Por razões
judiciais tenho feito alguma pesquisa no arquivo do Ministério da Defesa, onde
se encontra documentação muito interessante, infelizmente ainda longe de estar
toda identificada e tratada.
Encontrámos
uma miríade de transcrições de emissões de rádios estrangeiras algumas das
quais possuíam programas preparados e emitidos por “exilados” portugueses que
militavam em Partidos e organizações que lutavam contra o Regime Político
instituído em Portugal, em 1933.
Ocorreu-me que
seria interessante transcrever alguns trechos dessas emissões para os
contemporâneos puderem avaliar o que então se dizia (e as queixas e “denúncias”
que se faziam) – na substância e na forma – e poderem comparar com aquilo que
se passou a seguir à “Revolução” do 25/4/1974 e com o que se passa hoje em dia.
Não farei
comentários deixando a cada um retirar as suas conclusões.
Vou cingir-me
à “Rádio Voz da Liberdade”, órgão da Frente Patriótica de Libertação Nacional”
(FPLN), que emitia a partir de Argel, entre 1964 e 1974.[1]
*****
Pessoas amigas
alertaram-me, entretanto, para o perigo de que o desconhecimento e ingenuidade
de muitos concidadãos, ignorância da História Pátria, aliados à muita
desinformação veiculada pelos órgãos de comunicação social e agentes políticos,
na actualidade, podem levar a que os menos avisados possam acreditar na
veracidade da totalidade dos textos transcritos. Nada, porém, pode estar mais
longe da realidade. Aqui fica o aviso que deve sobretudo ser tido em conta,
relativamente ao que era dito quanto à guerra que travámos em África durante 14
anos.
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Eis o 3º texto
lido em 12/12/1965, com o título “De Vento em Popa”.[2]
“O Almirante Henrique Tenreiro, tipo bem
acabado, pertence ao grupo daqueles tantos que fazendo-se passar por fervorosos
nacionalistas e insignes patriotas, outra coisa não têm feito que não seja
governar-se e bem, à custa da miséria do povo português.
Membro da
direcção do partido único e do comando da Legião Portuguesa, deputado dessa
caricatura que entre nós se chama Assembleia Nacional, negoceia na Soponata com
seu dilecto cunhado Ortins de Bettencourt.
O Almirante comanda
navios pacíficos que transportam petróleo. Mas o Tenreiro não se fica por aqui.
Ocupando um elevado posto na nossa Marinha de Guerra, navega de Grémio para Grémio
e assina o… organismo que superintende no bacalhau… da sardinha, onde não
chega o Tenreiro de olho vivo à espera da… o Almirante decidiu ocupar a ponte
de comando de tudo quanto diz respeito a peixe e por isso mesmo lá está no cimo
da Comissão Central das Pescarias.
E a "Gelmar"
que vende peixe congelado é uma sociedade onde se ocupa o Almirante peixeiro.
Isto é uma
pequena amostra, porque o Tenreiro tudo espreita e em tudo consegue ganhar bom
dinheiro aproveitando-se de todas as ocasiões porque na realidade para ele,
tudo quanto vem à rede é peixe.
Só não lhe
interessa a pesca desportiva à linha porque essa habitualmente é pouco rendosa.
E são tantas ou tão poucas as negociatas em que este tubarão anda metido que
Sua Excelência, o Almirante sem esquadra, tem para o seu trabalho particular,
nada mais nada menos que quatro secretários: Sr. Rocha, o Sr. Edgar, o Sr. Dr.
Silveira e o Sr. Barrete.
Vive à larga
este cavalheiro, numa bela residência em Lisboa e dispõe de cinco motoristas: o
…. , o José Augusto, o Carlos que o transporta no carro do Grémio e o outro
Carlos que o costumava levar no automóvel, quando em serviço da Legião
Portuguesa.
Este
Almirante, pescador de águas turvas e além doutras possui fabulosas fortunas, à
custa daqueles que na faina da pesca arriscam a vida no mar, dependendo de
todos quantos rouba e explora e por isso mesmo, além de possuir guardas de
polícias de segurança pública à porta, anda permanentemente escoltado por
agentes da PIDE, destacados expressamente para esse serviço. Comanda esse grupo
de…. O chefe de brigada Jaime e os agentes são os seguintes esbirros, José
Ribeiro, António de Oliveira e José Lopes.
Tal como os
"gangsters" americanos, o Sr. Tenreiro Almirante sem marinheiros e
que para vergonha sua apenas comanda legionários coxos e… faz-se guardar por
homens da mesma quadrilha, neste caso a PIDE.
Claro que um
cavalheiro de negócios deste quilate tem que ter uma intensa vida de sociedade
e, de quando em vez, tem de apaparicar aqueles que com ele se governam também
ou ocupam postos influentes onde aquele se serve para levar a bom termo os seus
desonestos interesses, enfim o chamado tráfico de influências.
Para isso
jantaradas em sua casa. As mais concorridas, servidas por criados de ..ção e
libré e quase todas abrilhantadas com gogorjeios e afamados fadistas
acompanhados à guitarra para que o ambiente seja postiçamente portugûes, nos
salões da residência deste português desnaturado.
A esses
banquetes, como convidados de sempre, estão Ulisses Cortês, Ministro das
Finanças, o Antunes Varela, Ministro da Justiça, o Quintanilha e Mendonça Dias,
Ministro da Marinha, os Comodoros Henrique Jorge, Valente Raso, Duarte Silva, o
General Abreu de Loureiro, Marcelo Caetano, Adriano Moreira, enfim tudo quanto
há de melhor.
Frequentemente
estes festivos saraus de jantar são abrilhantados com a presença garbosa e
alegre do Almirante Américo Tomás, membro já muito antigo da quadrilha do
Tenreiro.
Até os
fadistas se calam. O Tomás com a sua facilidade de frase, com a sua
inteligência fulgurante e com a sua conversa variada actua como se fosse um
hipnota (sic) põe todos os assistentes a dormir e o Tenreiro, espertalhão e
desonesto, tudo isto suporta, mesmo a mediocridade inferior de um pobre de
espírito e tipo de atrasado mental que só o Fascismo poderia fazer Presidente
da República.
Mas isso para
o Tenreiro são pequenos nadas e o que pretende é que continuem os seus rendosos
negócios sem atritos, sem tempestades, porque marinheiro de água doce não
suporta as tempestades. Assim quer ter na mão aqueles que lhe interessam para
não fazerem ondas.
FPLN – Frente
Patriótica de Libertação Nacional – a frente de combate do nosso povo.”
*****
Eis o 4º texto
lido a 11/09/1965, intitulado “A criminalidade em Portugal”.[3]
“Portugal tem
sido varrido nestes últimos tempos por uma onda de crimes de toda a espécie –
assaltos à mão armada, roubos, ataques a mulheres isoladas, crimes de morte.
Os jornais
diários têm assinalado o número e a frequência invulgar desta variedade de
crimes, mas no que não tem falado é nas possíveis razões desse aumento de
criminalidade.
É sabido que
as guerras provocam geralmente o recrudescimento sensível da delinquência, e
não é certamente por acaso que em Portugal o aumento da criminalidade se tem
vindo a verificar desde o começo das guerras coloniais que têm propagado
através de indivíduos que se prestaram a sádicos crimes de guerra contra
populações africanas com desprezo pela vida e pelos direitos de cada um.
Quais não
serão os efeitos dessa escola de criminosos que são as guerras e a opressão
colonial, se pensarmos que vivemos há 39 anos sob a ditadura fascista?
Porque a
ditadura fascista é sinónimo de violências, de perseguições, de assassínios
contra o próprio povo português. A ditadura fascista é a corrupção da máquina
administrativa, dos abusos de poder, o tráfico de influências, as
arbitrariedades, as traficâncias de toda a espécie.
A ditadura
fascista é … de venalidade, de desvergonha que semeia a insegurança e a … por
toda a parte.
No nosso país,
todo o egoísmo e crueldade da lei da terra começa pela instigação
desmoralizante do fascismo, e só acabará, disso tenham eles a certeza, pela
força revolucionária e justiceira do povo honesto e trabalhador.
Os assassinos
andam em liberdade em Portugal. E alguns, como sucedeu com os assassinos do
médico Ferreira Soares, foram considerados não culpados por um tribunal.
O Governo
admite a tortura e o crime político. O Governo admite que a polícia faça fogo
sobre os estudantes nas ruas de Lisboa.
Os fascistas
ensinam a violência, semeiam a violência. Se há criminosos no governo não
admira que a criminalidade aumente.”
[1]
Recorda-se que a Argélia tinha ascendido à independência, em 1962, depois de
uma longa e cruenta guerra com a França. A Argélia tinha um regime político de
partido único de inspiração marxista, cujo 1º Presidente foi Ben Bella.
Assumia-se como um país do “Terceiro Mundo” vindo, mais tarde, a situar-se na
órbitra da extinta URSS. A FPLN tinha lá o seu “quartel- general”, desde 1962 e
o principal apoio. Na FPLN pontuavam Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel
Alegre. A “Rádio Voz da Liberdade” era um dos seus principais instrumentos e os
dois principais (únicos?) locutores eram Manuel Alegre e Estela Piteira Santos.
[2]
Arquivo do MDN, Fundo 5/23/8/13.
[3]
Fundo 5/23/79/12, do Arquivo do MDN