“As regras rigorosas da disciplina militar são necessárias
para proteger o Exército contra as derrotas, contra a carnagem e, acima de tudo,
contra a desonra”.
Napoleão
O treinador Jorge Jesus dizia,
numa das últimas (muitas) conferências de imprensa a que nos habituou e nos
diverte – não tanto por culpa dele, mas de quem lhe põe um microfone à frente –
que toda a gente fala de futebol, mesmo sem ter qualquer crédito para tal.
Tem razão o homem, sendo tal
razão escorada ainda no facto de nunca o termos ouvido falar a não ser nesse
âmbito.
Marcaria mais pontos, todavia, se
tivesse afirmado que o importante para o desporto conhecido por futebol
(“football”, no original) era ter, e ver as pessoas a praticá-lo, em vez de se
especializarem em treinadores de bancada; e já há muito, também, proliferam os
comentadores, “noblesse oblige”!
Nós vamos seguir o seu conselho e
não vamos discutir o que se passou dentro das quatro linhas.
Por isso vamos deixar os
critérios sobre a escolha dos selecionados - a forma física dos mesmos e suas
causas; o ambiente do balneário; as tácticas; a questão de se ter ou não, 10
jogadores a jogar em função de um, ou se temos uma equipa de 11 em que pode
haver alguns que se destacam pela qualidade; as amizades ou inimizades que se
vão desenvolvendo ao longo dos anos; se ter ido fazer jogos de preparação, aos
EUA, era escusado; se o local de concentração no Brasil, foi o melhor; se foi
adequada a mentalização da equipa, (isto é, o seu moral); se foi pensada a
renovação da equipa atempadamente, etc. - dizíamos, a quem de direito.
Ou seja à Federação Portuguesa de
Futebol e a quem mais possa ter responsabilidades neste âmbito.
O que se passou nem sequer foi
mau de mais. Foi apenas a verdade que veio ao de cima.
Aguardamos, pois, em jubilosa
esperança, que as “análises” e as “conclusões”, seguidas das “acções
correctivas”, que sempre se prometem nestas alturas, não sigam o mesmo trilho
do anterior, ou seja que não se ponha o dedo nas feridas e se ataquem as causas
dos males que nos afligem, de que tem resultado nada se emendar.
O que tem obstado, até hoje, a
que a equipa que representa a Bandeira das Quinas tenha ganho um título europeu
ou mundial.
E das vezes que nos apuramos, tal
aconteça sempre à última da hora, com mil peripécias pelo caminho e à custa dos
“playoffs”!
Ou seja, afinal não se aprende
nada…
E contra factos não há
argumentos, apenas demagogia.
Ora a não ser que estejamos
errados, as verdadeiras causas de ficarmos quase sempre curtos em desempenho,
encontram-se à “anteriore” do que se passa nos relvados e para lá do que é
estritamente futebol.
Sejamos claros, o futebol que não
devia ser mais do que um desporto, passou a ser, sobretudo, um negócio e um
palco para promover egos que despontam.
Sendo assim o mundo da bola está
exposto e sujeito aos males da natureza humana e logo a um dos seus piores
atributos: a cobiça. A cobiça é geratriz de corrupção e maus costumes.
Gera-se uma consequência de peso:
como o futebol tem projecção mediática e cai no goto da maioria das pessoas,
logo tem importância política…
Daí aquilo que se convencionou
chamar de promiscuidade entre política e futebol.
O negócio – que passou a ter
expressão quase global (até já chegou aos EUA que eram uns analfabetos
futebolísticos e ignoravam semelhante jogo tido por “europeu”…) – passa pela
compra e venda de jogadores, que é uma actividade de clubes e intermediários
(uma espécie de mercado de escravos moderno); direitos de transmissão
televisivos e por uma orquestradíssima campanha mediática de propaganda de
marcas.
Ganhou, entretanto, direitos de “VIP” com galas para os melhores disto e daquilo.
Ganhou, entretanto, direitos de “VIP” com galas para os melhores disto e daquilo.
Ora, em Portugal, tudo corre mal
desde o princípio.
E o princípio é não se ter
desporto escolar e verdadeiras escolas nos clubes.
Ter desporto escolar – desde a
escola primária até à universidade – é uma responsabilidade não só dos privados
mas, sobretudo, do Estado. E não falamos só de futebol, mas de todos os
desportos. Isto deve ser a base de tudo.
Acontece que a juventude anda,
simplesmente, por aí.
Depois temos as escolas dos
clubes, que são responsabilidade destes e da respectiva federação. Mas como o
negócio e a pressão da massa associativa (fora as campanhas eleitorais dentro
dos principais clubes), agora com secções algo turbamultas, conhecidas como
“claques” – que obrigam às “caixas policiais” e outras medidas de segurança
impensáveis em terra de gente civilizada – opta-se por soluções que possam dar
resultados imediatos.
Assim contrata-se “especialistas”
conhecidos por “olheiros” que andam por esse mundo fora a tentar descobrir
génios que possam ser transacionáveis.
As escolas, que levam tempo a
produzir efeitos, passam a ser uma espécie de laboratórios de investimento para
jogadores, cuja maioria nem chega a sê-lo, repletas não de portugueses, mas sim
de pretinhos que se vão pescar por essa África, sobretudo naquela em que ainda
se fala português. Quem não prova ou não tem sorte, porém, fica por aí
abandonado pelos cantos…
E, então, não é mais fácil ir à
América do Sul e Central adquirir um produto já acabado, tentar melhorá-lo e
depois revendê-lo?
No topo de tudo isto ainda existe
um Comité Olímpico, que não trata de futebol e que se deve ver da cor dos gatos
para conseguir meia dúzia de atletas para apresentar nos jogos inventados pelos
antigos gregos…
Como se tudo isto já não bastasse
a preparação da “molhada” que se pretende transformar na lusa equipa passa a
sofrer dos mais finos defeitos dos “Tugas”.
Em vez de criteriosa escolha de
técnicos e jogadores por gente com créditos firmados e de, a partir daí, se
estabelecer um plano (falam em estratégia, mas não sabem o que tal significa),
e se começar a trabalhar com afinco, disciplina e método, passa-se a vida a dar
entrevistas e a discutir tudo na praça pública, escorregando, por norma, tudo o
que é importante fazer para a última hora.
E, de há muitos anos a esta
parte, ninguém se pode desculpar com falta de meios: a selecção tem tratamento
de príncipes!
Os ordenados que se pagam, neste
âmbito, são moralmente pornográficos. E têm outro contra, juntamente com a luz
da ribalta que se dá aos protagonistas do chuto na bola: deslumbra-os.
As excepções são poucas.
Os jogadores de futebol (e não só
os jogadores) são, na sua maioria, gente simples com pouca instrução. Basta
ouvi-los falar cinco minutos para se perceber as suas dificuldades em se
exprimirem em português escorreito e em articularem frases com sujeito,
predicado e complemento directo.
O estatuto que lhes atribuem,
apenas comparados às estrelas de rock, naturalmente desequilibra-os. A sua
imagem de marca passa pelos penteados “à índio”, tatuagens, brinco na orelha e
boné à banda. Digamos que são extravagâncias identitárias que, em si, nada têm
de mal, mas que os situam na sua verdadeira grandeza.
Para “heróis nacionais” estamos
conversados.
A Comunicação Social faz o resto,
massacra-nos com reportagens de tudo e mais alguma coisa. Horas a fio.
Temos que saber o que vestem; o
que fazem; o que pensam; o que comem; para onde vão de férias; a cor do soutien
da namorada; brindam-nos com grandes planos da Jante dos pneus do mister, etc.
Enfim, quando se aproxima o início
de um campeonato, entra-se no campo do histerismo e do patrioteirismo que se
substitui ao Patriotismo – que deve ser de todos os dias – onde as cores
nacionais passam a ser confundidas com um trapo de enfeite. E onde se
substituiu o “A eles como Santiago aos Mouros”, pelo “até os comemos”…
Pelo menos convém não confundir
um campo de batalha com um campo de futebol que, repito, é apenas um desporto…
Mas os “média” e quem neles
intervém, fazem pior: criam falsas expectativas; semeiam a confusão; provocam
estados de euforia e depressão. As pessoas reagem em conformidade, tornam-se
irracionais; esperam um milagre e a chegada de outro D. Sebastião, no meio da
bruma, de espada em punho (ou de bola nos pés)!
Esquecemo-nos constantemente que
somos poucos – logo não há muito por onde escolher – que temos que apostar na
qualidade e que tal dá trabalho e implica escolhas; que é necessário
organização, disciplina e persistência – de que somos relapsos – e de deixarmos
de ter a “esperteza saloia” como topo de virtudes, mas antes apostar na
inteligência empreendedora.
Todavia, enquanto não soubermos
escolher a liderança para nos governar e o modelo político que a enforme, não
sairemos da cepa torta.
Se o País está no estado em que
está, porque é que o mundo do futebol haveria de gozar de saúde e boas
práticas, que são o esteio dos bons resultados?
Se por acaso defendêssemos que só
os jogadores que jogassem em Portugal pudessem representar o País, na seleção,
o que diriam? Se a seleção é nacional, porque é que o treinador e a equipa
técnica não têm que o ser? Porque é que os jogadores que praticam faltas
disciplinares graves, não são mandados regressar imediatamente e irradiados da
seleção?
Porque é que os jogadores têm que
receber prémios por cumprirem o que se espera deles? Nesse caso passam a pagar
quando perdem?
Pois é, caros leitores, nada
disto é politicamente correcto.
O que parece correcto – mas
apenas parece – é o facto das mais altas instâncias do Estado, mesmo antes de a
selecção ter feito algo que a distinga – virem, céleres, convoca-la para uma
fotografia de família, em vez de, simplesmente lhes enviarem um telegrama
dizendo:
”Vão e cumpram a vossa missão. E
não voltem sem terem transpirado tudo o que têm para transpirar, da cabeça para
baixo. Essa, a cabeça, deve manter-se fria e focada.
É o mínimo que podem fazer pelos
palermas que ficam aqui a torcer por vós!
Não se exige que ganhem – mas se
ganharem melhor – apenas que não tornem o espectáculo penoso de ver, ao ponto
de se envergonharem e a todos nós, por via disso. Boa sorte.”
É aqui que entra a disciplina de
que falava Napoleão, o mesmo que tentava escolher os Marechais de França,
apenas entre aqueles que tinham sorte.
Como se sabe, mesmo assim, ganhou
muitas batalhas, mas acabou por perder a guerra.