HOMENAGEM AOS
COMBATENTES – XXIII ENCONTRO NACIONAL
“Estes homens, nos
tempos de lutas e de crises,
tomam as velhas
armas da Pátria, e vão, dormindo mal,
com marchas
terríveis, à neve, à chuva, ao frio,
nos calores
pesados, combater e morrer longe
dos filhos e das
mães, sem ventura, esquecidos,
para que nós
conservemos o nosso descanso
opulento.
Estes homens são o
povo, e são os que nos defendem”.
Acabo de ler um
trecho de “O Povo”, de Eça de Queiroz.
Bom dia a todos.
Os meus
agradecimentos por me dispensarem uns minutos da vossa atenção.
A Constituição da
República Portuguesa (CR), apesar de ser a mais extensa que tivemos, desde
1822, não encontrou espaço nos seus 296 artigos e sete revisões, para referir
uma única vez a palavra “Nação”- a Nação dos Portugueses.
Já relativamente à
palavra “Pátria”, a Constituição é mais pródiga: invoca-a, nada mais, nada
menos, do que uma vez, mais concretamente no seu artigo 276, e cito “A defesa
da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses”!
É sabido que a
defesa da Pátria não se faz apenas de armas na mão; essa defesa pode e deve,
estender-se a todas as áreas da actividade humana.
Mas convém não
esquecer que a defesa armada é o último argumento, que se faz em extremo e pode
implicar o sacrifício de bens, sangue e vida.
E, ao ter-se
abandonado o Serviço Militar Obrigatório, parece que a defesa da Pátria – esse
dever e direito fundamental, segundo a Constituição, ficou direito de todos e
dever só de alguns…
A Lei de Defesa
Nacional e das Forças Armadas, por sua vez, continua omissa sobre a “Nação”, mas
já fala duas vezes em Pátria; no seu artigo 9º repete a fórmula da Constituição;
e no Art.º 22 afirma perentoriamente que, “será assegurada de forma permanente
a preparação do País, designadamente das Forças Armadas para a defesa da
Pátria” (atenção, eu só estou a dizer o que está lá escrito, não confundir com
o que se tem feito…).
Ora haver Nação sem
Pátria é curto; mas haver Pátria sem Nação, é impossível!…
Porém, não havendo
aparentemente, Nação, o Estado, que é justamente a Nação politicamente
organizada, representará, então, quem ou o quê?
Ora se o Estado não
representar a Nação, não pode sentir a Pátria como sua, tão pouco a entender.
Portugal é,
todavia, uma Nação coesa, seguramente desde o tempo do esclarecido Rei, o
Senhor D. Dinis; com as mais antigas fronteiras estáveis do mundo, mau grado o
esbulho pendente de Olivença; formou um Estado Nacional Português, desde o
tempo do preclaro Rei, Senhor D. João II e ganhou consciência que era uma Pátria,
senão antes, garantidamente, depois de Camões ter escrito os Lusíadas!
E Camões – que
também foi um combatente - não se esqueceu de, neles, referir a Nação – fê-lo,
até, por sete vezes – e não foi avaro em relação à Pátria já que a evoca em 35
ocasiões!
E a obra de Luís
Vaz – cuja morte neste dia também evocamos - foi-lhe tão superior e
transcendente, que ele próprio se enganou ao dizer, pressentindo o fim, que
“morria com a Pátria”, antevendo a ocupação castelhana.
O certo é que, a
Nação que já era Pátria, sobreviveu aos 60 anos da Coroa Dual Filipina e passou
a viver de vida própria, qual fénix renascida!
O que atrás se
disse representa, pois, a dissonância existente entre o Estado e a Nação, que é
a razão por que nós nos reunimos aqui, desde há cerca de 25 anos, a comemorar o
Dia de Portugal, honrando os combatentes, enquanto as figuras que ocupam transitoriamente
as cadeiras do Poder – Poder que está hoje, maioritariamente, fora do país –
estão sempre noutro lado. E quanto aos combatentes por norma, aos costumes
dizem nada.
Essa é também a
razão pela qual as Forças Armadas só voltaram a integrar as comemorações
oficiais do feriado nacional, há 10 anos, depois delas terem estado arredadas
cerca de três décadas.
E caros
compatriotas aqui presentes, não somos nós que estamos mal; “eles” é que se
afastaram do trilho certo. Do trilho do Dever, da Honra, do Patriotismo, do
amor a Portugal.
*****
Esta cerimónia,
singela mas muito digna, realizou-se sempre sem se pedir um ceitil que fosse,
ao Estado e junto a um monumento, em memória dos combatentes, em que nada se
pediu, também, ao Estado – aliás, em várias alturas, teve que ser construído
com a oposição desse mesmo Estado.
*****
Parece que a frase,
entre muitas, célebre, do grande português e militar, que foi o Tenente- Coronel
Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, de que “Portugal é obra de soldados”
passou a estar na moda.
Mas estando ou não,
na moda, essa frase foi sempre uma realidade, pois sem soldados – isto é, sem
combatentes – não haveria território, a tal “nesga de terra debruada de mar”,
no dizer de Torga; não haveria população; não haveria matriz cultural; não
haveria segurança, não haveria Justiça, não haveria Bem-Estar, não haveria
liberdade.
E quem permitiu e
fez isto? Pois foram os soldados, os combatentes, o tal povo, do Eça.
Onde se devem
individualizar as mães e as mulheres, pois foram elas que sempre aguentaram a
rectaguarda!
Por isso todos nós
devemos estar orgulhosos dos nossos combatentes; de quem disse “pronto”, quando
chegou a hora; quem lutou quando foi preciso lutar; quem não virou a cara aos
sacrifícios; quem não desertou do combate ou, pior ainda, quem traiu a terra
que lhe serviu de berço, a terra dos seus pais.
Porque,
desgraçadamente, desses sempre os houve e ainda há.
Também deles falam “os
Lusíadas” e não há estátuas, nomes de ruas, séries de televisão, condecorações,
prémios, branqueamento da História, etc., que possa apagar essa realidade da
memória colectiva da Nação.
Pelo menos enquanto
restar um português com algum saber, vergonha na cara, coluna direita e bem -
querer na alma!
*****
Caros compatriotas,
o combate não terminou com aqueles que hoje homenageamos e desenganem-se
aqueles que julgam que não teremos de guerrear, novamente, ou que o terrorismo
é apenas uma expressão de lunáticos contemporâneos, já que a sua origem remonta
ao século XI, ao “velho da montanha” e à seita dos hashashin e, modernamente,
em termos de terrorismo de Estado, à Revolução Francesa de 1789.
Temos que nos
preparar para os combates do futuro.
Os nossos
antepassados não andaram a trabalhar, a lutar, a edificar e a expandir o nosso
país, desde 1128, para agora estarmos a alienar ao desbarato, a nossa
soberania, a nossa nacionalidade, a nossa cultura (onde a língua tem um lugar
de destaque), as nossas gentes, o nosso património e a nossa terra.
Para ficarmos
escravos de dívidas perpétuas e enredados em leis alheias, iberismos serôdios
ou federalismos espúrios; sermos, eventualmente, submersos por vagas de
estranhos, cujas matrizes culturais não estejamos aptos a integrar, sem
perdermos a nossa; e a caminhar para, a breve trecho, não haver um Km2 de
território em mãos portuguesas.
E, outrossim, por
nos estarmos a suicidar colectivamente, por via de excesso de emigração,
imigração, leis de naturalização erradas, quebra demográfica gravíssima e
corrupção galopante.
Finalmente para
sermos reféns de organizações sem rosto oficial, de carácter internacionalista
e mais ao menos secretas ou discretas, que ninguém elegeu e que transformam, só
por si, a Democracia e a Justiça, numa ficção.
E em vez das cinco
Quinas passarmos a ter como símbolo o “Deus Mamon”.
Temos de olhar à nossa
volta, acordar e reagir!
É que, como disse o
tão mal citado Fernando Pessoa, “só existem Nações, não existe Humanidade”.
Caros compatriotas,
esta cerimónia destina-se à exaltação da memória dos combatentes, nossos
antepassados ou contemporâneos, mas destina-se também, aos que hoje vivem e a
quem compete receber e passar o testemunho.
Pois deles é o
futuro e, por isso, a quem compete refletir sobre o exemplo dos que caíram ou se
sacrificaram no campo, que tem de ser da Honra, enquanto as imperfeições da
natureza humana não permitem a erradicação da guerra e outras imoralidades, na
eterna luta entre o Bem e o Mal.
Devemos, deste
modo, curvar-nos, reverentes e obrigados, junto aos nomes daqueles que estão
gravados nos muros deste memorial, que combateram nas últimas das centenas de
campanhas ultramarinas que realizámos nos últimos seis séculos (não foram seis
décadas…), fazendo jus ao Padre António Vieira que um dia disse que “Deus deu
aos portugueses um berço estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer”.
Evoco em nome de
todos, aquele cujo nome figurou primeiro neste local: o do Subchefe da polícia
Aniceto do Rosário, morto em combate, que na iminência de um ataque dos indianos
disse ao Governador, “Parta V. Exª descansado que eu não deixarei ficar mal a
bandeira portuguesa”.
E não posso deixar
de dizer, com todas as fibras do meu ser, que eles lutaram bem, competente e
vitoriosamente, numa guerra justa, em termos humanos e que, infelizmente
terminou de forma trágica e não merecida.
Nesta luta fizemos
frente à maior campanha montada a nível global e mundial, contra a Nação dos
Portugueses, desde a Guerra da Restauração.
Nela chegámos a
manter 230.000 homens em pé de guerra, em quatro continentes e três oceanos, a
combater durante 14 anos, em três teatros de operações enormes, distantes entre
si e a então Metrópole – que era a base logística principal – por milhares de
quilómetros, sem fazer uso de alianças militares e sem generais ou almirantes
importados, o que já não sucedia desde Alcácer-Quibir.
Usufruindo de uma
logística notável – basta comparar com o que se passou com a nossa participação
na I Guerra Mundial – que já não conseguíamos montar tão bem, desde que
enviámos a terceira Armada, à Índia, comandada pelo João da Nova, em 1501!
Abro um parêntesis
para destacar a Marinha Mercante, neste esforço logístico, sem a qual não
poderíamos ter reagido rapidamente nem sustentado tão longo período de
operações.
Hoje, dos 70.000 navios
mercantes existentes no mundo, apenas uma dezena são de armadores portugueses e
ostentam o pavilhão nacional. Nem meio batalhão conseguem transportar…
Nesta campanha só
não conseguimos resistir à miserável invasão de Goa, Damão e Diu, pela União
Indiana, em 1961, pela enorme desproporção de forças em presença e pela usual
hipocrisia das relações internacionais. Mesmo assim ainda conseguimos pô-la em
sentido durante mais de 10 anos – não foi coisa de somenos.
Nova Deli usou o “direito
da força” mas nunca teve a força do Direito, nem da Razão!
Toda esta acção, a
todos os títulos magnífica, não encontra paralelo em nenhuma campanha
contemporânea, mas foi apenas corolário daquilo que o escritor americano, James
Michener, disse de nós e cito: “Nesses anos quando um soldado português
desembarcava de um dos barcos da sua nação para servir num forte de Moçambique,
ou em Malaca, ou nos estreitos de Java, já previa, durante o seu tempo de
serviço, três cercos, durante os quais comeria erva e beberia urina. Estes
defensores portugueses contribuíram para uma das mais corajosas resistências da
História do Mundo”.
A estes se devem
juntar todos aqueles e seus descendentes, que desde a tarde de S. Mamede,
acompanharam o nosso pai, Afonso Henriques, e têm mantido o seu legado até aos
dias de hoje.
Lembrar o seu
exemplo e preservar a sua memória, é tarefa ingente de todos os bons
portugueses, pois tal deixou de ser feito na escola, na generalidade dos “média”
e quase desapareceu do discurso político a não ser em frases de circunstância,
ditas sem convicção.
Em 1582, esse
grande patriota que foi Ciprião Figueiredo de Vasconcellos, Governador das
Ilhas dos Açores, escreveu ao monarca Habsburgo, que reinava em Madrid e
atirou-lhe, “Antes morrer livres que em paz sujeitos” e logo acrescentou, “nem
eu darei aos moradores destas ilhas outro conselho, porque um morrer bem é
viver perpetuamente”.
Afirmamos hoje, o
mesmo, com Esperança e acrisolada Fé, em que consigamos manter a estamina
necessária para preservar a nossa terra, Portugal, livre e independente.
Lembro que um
combatente só dá baixa para a cova!
Caros compatriotas,
vou terminar com a melhor homenagem que podemos fazer a quem combateu e,
porventura, morreu na defesa da terra dos nossos antepassados, e por tudo o que
tal representa, incluindo o de que o seu sacrifício não possa ser considerado
em vão.
Vamos todos em
conjunto e em uníssono, darmos um grande e empolgante viva a Portugal.
Viva Portugal.
Viva Portugal!
João José Brandão
Ferreira
Oficial
Piloto Aviador