Há poucos dias foi colocado no
sítio do Ministério da Defesa (MDN) e no “Youtube”, um vídeo de 3’ e 32”, onde
se enumeram um conjunto de acções tidas como “reformas”, fazendo a sua apologia
e verberando os críticos das mesmas.
Estou em crer que a fita do tempo
e o fio condutor do filme deve ter sido feito por um astronauta, já que só quem
vive para além da Tropopausa pode escrever uma coisa daquelas como, também,
pela velocidade das imagens e do som que nem um piloto de F-16 consegue
visualizar ou reter seja o que for.
Deve ser por isso que os querem
vender (aos F-16) …
Todavia analisando a pelicula
mais detalhadamente descobrimos coisas interessantíssimas - apesar de pouco
verdadeiras – apresentadas como êxitos retumbantes.
Eis algumas a “vol d’oiseaux”:
·
O Hospital das FA representa o “Rossio na rua da
Betesga”; uma diminuição sensível de capacidades e uma trapalhada em termos de
execução. O que foi pensado deixa de fora a componente operacional da Saúde
Militar – o verdadeiro amago da questão - e põe em causa o praticamente único
direito que resta aos militares (e à família militar), derivado do Estatuto da
Condição Militar.
E não resolve nem toca nas verdadeiras razões pelas
quais a evolução dos Serviços de Saúde Militar tem sido lenta, sem embargo da
sua complexidade, e que são a falta de entendimento crónico a nível do Conselho
de Chefes Militares e o esvaziamento da sua autoridade, e a compatibilização
das carreiras das especialidades do pessoal ligado à Saúde, e a sua condição de
militares, o que se agrava na razão inversa em que a disciplina prospera.
Além disto as FA estão a ser vítimas do desejo
político/ideológico – a que são alheias – de passar os cuidados de saúde da
população, para instituições privadas. Ponto final.
·
Gabam-se, a seguir, de terem descongelado as
promoções (ás pinguinhas…). É preciso ter lata! Então quem é que as congelou,
em primeiro lugar? Deviam era pedir desculpa por uma medida que jamais devia
ter sido aplicada às FA e colocar tudo na normalidade, o que ainda não ocorreu!
Absolutamente inqualificável.
·
A questão dos estaleiros de Viana do Castelo é
de facto relevante para a DN (a capacidade de construção naval, não tem apenas
importância económica, mas outrossim, relevância estratégica) e a degradação a
que chegaram nunca deveria ter tido lugar. A responsabilidade é de todos os
governos anteriores e as razões situam-se a nível dos objectivos definidos para
o sector (se é que alguns); da (in) competência das administrações (onde por
vezes prevaleceram amizades e cumplicidades partidárias) e das normas que
regulam o trabalho e os sindicatos.
Não se entende porque é que estes estaleiros
estivessem debaixo da alçada do MDN e menos se alcança que, em vez de se ter
concentrado a acção em pôr os estaleiros a funcionar, se tenha optado em fazer
deles, campo de luta política. Mas sobre isto nunca ouvimos qualquer
preocupação por parte do MDN.
Com tudo isto a capacidade tecnológica e o “saber fazer”
esvaíram-se!
Será mesmo que
o problema foi resolvido?
·
Gabam-se de terem redimensionado o número de
efectivos, é preciso ter lata, novamente!
De facto não
se redimensionou coisa alguma, a única coisa que se fez foi cortar a eito por
razões que se prendem apenas com dificuldades de tesouraria e com o livre
arbítrio de S. Excelências.
Cortaram de
qualquer maneira para níveis que até o insuspeito General Loureiro dos San-
tos classificou, recentemente, de
absurdos.
Usam e abusam (e não é só de agora, que
isto já leva mais de 20 anos), de uma desonesti-
dade intelectual inacreditável –
para além de inverterem o correcto planeamento dos sistemas de forças e
dispositivo – pois após sucessivas facadas nos efectivos vêm dizer que o
enquadramento está distorcido, não se justifica tantas unidades, etc..
Podem-se escrever livros sobre
isto, pois a realidade ultrapassa sempre a ficção…
·
Não compreendem, também, as críticas ao facto de
terem reunido as Escolas Práticas das Armas, na Escola Prática de Infantaria
(EPI), em Mafra.
Em boa verdade
a responsabilidade maior cabe à chefia do Exército, da altura que,
aparentemente quis fazer um “bonito” ao Governo, já que tal desiderato constava
do respectivo programa. Não discuto a necessidade, ou a adequabilidade de, nos
tempos actuais, as Escolas Práticas – que continuam a ser muito importantes na
idiossincrasia de cada Arma ou Serviço – estarem reunidas, tanto para
economizar recursos, como principalmente, para mais eficazmente operarem em
conjunto.
Sabe-se que,
raramente existem soluções ideais, muito menos aquelas que não trazem custos de
alguma espécie. Mas, que diabo, qualquer antigo cabo readmitido, consegue
perceber que só existe um local no País, onde essa “Escola” conjunta pode ser
implementada, e esse local chama-se Santa Margarida, complementada com o
Polígono de Tancos.
Ora transferir
tudo para o “calhau” nome pelo qual,
no jargão militar, se designa o Convento de Mafra onde, desde 1890, funcionava
a EPI é algo aberrante e só explicável por uma nostalgia do passado e uma
avaliação peca da realidade. É que tal unidade, apesar de ocupar parte da
Tapada de Mafra que lhe é contígua, já dificilmente cumpria os requisitos para
a formação dos descendentes do Santo Condestável D. Nuno, quanto mais para lá
meter todas as outras escolas.[1]
Isto para já
não falar dos custos de manutenção do Convento que, sendo monumento nacional,
saem do orçamento do Exército.
Se porém
formos analisar, pela rama, o que se fez, toparemos que o nome atribuído à nova
unidade é “Escola das Armas”, tendo-se deixado cair o termo “Prática”, o que
aparenta ser um contra senso e ainda:
- Os quarteis
das antigas escolas não fecharam, mantendo o equipamento pesado;
- A ETAT ficou
no mesmo sítio, bem como as Transmissões;
- Incluiu-se o
Centro Militar de Equitação e Desportos, que nunca foi propriamente uma “escola
prática”;
- Manteve-se o
Serviço de Material e a Administração Militar, na Póvoa do Varzim.
Afinal o que
se ganhou com tudo isto?
Exactamente! Ganhou-se
um aborto. E vamos ficar por aqui.
·
E que dizer da vã glória de terem metido
raparigas no Colégio Militar!?
Que pacóvio
provincianismo, disfarçado de “progressismo!
Não se
esqueçam, já agora, de arranjarem também uma turma para membros precoces do
LGBT…
Ganhem tino.[2]
·
Rejubilam por terem feito aprovar um novo
Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN)!
Mas haverá
algum MDN, digno desse nome, que não invente um novo? Não vou comentar tal
documento que não é mais do que um conjunto de generalidades e vacuidades, que
não serve para nada (como os anteriores não serviram), não só porque não é guia
orientador seja para o que for, como ninguém lhe vai ligar coisa alguma.
Deixo apenas
um alvitre: não se pode sequer conceber um CEDN, se o País não tiver qualquer
Poder real, para aplicar. E o único “conceito” que os sucessivos governos têm
seguido é justamente o de destruírem todo o poder que nos restava…
·
Alguém saberá o que “eles” querem dizer no
vídeo, ao ufanarem-se de terem “estabilizado o orçamento das FA”? Quem
descobrir ganha um VW Carocha oferecido pelas finanças!
·
Gabam-se de terem revisto as leis estruturantes
da DN. Mas, ó almas do purgatório, desde 1982, já pararam para fazer mais
alguma coisa?
- As
sucessivas revisões têm apenas um denominador comum: de um modo geral vão sendo
piores umas que as outras e têm-se destinado a reduzir as FA a três militares,
um de cada Ramo;
- Depois vai
ser ainda necessário racionalizá-lo e redimensioná-los;
- Essas
apelidadas revisões têm vindo a destruir toda a doutrina, para além dos valores
deontológicos, virtudes e foros próprios da Instituição Militar. Passo a passo,
pedra a pedra, até não restar nada.
A próxima
revisão do EMFAR está a chegar. Vai ser outro motivo de orgulho…
·
Arranjaram mais clientes para o Arsenal do
Alfeite, afirmam.
Mas será que
isso tem alguma coisa de extraordinário? Não fará parte da gestão normal da
coisa?
Todavia, já
meditaram no erro que foi, ter-se retirado o Arsenal à Marinha como já o tinham
feito às OGMA relativamente à Força Aérea (no tempo de um governo PSD)?
A ganância de
arranjar tachos para a fauna partidária justifica tudo?
·
Regozijam-se ainda, vejam lá, por terem acabado
com o Fundo de Pensões dos Militares, pois estava a dar muito prejuízo. Mas não
foi também um anterior governo do PSD, que criou o Fundo para compensar outros
cortes que tinham feito, nomeadamente no estatuto da reserva?
E se o fundo era mal gerido que culpa é
que os militares têm disso? Mas vão ficar sem ele!
·
Batem palmas a eles mesmos, por terem cancelado
vários projectos que sofriam acidentes de percurso, como os helicópteros NH 90
e as viaturas blindadas Pandur.
Acaso os meios
já não fazem falta? Foram considerados obsoletos ou com problemas técnicos
insuperáveis? Nada disso foi alegado e, de facto, nada disso se passou.
Então porque
os cancelaram? Por estarem a correr mal? Mas nesse caso porque não se
resolveram os problemas em vez de cancelar projectos válidos e onde já se tinha
gasto tanto esforço e dinheiro? Que aconteceu aos responsáveis?
Ou trata-se
apenas de poupar na tesouraria mandando às urtigas como têm feito com quase
tudo o que, fingidamente aprovam nas leis de programação militar que, até hoje,
nunca foram cumpridas?
·
E aquela de estarem todos contentes por terem
construído dois Patrulhas oceânicos para a Marinha? Mas foram eles ou o que já
vinha do anterior?
E não era para
serem oito? Onde estão os outros? É preferível irem gastar mais uns milhões a
manterem operacional uma corveta com mais de 40 anos de serviço, como estão a
fazer? A construção dos Patrulhas (já nem falo do navio Polivalente Logístico)
não podia ter ajudado a salvar os Estaleiros de Viana?
·
E a venda dos 12 F-16, que coisa bem - feita,
dizem S. Exas!
Eu chamo-lhes
apenas um crime de lesa-Pátria, por razões que já expandi e não vou repetir.
Vão ler.
Apenas refiro
uma frase do filminho associada a esta decisão: “Portugal é hoje vendedor de
material militar”. Afinal há humoristas no MDN, humoristas de humor negro
apropriado a uma ópera bufa.
*****
Ainda sobre o
pedaço de película, pergunta-se:
Para que
serve? Quem o mandou fazer? Quanto custou? Qual a rúbrica de onde saiu o
dinheiro para o pagar? Quem o fez?
Haverá mais
algum ministério que faça “peças” deste calibre que mais parecem de propaganda
eleitoral desenfreada?
O facto de não
serem admitidos quaisquer comentários ao filme, tanto no sítio do MDN, como no
“Youtube”, revela bem a má consciência de quem autorizou a exibição desta peça
inolvidável que, seguramente, irá ficar nos anais da 7ª Arte!
Em jeito de
balanço os grandes reformadores elogiam-se afirmando que “outros pensaram e
eles fizeram”. Pois podem limpar as mãos às paredes.
*****
Reformar ou
restruturar, Senhor MDN (dirijo-me agora a V.Exª por presumir ser o reformador
– mor da República), não é chegar a uma função – para a qual não estamos
preparados, como é nítido no seu caso – e desatar a partir tudo à sua volta,
comportando-se como um elefante numa loja de porcelanas.
Uma reforma só
se faz, em primeiro lugar, quando é necessária; depois definindo bem o
objectivo e ter boa e reta intenção.
É preciso, de
seguida, saber fazer, escolher bem as pessoas para a executar, elaborar
estudos, nas estruturas adequadas, definir prazos realistas e alocar recursos.
E não esquecer esta coisa evidente de que qualquer reforma necessita de um
investimento inicial, o qual irá ser amortizado com os ganhos que se espera ter
no futuro.
Ganhos, que no
caso das FA, não devem ser apenas no campo financeiro, mas sobretudo no melhor
cumprimento das suas missões.
Manda ainda o
bom senso, ter sempre em conta o ónus que qualquer mudança sempre acarreta e
não querer fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo…
E tendo ainda
em consideração que a nível militar a eficácia deve preferir à eficiência e
que, tão pouco, as reformas nas FA, são compagináveis com ciclos eleitorais
coisa que, imagino, seja para si, Sr. Ministro algo difícil de entender.
Ora se nós
transpusermos os passos atrás aludidos para as “reformas” de que nos fala a tal
sequência de fotogramas, não conseguimos – mesmo pedindo emprestado a melhor
boa vontade ao Professor Marcelo – deixar de atribuir uma classificação de
“mau” (o a 4 valores, na escala de 0 a 20) ao citado vídeo. E à intenção que
lhe está subjacente.
Sem querer
gastar mais cera com tão ruim defunto, direi apenas que aqueles elogiados
propósitos em 3’ e 52” de animação, parecem fazer parte de uma farsa Vicentina.
Provavelmente do “Auto da Barca do Inferno”…
[1] Escola Prática de Artilharia; Cavalaria; Engenharia; Transmissões, Serviço de Material, Administração Militar e, porque não, a Escola de Tropas Aerotransportadas (ETAT).
[2]
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais – e o que mais adiante se
verá!).