LANÇAMENTO DO
LIVRO SOBRE AFONSO DE ALBUQUERQUE
ACADEMIA DE MARINHA, 21 DE SETEMBRO DE 2017.
Exmº Senhor Almirante Vidal Abreu
Restantes membros da mesa
Caros académicos
Minhas senhoras e meus senhores
Bem hajam por se terem dado à
maçada de virem assistir ao nascimento deste meu último descendente, já que o
livro ora lançado perpetua uma parte do meu pensamento, logo da minha
existência.
Vou falar-vos um pouco sobre
Afonso de Albuquerque, pois é dele que trata o livro que agora dá à estampa.
E vou começar por dizer um poema de Miguel
Torga, a ele dedicado e que foi musicado para o CD “Portugal Sempre”, por José
Campos e Sousa. Reza assim:
“Quando esta
escrevo a Vossa Alteza
Estou com um
soluço que é sinal de morte.
Morro à vista
de Goa, a fortaleza
Que deixo à
India a defender-lhe a sorte.
Morro de mal
com todos que servi,
Porque eu
servi o rei e o povo todo.
Morro quase
sem mancha à tona deste lodo.
De Oeste a
Leste a Índia fica vossa;
De Oeste a
Leste o vento da traição
Sopra com
força para que não possa
O rei de
Portugal tê-la na mão.
Em Deus e em
mim o império tem raízes
Que nem um
furacão pode arrancar…
Em Deus e em
mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança
que nos fez lutar.
Em mais
alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho
cresceu e avassalou
A semente
daninha que de além
A tua mão,
Senhor, lhe semeou.
Por isso a
índia há-de acabar em fumo
Nesses doiros
paços de Lisboa;
Por isso a
pátria há-de perder o rumo
Das muralhas
de Goa
Por isso o
Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de
guardar o muçulmano
Corpo dum
moiro que gerou meu grito
De cristão
lusitano.
Por isso
melhor é que chegue a hora
E outra vida
comece neste fim…
Do que fiz não
cuido agora:
A índia
inteira falará por mim.”
O fidalgo Afonso que foi
governador da índia, também conhecido pelo ”Grande”, o “Leão dos Mares”, o
“César do Oriente”, o “Marte Português”, o “Tirribil”, e a quem D. Manuel i,
depois da sua morte e arrependido do modo como o tratara, fez vice-rei daquela e
distinguiu com os títulos de Duque de Goa, Senhor do Mar Vermelho e, ainda,
concedendo-lhe o tratamento de “Dom”.
E a quem, um notável ancião de
Orfação ofereceu um livro em persa, sobre a figura de Alexandre Magno – de quem
Albuquerque era admirador – tendo considerado os portugueses mais valentes do
que aquele grande - capitão.
Não me parece vã e desajustada esta asserção.
De facto Albuquerque reunia
todas as qualidades de um estadista, para além das de chefe militar que foi o
seu mister inicial e mais prolongado no tempo. Onde revelou sempre serena e
ponderada coragem e energia debaixo de fogo, e nas circunstâncias mais
extremas.
Como guerreiro combateu em Toro,
e esteve duas vezes em Arzila. Foi na armada a Taranto e participou na tomada
de Graciosa e em todas as campanhas militares onde Portugal esteve
contemporaneamente envolvido.
Foi à Índia pela 1ªvez sem
piloto e foi o primeiro europeu a penetrar no Mar Vermelho.
Como administrador e político, a
Índia fala por ele. Foi inovador e estava à frente do tempo.
Tinha senso diplomático e era de
uma argúcia sibilina.
Era um geoestratega de alto
gabarito, tendo delineado um plano de dominação do Índico que até hoje não foi
superado!
E complementava tudo com uma
humanidade que tocava os simples, sem quebra do seu escrúpulo de justiceiro
implacável, afastado de toda a cupidez que tantos demonstravam ter. Conhecia a
natureza humana e não tinha ilusões sobre os homens.
Albuquerque via tudo e atendia a
tudo!
Que exemplo para todas as
gerações! E é desse exemplo que é mister falar na actualidade.
Esta é a razão principal para a
elaboração deste pequeno ensaio – que será a sua eventual mais-valia - já que
não pretende ser uma obra de fôlego, sobre esta grande figura da história dos
portugueses, muito menos uma “obra definitiva”.
Que exemplo pode então ser Afonso
de Albuquerque para os portugueses de hoje, sobretudo para aquelas gerações
completamente arredadas e desconhecedoras da História dos seus maiores?
A História dos países é feita
pelos grandes vultos desses países: os estadistas, os chefes militares, os
jurisconsultos, os filósofos, os artistas, os cientistas, os escritores, enfim
todos aqueles que se destacam positivamente nos diferentes campos e profissões
em que se distribui a actividade humana. Onde se avantajam os santos e os
heróis.
Por todos aqueles que se atêm
aos princípios elevados e â prática do bem.
E também pela qualidade da
generalidade do povo, que vive, trabalha, luta e muitas vezes morre e, quando
devidamente liderado e enquadrado, sustenta os maiores sacrifícios em prol da
pátria comum.
A História não é feita, como
defende o compêndio marxista por lutas de classes; movimentos de massas;
baseado em factores de estipendio económico.
Muito menos por anti-heróis.
Tão pouco explicada e distorcida
por correntes ideológicas; ou orientada por uma pseudo União Europeia que se
esforça em ocultar tudo aquilo que pode dividir os países membros em prol de
uma mestiçagem histórica, postiça, mentirosa e apócrifa.
A História é feita por homens e
mulheres que em função das suas crenças, posição, oportunidade e circunstância,
decidem actuar de um modo e não de outro.
Ora Albuquerque é um paradigma
de tudo isto.
Ele representa uma ideia de vida
com dimensão espiritual; um defensor de causas; um lutador determinado sem
desfalecimentos; a lealdade consciente e lúcida ao seu país e ao seu rei,
apesar de todos os vilipêndios de que foi alvo.
Este homem, da confiança de D. João
II, era uma força da natureza; era culto, era competente e era bravo. Tinha
consciência das suas capacidades – ou seja conhecia-se a si próprio e aos
outros - mas não exorbitava, sem embargo de alguns acessos de cólera que tinha,
que eu diria compreensíveis face a tudo por que passou.
E como disse aquele que foi
provavelmente o maior estadista português de todos os tempos: ”existem santos
entre os homens, mas os homens não são santos”…
Significando a perfeição estar
longe dos humanos.
Uma realidade que todos nós e sobretudo os
legisladores, teimamos em ignorar!
Albuquerque é um exemplo
extraordinário de militar, cujos feitos e actuação nos emocionam, fazem correr
o sangue mais depressa nas nossas veias e nos impelem a saltar da cadeira onde
estejamos sentados!
Ao ler a descrição dos seus
combates percorre-nos uma corrente eléctrica incontrolável que nos põe a
epiderme em “pele de galinha” e nos enche de um orgulho incontido.
Albuquerque gozou do raro
privilégio de ser respeitado e admirado, para além de temido, pelos seus
inimigos (que não os da Corte…).
E um homem cuja memória ainda
hoje é venerada no principal território que refundou, que se manteve 450 anos
português, mesmo 60 anos após a nossa lamentável partida, não pode ser um homem
qualquer.
E tem de ser um homem com “H” maiúsculo e um
homem bom.
*****
Afonso de Albuquerque é, porém,
para a maioria da sociedade moderna e modernaça, uma espécie de anacronismo!
E, todavia, ele representa um
pilar da sobrevivência dos povos.
A Honra, de que as suas barbas
representavam uma espécie de penhor, valia mais do que todas as riquezas do
mundo.
Mas só quem tem o desapego das
coisas materiais e, até da vida – entendida como terrenamente finita – pode
realizar grandes coisas e, mesmo falhando, é invencível.
Só um crente pode comportar-se
assim e Albuquerque era-o. E pertencia à mui nobre ordem militar/religiosa de
Santiago da Espada.
E, caros compatriotas aqui
presentes, nós estamos a necessitar de “ordens” como aquela, como de pão para a
boca.
As Ordens Militares foram
transformadas e depois extintas e substituídas, primeiro pelo absolutismo real;
depois pelos partidos políticos.
Só as ditaduras de
"nuances" marxistas e aquelas dos financeiros capitalistas apátridas
conseguiram e conseguem, ser mais funestas que aquelas!
Ora um país que se esquece, por
ignorância, diletantismo ou má-fé, de evocar, comemorar e exaltar os 500 anos
do passamento desta figura maior da História Pátria, é um país e uma sociedade
profundamente doente e a caminho da auto - destruição.
Que é o caminho que levamos, até
em termos demográficos.
É dos feitos deste nosso ilustre
antepassado provavelmente o maior combatente português de todos os tempos, que
trata este meu livro cuja chegada a bom porto – não podemos esquecer que
estamos numa casa da Marinha - devo agradecer sinceramente e com gosto, à
editora “Nova Vega”, na pessoa do Sr. Assírio Bacelar, à Academia de Marinha,
na pessoa do seu presidente Almirante Vidal Abreu e ao seu Secretário-Geral,
Comandante Zambujo, que operacionalizou a cerimónia, e ao Almirante Vieira Matias,
a quem saúdo especialmente, pela consideração demonstrada, por ter escrito o
prefácio e feito a apresentação.
Desse modo o livro também passou
a ser seu.
A V.Ex.ª que com a vossa
presença, deram o brilho necessário ao evento e que aguentaram firme tudo o que
aqui foi dito e, com a vossa generosidade se espera fazer face aos custos da
edição, o meu muito obrigado.
Como faço anos daqui a dois
dias, creio ter usufruído, por antecipação de uma boa prenda.
E que viva Afonso de Albuquerque!
Muito obrigado.