SUBSTITUIÇÃO DA
G-3: UM PROBLEMA COM 40 ANOS!
27/1/19
“A falta de personalidade das elites
Portuguesas constitui um perigo
nacional
permanente”.
Artur Ribeiro Lopes
In,
“Política”, 141)
A
espingarda automática G-3, de origem alemã, foi uma excelente opção para a
situação de guerra subversiva com que nos passámos a defrontar a partir de 1961
em Angola, depois na Guiné, em 1963 e, finalmente, Moçambique em 1964.
A
ideia de a passar a fabricar em Portugal sob licença foi uma óptima ideia.
Aguentou toda a guerra (14 anos), se bem que, para o fim da mesma, já tivesse
dificuldade em bater-se com a “Kalashnikov”, que a guerrilha passou a usar…
Quando
as coisas começaram a serenar em Portugal após o 25 de Novembro de 1975 e se deu
início à reconversão das Forças Armadas, para as missões “NATO”, que se começou
a falar na necessidade de substituir a G-3 por outra mais moderna.
Eu
não me importava de ganhar em escudos (não gosto do euro), as vezes que já se
falou, desde então para cá, nessa necessidade. E coisa rara e quase nunca vista,
tal necessidade nunca foi objecto de contestação…
Já
se perdeu a conta às vezes que se debateu o assunto, se lançaram concursos, se
fez testes, se escreveram requisitos operacionais, estudos de estado-maior,
inserção de verbas na LPM, etc..
Até
agora nada.
A
G-3 está uma autêntica “balzaquiana” com 58 anos! (creio que as primeiras
vieram em 1961).
Entretanto
há muito que se deixou de fabricar em Portugal (ainda chegámos a exportar),
pois cabeças muito bem pensantes resolveram arrasar com toda a indústria de
defesa nacional ao ponto de, hoje em dia, não fabricarmos uma única munição!
A
G-3 provou bem, porque era fiável, robusta, simples de manter, não tinha
problemas de segurança, tinha uma balística equilibrada, versátil e boa
cadência de tiro.
Tinha
na HK-21 a sua versão de metralhadora ligeira.
Ora,
uma espingarda automática é, digamos assim, o esteio do armamento de um
Exército. A arma que dá a cada soldado a sua capacidade individual e colectiva,
no âmbito defensivo e ofensivo.
Nestas
coisas convém ter em conta o provérbio português que reza assim: “o barato sai
caro”. Por isso se deve apostar numa boa escolha, mesmo que seja mais cara. Vai
prevenir muitos problemas no futuro; ser mais económico a longo prazo e, “last
but not the least”, poupar muito sangue em combate e até na instrução.
É
preferível, não havendo dinheiro, comprar menos e deixar opções para o futuro,
do que comprar mais e pior. Já se cometeu muitas vezes este erro no nosso país
(a GNR tem ao que se conta, em “armazém”, uns milhares de pistolas -
metralhadoras compradas há muitos anos, a um país da América do Sul e nunca
utilizadas, por ex.).
Por
norma quando se compra uma arma destas, deve tentar-se alargar o seu âmbito à
Força Aérea e Marinha, e também às Forças de Segurança por razões óbvias de
economia, cadeia logística, manutenção, gestão de “stocks”, interoperacional
idade, uniformização e flexibilidade de emprego.
Não
esquecendo de garantir mais do que uma fonte de fornecimento, de modo a não
estarmos apenas dependentes de uma só.
Sempre
que possível devem ser estabelecidas “reservas de guerra”.
Na
compra de um novo sistema de armas existem actualmente dois problemas. Um,
antigo como a mais antiga profissão do mundo, é o costume das comissões.
Lidar
com isto é um quebra-cabeças que só uma legislação e fiscalização apurada
conseguem gerir a níveis adequados.
O
outro que se tornou uma espécie de moda é o de no fim de um concurso público,
uma ou mais das partes vencidas, interpôr nos tribunais, uma providência
cautelar. Sair disto passou a ser outro quebra-cabeças.
Daí
se tentar fazer compras por ajuste directo, o que levanta vários outros
problemas, um dos quais é o tecto orçamental permitido em tal caso (220.000
euros).
Quando
os negócios são apetecíveis e existem um ou mais países interessados no mesmo,
a política e a diplomacia entram em acção de um modo sub-reptício, tentando influenciar
e ou negociar por todos os meios possíveis, a escolha do produto que lhes
interessa.
Obviamente
que nenhuma destas acções é, por norma, transparente, vindo a saber-se das
verdadeiras razões de uma decisão, apenas por “fuga de informação”.
O Chefe de Estado Belga (Rei Philippe e Rainha
Matilde) visitou o nosso país entre 22 e 24 de Outubro de 2018, mas nada do que
transpareceu da visita pode levar à conclusão, que este assunto tenha sido
abordado.
*****
Serve
este arrazoado como introdução ao actual concurso público internacional em curso,
só há pouco tempo publicitado, que – vamos a ver se é desta – parece estar na
fase final para se decidir a compra de uma espingarda automática que vá
finalmente substituir a G-3.
Mas
antes de prosseguirmos convém ainda recuar a um passado próximo para avaliar
melhor o que está em jogo.
Nos
últimos 40 anos, os paraquedistas, graças à autonomia que a chefia da Força
Aérea lhes garantia (antes de passarem para o Exército – uma decisão assaz
escusada), tinham comprado um lote de espingardas israelitas “Galil”, de
calibre 5,56mm, a primeira arma deste calibre a equipar forças portuguesas. Tal
ocorreu em 1979, estando já com um grau de obsoletismo elevado.
Nos
anos mais recentes as compras de armamento ligeiro, sempre efectuadas em
pequenos lotes e normalmente por ajuste directo (para fugir às demoras e
impugnações normais nos concursos públicos), foram as seguintes (não é
exaustivo nem inclui pistolas e pistolas metralhadoras):
EXÉRCITO:
Operações
Especiais (CTOE)
Espingarda
automática HK 416A5 (calibre 5,56);
Espingarda
automática HK 417A2 (calibre 7,62);
Espingarda
de precisão HK G28 (calibre 7,62)
Lança
granadas HK 269 (calibre 40 mm);
Espingarda
automática HK G36 (calibre 5,56);
Metralhadora
ligeira HK MG4 (calibre 5,56).
Comandos:
Espingarda
automática HK G36;
Metralhadora
ligeira HK MG4;
(A
maior parte do pessoal ainda equipado com a G-3 e a SIG SG 543).
Restante pessoal do Exército
equipado com G-3.
MARINHA:
Destacamento
de Acções Especiais (do Corpo de Fuzileiros):
Espingarda
automática HKG36;
Lança
granadas HK AG36 (calibre 40 mm)
Polícia
Marítima (Grupo de Acções Tácticas):
Espingarda
automática HK 416A5.
Restante
pessoal da Armada usa a G-3
FORÇA
AÉREA:
Grupo
de Controlo Aéreo Táctico (TACP):
Espingarda
automática HK 416A5
Unidade
de Protecção de Força (UPF):
Espingarda
automática HK G36;
Espingarda
de precisão HK G28;
Lança
granadas HK AG36 (calibre 40mm);
Metralhadora
ligeira HK MG4;
Metralhadora
média HK MG5 (calibre 7,62).
Restante
pessoal da Força Aérea utiliza a G-3.
GNR
(Unidade de Operações Especiais):
Espingarda
automática HK 416A5;
Espingarda
automática HK 417A2;
Lança
granadas HK 269 (calibre 40mm);
Espingarda automática HK G36;
Restante
pessoal da GNR usa a G-3.
PSP
/ GOE:
Espingarda
automática HK G36 (e outras);
Lança
granadas HK AG36 (calibre 40mm).
Restante pessoal da PSP usa a G-3.
Os
dois últimos concursos públicos que se conhecem, em que se tentou comprar uma
espingarda automática, ocorreram em 2004 (creio) e depois em 2006 O primeiro,
teve o apoio de um departamento técnico do Instituto Superior Técnico, no
âmbito da análise multicritério, que acabou impugnado por uma das partes que
concorreu; e o segundo foi expurgado do que poderia vir a constituir base de
impugnação, tendo-se realizado testes exaustivos, em Mafra.
Quando
estava tudo pronto, por razões que o abaixo - assinado desconhece, não houve
decisão sobre o assunto e o concurso aparentemente, morreu de morte natural.
É
necessário dizer que tais concursos são muito complexos, trabalhosos e caros,
necessitando de um grande investimento das partes concorrentes. Por vezes os
resultados (sempre demorados) podem dar origem a indemnizações.
Por
outro lado parece haver uma facilidade muito grande dos juízes dos tribunais
aceitarem toda a providência cautelar que lhe é submetida, pondo-se ainda a
questão de se saber qual o grau de conhecimento que um tribunal dispõe para
avaliar sumariamente, um assunto de tamanha complexidade e especificidade.
Mesmo avaliando apenas a matéria jurídica.
*****
A
novidade do actual concurso para aquisição da nova arma foi o facto de ter sido
atribuído à “NATO Support and Procurement Agency” (NSPA), (antiga NAMSA),
servindo assim de uma espécie de intermediário do Estado Português.
A
definição dos requisitos operacionais foi atribuída ao Estado-Maior do Exército
(a arma destina-se a este Ramo e não aos outros, o que consideramos um erro,
como acima já ventilado), sem a ingerência da antiga Direcção - Geral de
Armamento e Equipamento do MDN, agora Direcção – Geral de Recursos.
Para
acompanhar o assunto foi constituído um grupo de trabalho, cujos membros estão
referidos no despacho supra dois dos quais são da Direcção – Geral de Recursos)
Não
se sabe exactamente porque se optou por esta modalidade de aquisição, mas
estamos em crer, que assim se tanta evitar o problema das “comissões” e passando
a pressão de eventuais “lobbies” para a NSPA.
Além
disso desaparece o problema das “contrapartidas”, se é que as há, que eram uma
dor de cabeça para negociar e depois ninguém cumpria…
Porém,
o Estado Português demitiu-se de, certo modo, em escolher o que melhor lhe
servirá; não se sabe bem que testes e avaliações serão feitos, bem como o
número de concorrentes, tornando-se mais difícil ter acesso a toda a informação
existente daí a importância do tal GT mencionado).
Aparentemente
o processo está avançado e existem duas armas em “competição” final: a FN,
belga (modelo SCAR) e a HK 416A5 e A2, alemãs. [1]
Sem
entrarmos em especificações técnicas, convém dizer que, por decisão
ministerial, a arma a comprar deve estar já em uso em dois países da NATO.
Torna-se ainda necessário definir o
que se entende como arma de serviço padrão e arma de serviço limitado.
Basicamente
a definição de “padrão” destina-se a uma arma que irá equipar um ou mais Ramos das
Forças Armadas; enquanto as “serviço limitado”, são de emprego restrito ou
especializado.
Existe
alguma controvérsia sobre a necessidade ou pertinência de, actualmente, haver
esta distinção.
Ora
se for verdade que as duas armas supra indicadas são as finalistas, a
espingarda alemã leva grande vantagem (não se conhece se houve mais
concorrentes).
Em
primeiro lugar porque está em uso em muitos países da NATO: a França, a
Noruega, a Alemanha, a Holanda e, pasme-se, os EUA. Enquanto a FN apenas equipa
as forças belgas e, em parte as da Lituânia.
As
HK 416 A5/A2, já foram amplamente testadas em combate e têm dado muito boa
conta de si, não havendo aspectos negativos reportados.
Acresce
que já está em uso em várias unidades e subunidades dos três Ramos e na GNR.
Aparentemente
a FN tem a seu favor o preço e o facto da fábrica da espingarda alemã, dado o
volume de encomendas que tem, ter mais dificuldade em entregar a totalidade das
armas nos prazos requeridos (até 2022).
As
quantidades de material a adquirir pelo Estado Português estão especificadas no
Despacho Ministerial já referido, num total de 42 milhões e 828 mil euros
(divididos em seis anos – 2017-2022), e estão assim discriminadas:
-
Onze mil espingardas automáticas (5,56mm);
-
Trezentas espingardas automáticas (7,62mm);
-
Oitocentas e trinta metralhadoras ligeiras (5,56mm);
-
Trezentas e vinte metralhadoras médias (7,62mm);
-
Quatrocentas e cinquenta espingardas de precisão (7,62mm);
-
Mil e setecentos lança - granadas;
-
Trezentas e oitenta caçadeiras;
-
Três mil e quatrocentos aparelhos de pontaria.
As
verbas a utilizar são as consignadas na Lei de Programação Militar (até hoje
nunca nenhuma destas leis foi cumprida e cada vez que são revistas, sofrem
cortes…).
*****
À
laia de conclusão não faz muito sentido, que as forças nacionais, não tenham
todas a mesma arma, e por maioria de razão, as Forças Especiais.
Veja-se
o que aconteceu recentemente na República Centro - Africana em que o pessoal
dos Comandos foi para lá armado de G-3 e quando foram substituídos pelos para-quedistas,
para não se ter que se transportar as G-3 para cá e levar as “Galil” (que os
páras usam) para lá, teve que se reconverter a companhia de paraquedistas à G-3…
E
assim estamos em vias (embora seja mais prudente actuar como o S. Tomé) de
resolver, apesar de parcialmente, o magno problema da substituição da “velhinha”
G-3, por uma arma adequada aos tempos e necessidades actuais.
Já
que se esperou tanto tempo, ao menos que se escolha bem.
Agora
já não há a desculpa de estarmos “orgulhosamente sós”, sermos uns “perigosos
colonialistas” e ninguém nos querer vender seja o que for…
Isto
de comprar armamento exige competências alargadas e foi sempre um caso “bicudo”…
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Não deixa de ser curioso
que no seguimento da eclosão da barbárie genocida em Angola, em 1961, se tenha
tentado comprar espingardas FN belgas, mas o governo belga torceu o nariz ao
negócio (por razões politicas) e foram os alemães que se dispuseram a vender a
G-3.