A SAGA DO
AEROPORTO DE LISBOA … + 1
07/11/18
“Olá
coelhinho, por aqui tão cedo?
Vem cá, não
tenhas medo, disse-lhe a raposa…”
Palavras
cínicas, de Albino Forjaz Sampaio
Resulta
(a saga) de há 40 anos a esta parte pouco se fazer de uma forma estudada, integrada
e com estratégias delineadas e faseadas no tempo. Sobretudo naquilo que é
estruturante para o país.
Existem,
porém, sérias dúvidas de que queiramos ter ou pertencer a um país e a uma
nacionalidade …
De
facto a saga vem de longe, pois não se tomaram decisões atempadas e quando se
tomam, logo se volta à primeira forma, como foram os casos das “alternativas”
Rio Frio, Ota e Alcochete. Gastaram-se no processo (isto é, desperdiçaram-se)
muitos milhões de euros…
A
questão precipitou-se, agora, pelo grande aumento de tráfego no Aeroporto da
Portela (recuso-me a chamá-lo de “Humberto Delgado”) – que não era suposto
crescer tão depressa – e o fluxo de turistas ter ultrapassado todas as
expectativas (o que pode também diminuir de repente, frustrando novas expectativas…).
Uma
súbita urgência tomou conta de governantes, políticos e comentadores. Só que
agora não há dinheiro para uma obra destas; o grau de endividamento do país não
“aconselha” novos empréstimos e uma nova infra-estrutura aeronáutica não se “improvisa”
de um dia para o outro!
Daí
o actual Governo estar prestes a entregar-se nos braços de uma empresa privada
(que por acaso não devia ter sido privatizada, a ex – ANA, agora Ana/Vinci, de
capital francês) preparando-se para fazer um contrato leonino – para essa
empresa que, lembra-se, só existe como tal, para ter lucros e já faz o que quer
com o valor das taxas aeroportuárias – e tentar-se aproveitar uma infraestrutura
já existente, tudo no sentido de economizar na tesouraria, no investimento, do
“deficit” e no tempo que leva a ter uma nova opção operacional.
Só
que o assunto (parafraseando o Clémenceau) é demasiado sério para ser deixado
apenas a políticos…
E
deve dizer-se que não há soluções boas e as menos más são assaz reduzidas, ou
resumem-se a uma.
A
saga vem de longe e o principal responsável é o Rei, Senhor D. Afonso III!
Não
acreditam? Eu explico.
Este
nosso Rei vislumbrou que Lisboa era uma cidade cheia de potencial e não foi de
intrigas, em 1255 mudou a capital do Reino – sita na altura em Coimbra – para a
antiga Olissipo (parece que a burguesia do Porto é que, até hoje, não gostou
nada da ideia…).
Ora,
vai daí, desatou tudo a vir plantar-se na foz do Tejo levando Oliveira Martins
a chamar a “Lisboa, cabeça de gigante em corpo de pigmeu”!
Ora
o campo aeronáutico não fugiu à regra.
Reparem:
começou com o primeiro aeródromo da novel Aeronáutica Militar em Vila Nova da
Rainha (1916, encerrado em 1920); a primeira base da Aeronáutica Naval foi
instalada no Bom Sucesso (1917, extinta em 1952); Em 1918 instalou-se em
Alverca as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e o Depósito Geral de
Material da Força Aérea (até ao presente mantém um aeródromo operacional); seguiu-se
a Amadora, onde foi instalada o Grupo de Esquadrilhas de Aviação da República
(1919, extinto em 1938); em Sintra (Granja do Marquês), foi criada a Base Aérea
1 (1920 até ao presente); Aeródromo de Cascais (Tires, 1964 até ao presente);
Aeroporto da Portela (1942 até ao presente. Na mesma altura funcionou também um
aeroporto em Cabo Ruivo para hidroaviões, que se manteve operacional até finais
dos anos 50); a Base Aérea 6, Montijo (1953 até ao presente); o Campo de Tiro
de Alcochete (CTA), (desde 1904; utilizado como carreira de tiro ar-chão, desde
1955).
Julgo
que não me esqueci de nada, faltando referir a Base Aérea da Ota, desde 1940, e
que deixou de ter actividade aérea nos anos 90 do século passado.
A
piorar as coisas, sobretudo desde 1974, deixaram-se de cumprir as leis (estas,
pelos vistos, são só para alguns e, ou, em algumas épocas), no caso vertente as
leis de servidão aeronáutica.
Quer
isto dizer que se deixou construir habitações e outros equipamentos em locais
indevidos à volta das infra-estruturas aeronáuticas – nomeadamente no
prolongamento das pistas – o que levou ao aumento do risco, derivado da
operação (e não da segurança, conceitos que não ficaram bem dilucidados no
último programa “prós e contras”, sobre este tema), e tenha colocado enormes
constrangimentos a eventuais necessidades de expansão dessas mesmas
infra-estruturas aeronáuticas.
E
com toda esta multitude de “aeródromos” – vamos dizer assim para facilitar a
linguagem – existe também uma natural complexidade quanto à gestão e controlo
do espaço aéreo.
Esta
gestão e controlo do espaço aéreo têm de ser compatibilizado entre o tráfego
militar e civil, neste último englobando, o transporte de passageiros; carga; a
aviação executiva; a aviação geral e as escolas de pilotagem; o “trabalho
aéreo” (fogos; emergência médica; cargas suspensas; agrícola, etc.).
É
muita coisa para uma área tão pequena.
A
geografia e o clima são, aliás, uns ditadores!...
E
também atrapalham (ou facilitam) as acessibilidades, que são outra dor de
cabeça quando se pensa num aeroporto internacional moderno.
Por
tudo isto, os estudos mais bem elaborados (e que começaram no consulado do
Professor Marcello Caetano) sempre apontaram para que a solução menos má, fosse
Rio Frio (Alcochete).
Todas
as outras soluções perto de Lisboa e do tipo + 1 são assaz questionáveis,
incluindo o Montijo, até porque se iria gastar muito dinheiro, numa solução
parcial que, tudo indica estará esgotada meia dúzia de anos depois.
E
quanto a Rio Frio/Alcochete existem algumas questões muito penalizantes a
saber: custos derivados do tipo de terreno existente e dos lençóis freáticos (o
que também se coloca nos outros locais); milhares de hectares de terrenos com
excelente aptidão agrícola e silvícola que ficariam para sempre desafectados do
sector primário
; questões ambientais,
sobretudo relacionadas com a fauna dos estuários do Tejo/Sado. Obrigaria,
ainda, ao fim do Campo de Tiro de Alcochete, infra-estrutura fundamental para
as Forças Armadas, sobretudo para a Força Aérea.
Ora
não há em todo o território nacional local que se lhe equipare e a solução
possível já equacionada (uns terrenos perto de Mértola), fica descentrada, além
de poder vir a custar uns bons 250 milhões de euros, fora o resto que se
inventará.
A
não ser que se pense que ir fazer tiro ar-chão em Espanha ou Marrocos, seja uma
solução melhor. (eu sei, eu sei, que a Força Aérea está reduzida à ínfima
espécie e quando surgir a oportunidade fecham-na…).
Apenas
mais umas achas para a fogueira: convém pensar desde já, no possível
esgotamento dos Aeroportos do Porto e de Faro; que o transporte aéreo deve
entrosar, no marítimo, na ferrovia e na rede viária – neste âmbito fez-se um
erro estratégico de base, que foi apostar no excesso de auto-estradas (isto é
nos lobbies do “betão” e dos “TIR”) e não no caminho – de – ferro, e agora
ainda estamos com o problema da bitola por resolver.
Um
erro que nos está a custar os olhos da cara e vai continuar a custar.
Não
se entende também qual é o “stress” em querer aumentar o transporte aéreo por
via dos turistas, por exemplo.
Já
temos turistas a mais e mal distribuídos; a actividade varia com a altura do
ano e pode decrescer em função de muitas variáveis que não dominamos. O turismo
tem que ser sustentável e ser equilibrado. Neste momento está a gerar já, efeitos
colaterais muito danosos, tais como excesso de pessoas em muitos locais (o que
se vira contra o próprio turismo); degradação da qualidade de vida dos
indígenas; especulação imobiliária desenfreada; aumento do custo de vida, com
inflação dos preços; descaracterização da matriz urbana e cultural das zonas
históricas; congestionamento de trânsito; ilusão na diminuição do desemprego,
dada a sazonalidade e precariedade dos contratos, etc..
As
pessoas têm que deixar de ficar desvairadas com o simples cheiro do dinheiro…
Por
outro lado há situações em que os recursos são finitos, não dá para mais. Tem que
haver quotas, restrições, etc..
Não
se pode meter o Rossio na rua da Betesga!
*****
Finalmente
existe uma questão de que ninguém fala e ninguém quer falar: a questão da
Defesa, num conceito alargado, a Segurança Nacional.
As
funções clássicas de um Estado – e nós ainda temos um, mauzinho, mas vamos
tendo – são a Segurança, a Justiça e o Bem-estar.
Por
esta ordem, dado que a ordem dos termos não é arbitrária…
Apesar de, na prática, apenas
servir para cobrar impostos, subverter a Nação e tentar impor o “relativismo
moral”.
Vindo
a Segurança à cabeça só se lembram dela, como de Santa Bárbara, quando troveja.
Ora
qualquer consideração ou estudo (que aparentemente, nunca é requisito – e
devia, repito, vir á cabeça de tudo), do Ministério da Defesa, fica à esquerda
de um arroto emitido por um qualquer grupo ecologista. O que é mais uma prova
de que este ministério é virtual, não existe.
Ora
no âmbito aeronáutico só a Força Aérea (FA) tem fechado unidades e órgãos e
diminuído as suas capacidades.
No
caso vertente, se o Montijo for transformado em aeroporto os custos para a FA
(cuja posição – que devia ser do Conselho de Chefes Militares - sobre todo este
assunto, se mantém confidencial), vão ser pesados, já que a sua actividade terá
que ser redimensionada com custos muito elevados. E quem pagará esses custos?
Já estamos habituados a que para os militares nunca há reforço de verbas (antes
pelo contrário) e que, portanto, vão ter que se amanhar com o orçamento (não
cativado) que lhes atribuírem.
No
Montijo existe a principal esquadra de helicópteros (a Esquadra 751, equipada
com o “EH-101”) e que tem como uma das suas missões primárias a Busca e
Salvamento. Ora por razões que se prendem com a sua área de operações, não
convém que estejam longe de Lisboa.
O
mesmo se pode dizer da esquadrilha de helicópteros da Marinha, equipada com o “Linx”,
sistema de armas que são orgânicos das fragatas.
Ora
como a Marinha está quase toda no Alfeite…
Ouvi
de um funcionário da NAV, numa reunião em que estive, no passado ano, que estas
aeronaves iam para a BA1, em Sintra. Notem, foi ele que disse, não foi ninguém
da Força Aérea…
E
disse mais, que a Esquadra 101, de instrução, equipada com “Epsilons”, que está
em Sintra, iria para Beja (de onde nunca deviam ter saído, acrescento eu).
Por
acaso é lógico que assim aconteça, apesar de em Sintra, a meteorologia não ser
das melhores e só uma pista estar equipada para permitir aterragens por
instrumentos.
Mas
no Montijo ainda existe a Esquadra 502 equipada com o C-295, a Esquadra 501
equipada com o C-130 (a substituir pelo brasileiro KC-390) e a Esquadra 504
equipada com os aviões “Falcon”, aqueles que transportam os “Vips”.
É
escusado pensar, que se a solução da Portela + 1 for para a frente (o que Deus
não permita) a FA tem de fechar a BA6, pois qualquer actividade sua será
incompatível com o tráfego que irá existir.
Ora
recolocar as duas esquadras citadas, não é fácil de se fazer. Colocá-las na
Ota, tem custos elevados e problemas de tráfego aéreo; colocá-las em Beja – o
ignorante e pesporrente comentador Miguel Sousa Tavares opinou há pouco tempo,
que a FA devia ir toda para Beja - é uma solução aceitável, embora tivessem que
conviver com os “Epsilon” (a mudar para lá); a esquadra de P3P, lá existente e
a Esquadra dos ALIII, em “fase out”, e que não se sabe ainda se irão ser
substituídos
; para além do terminal
civil, mono, de Beja, a que a edilidade local chama pomposamente de
“aeroporto”.
Uma
última alternativa seria reactivar a Base Aérea 3, em Tancos, que, por razões
que não vou explicitar, a Força Aérea nunca devia ter abandonado.
Não vou sequer considerar a solução
Monte Real pois para além de não haver instalações apropriadas para os aviões
referidos, o tipo de operação e manutenção das aeronaves lá existentes (os
F-16) ser muito distinta.
E ainda se poderá considerar o
Aeródromo de Manobra 1, em Ovar…
Resta
ainda resolver o destino a dar a algumas pequenas infraestruturas NATO,
existentes no Montijo, que não será difícil desafectar e o Centro de Treino e
Sobrevivência da FA, enfim que pode ser enviado para Sintra, a Ota, ou qualquer
Base Aérea com vantagens e desvantagens várias.
A
melhor localização seria o Campo de Tiro de Alcochete, mas esta Unidade também
não sobreviverá à solução Portela-Montijo, tão pouco à de Rio Frio/Alcochete.
Deslocalizar
o CTA (a menos que se feche para a actividade aérea), além do que já foi dito,
implica mudar um conjunto alargado de actividades que lá decorrem e que não vou
especificar.
Resta
ainda resolver o problema do Aeródromo de Trânsito nº 1, sito na Portela e que funciona
como “Terminal Aéreo de Estado”, dado que as instalações existentes na Portela
irão possivelmente encerrar por via de necessidades de expansão aeroportuárias
(diz-se). Enfim se a solução Montijo for para a frente (o que Deus não permita)
poderá mudar para lá. Se a coisa borregar, ficam com esse menino nos braços. O
mesmo acontece com a esquadra dos “Falcon” (que há muito deviam ter sido
substituídos, por já estarem obsoletos), cuja operação está intimamente ligada
a este terminal.
Feito
o balanço, com os dados que disponho – que não são muitos – parece que a
solução menos má seria manter a Portela com os “updates” possíveis e construir
o novo aeroporto em Rio Frio/Alcochete (os estudos estão feitos), faseadamente,
quando a economia e as finanças nacionais o permitirem (garantindo a substituição
da carreira de tiro de Alcochete, por outra).
Quem não tem dinheiro não tem
vícios.
A não ser que se descubra um outro
local a sul do Tejo que não tenha os inconvenientes de Rio Frio e não fique
demasiado longe de Lisboa, o que obrigaria a novos estudos e novas despesas…
Até
lá dispensamos soluções, racionais e farroncas, preconizadas por políticos (e
não só), que baseiam a sua actuação em palavras cínicas como as de Albino
Forjaz Sampaio.
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto Aviador