tanto
jeito para lidar com eles, que desde que abriram uma delegação para a cooperação
na Guiné, anos após a independência, nunca conseguiram pôr nada a funcionar e
praticamente não se davam com ninguém nem saíam das instalações…
Tive ocasião de assistir enquanto por lá estive nos anos
90.
Ora uma metade do artigo sobre os tais de olhos azuis, que
o general Fernandes Nico descreve e faz considerações é, justamente sobre a
atitude dos governos suecos durante o tempo que durou o conflito, para com
Portugal, por sinal muito bem fundamentados.
E foram estes considerandos que incomodaram a chefia da FA
– não sabemos se o próprio ministro – ao ponto de vetarem a publicação do
artigo na Mais Alto.
Ora tal aparenta ser incompreensível e inaceitável.
Em primeiro lugar porque é tudo verdade – e muito ficou por
dizer; depois porque se reportam a factos que têm mais de 45 anos; que já são
História e nada existe de difamatório ou ofensivo.
Finalmente porque seja o PAIGC, o governo guineense (quando
existe), o governo sueco ou qualquer outro actor político, se coíbe de dizer o
que quer que seja sobre Portugal e os portugueses, sem terem o menor escrúpulo
pelos nossos sentimentos, quiçá pela verdade histórica.
Estou farto, por tudo isto e muito mais, de ver
comportamentos de compatriotas meus, com funções de responsabilidade, a
colocarem-se na posição de “quatro patas”, perante personalidades, governos, ou
entidades várias, que ainda têm que comer muito pãozinho antes de nos quererem
dar lições de moral seja sobre o que for.
Ganhem coragem, se forem capazes, e alguma vergonha na
cara.
Uma coisa, aliás, ajuda à outra.
[1] PAIGC – Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde.
[2]
EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre.
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