terça-feira, 1 de outubro de 2013

A INFANTILIZAÇÃO E IMBECILIZAÇÃO DA SOCIEDADE

“Vem por aqui…
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma vida que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí”.
José Régio (Cântico Negro)

As sociedades ditas desenvolvidas, nomeadamente as de cariz liberal e capitalista – o fenómeno começou nos EUA, foi-se estendendo à Europa e já tem nichos um pouco por todo o mundo – estão cada vez mais imbecilizadas. E esta imbecilização começa com a infantilização das pessoas as quais, ao fim de algum tempo de “lavagem ao cérebro”, deixam de se indignar/ou reagir como se fossem retardadas mentais.
Tal facto traz imensas vantagens a quem detém o Poder, com maus propósitos.

O fim do Serviço Militar Obrigatório também contribuiu, sobremaneira para este estado de coisas.
A Comunicação Social tem tido um papel primordial neste âmbito, com destaque para as televisões.

Vou ilustrar com alguns exemplos.
No momento em que escrevo passam nos "écrans", reportagens sobre reportagens sobre o início das aulas. Qualquer síntese noticiosa normal tomaria uns segundos, mas estas “reportagens” arrastam-se por minutos infindos.

As “novelas” são sempre as mesmas anos a fio, a saber: a colocação dos professores (não há, aliás, um único problema que se resolva em Portugal); a saga dos livros escolares e a escolha do material escolar (o que é vertido sobre a escolha das mochilas, as modas e as preferências das criancinhas, são especialmente instrutivas); as “dicas” para aliviar o “stress”, causado pelo regresso à escola, nos jovens – sobretudo a “violência” que é acabar as férias e passar a “trabalhar” – onde se destaca tudo aquilo que vai acontecer pela primeira vez.
Para ajudar em tão ciclópicas tarefas, entrevistam-se umas paletes de sociólogos e psicólogos a fim de darem explicações e conselho, no que fazer em caso das reacções psicossomáticas extravasarem, em todo este interagir.

Todos os anos, a cena repete-se…
Outro exemplo é a prevenção rodoviária. Durante anos e anos gastou-se uma nota preta em campanhas neste âmbito.

O problema é que bem pouco se adiantou, pois os acidentes continuaram a aumentar.
Um dia elevaram-se as multas para níveis dolorosos e, surpresa, os acidentes começaram a baixar!

Acabou-se, entretanto, com a campanha de prevenção restando os conselhos dos agentes do trânsito, os quais são uma espécie de vira o disco e toca o mesmo; invariavelmente resumem-se a “ se conduzir não beba”; “atenção à velocidade”; “não se esqueça do cinto”; “estiquem as pernas de duas em duas horas” e pouco mais.
Imaginação precisa-se, e é necessário ter em conta que um “disco riscado” perde a credibilidade, os potenciais receptores desligam automaticamente da mensagem, quando não se tem resultados opostos aos pretendidos…

Das multas pesadas – a aplicar com critério e discernimento – passou-se para a caça à multa…
A “guerra civil” nas estradas, essa, continua.

Ainda relativamente ao Ministério da Educação – que melhor se chamaria “Torre de Babel”, existe outro exercício de imbecilidade recorrente: os exames, melhor dizendo a lembrança deles.
Ainda que sejam quase a feijões, desabam sobre o comum do cidadão reportagens imensas sobre as ansiedades e os estados de alma das crianças e jovens. E das respectivas mãezinhas.

É espectáculo garantido.
Outro “desespero” são as campanhas sobre a SIDA/HIV, drogados, gravidez juvenil, etc..
Aqui a técnica usada é: explica-me tudo como se eu fosse muito estúpido! Escarrapacha-se o que de mais insólito, reservado e íntimo, possa existir, no éter, demorada e explicitamente. Tudo para que os actos que deviam ser evitados possam ser levados a cabo “em segurança”…

Nada se enquadra, nada se critica, nada se condena; tudo se transforma em casos de saúde pública!
Decorre que, em simultâneo, se publicita – quando não se incentiva – aquilo que são verdadeiras chagas sociais, dando livre curso a que cada um faça o que lhe der na real gana.

Pelos vistos a única coisa que não se pode proibir ou contrariar é o de os cidadãos pagarem impostos. Tirando os muito ricos, que têm sempre ao seu dispor vários paraísos fiscais.
Não há nada pois, como distribuir seringas, preservativos, metadona, linhas SOS e palmadas nas costas. Os totós de serviço pagam!

Quando nada disto – obviamente – resulta, arrepia-se caminho? Adoptam-se medidas legislativas adequadas? Ponderam-se formas de responsabilização pessoal? Faz-se sentir censura social?
Parece bem que não – deve ser contra os direitos do homem ou qualquer coisa parecida – quando as coisas correm mal, alargam-se os “métodos de prevenção”; baixa-se a idade para os mesmos; impingem-se “curricula” escolar sobre os temas; desculpabiliza-se – a culpa é da “sociedade” (que tem as costas largas); fecha-se os olhos à entrada de droga nas prisões (e outras práticas); inventa-se a pílula do dia seguinte e subsidia-se o aborto.

As paradas “gay” multiplicam-se.
O comum dos mortais abana a cabeça, encolhe os ombros e acomoda-se (por vezes desorienta-se…). O processo de imbecilização acabou de fazer o seu percurso.

O “Relativismo Moral”, também.
A tecnologia e a demagogia dos direitos (todos), versus os deveres (nenhuns), têm ajudado à festa. Quando não estão reunidas as condições “ideais”, quase ninguém se sente na obrigação de fazer seja o que fôr.

Quantos dos leitores não entraram já, numa repartição qualquer e viu todos os trabalhadores – ou serão “colaboradores”? – de braços cruzados à espera que o sistema informático retome, por ex.?
E a maior parte dos jovens não se tornou “especialista” em enviar “SMS”; ouvir o “MP3” e fazer “downloads” da internet?

Outro sintoma acentuado de infantilização e imbecilização são as entrevistas com treinadores, jogadores e, até, dirigentes do futebol. Aquilo é um fartote!
A pobreza discursiva, as calinadas, a repetição e o baixo nível da coisa, levaria a que o bom senso e a higiene social e mental recomendassem parcimónia nas doses. Pois passa-se exactamente o contrário.

Enfim, muitos outros exemplos se podem dar, mas não resisto a apontar o que considero ser a cereja em cima do bolo: o tempo!
Passa-se assim: vem um calorzinho maior e logo soam alertas amarelos e laranjas, invariavelmente acompanhados de sábios conselhos que confluem em “não se esqueçam de beber água”; ”usem roupas leves”; “cubram a cabeça”; “não vão para a praia nas horas de maior calor”; “usem creme solar”, etc..

Quando, porém, o frio aperta, disparam os alarmes de sinal contrário, a saber: “usem roupa quente/adequada”; “ingiram bebidas quentes” e outros conselhos de alto coturno, a que se acrescentam os cuidados a ter com as lareiras!
Ou sejam conhecimentos que qualquer criança de 10 anos, há algumas décadas atrás, sabia na ponta da língua e aprendia para a vida…

Pois senhores, num país que tem o melhor clima do mundo tratam-nos, com uma periocidade elevada, como lerdos!
E ainda se diz que um minuto em televisão custa uma fortuna…

Resultado de tudo isto: rios de dinheiro e energia desperdiçados; juventude mal preparada para o rigor da vida; necessidade em ensinar coisas básicas até cada vez mais tarde; aumento das frustrações e desequilíbrios, por via daquilo que é percepcionado e prometido com a realidade da vida e um aumento significativo de todo o tipo de acidentes, taras e absurdos sociais.
Nesta sociedade crescentemente infantilizada e imbecilizada, o grau de independência, varia na razão inversa do aumento contínuo das mais variadas “dependências”, ao passo que a logística e a intendência para sustentar toda esta nova “pirâmide de Maslow” se torna incomportável.

No nosso seio deixou de haver tempo para pensar e refletir: corre-se (foge-se?) para a frente.
Cada vez se cava mais um fosso entre o individual e o coletivo, entre o material e o transcendente.

A falta de perspectiva geral é enorme, afastámo-nos completamente dos ciclos da natureza e perdemos, acentuadamente, a noção da diferença entre o Bem e o Mal.
 
Parafraseando Régio, sei que não vou por aí…

4 comentários:

Anónimo disse...

Sr TC Brandão Ferreira

O tema que hoje nos traz, com o qual não posso estar mais de acordo, trouxe-me à memória um "decálogo" que por aí anda no "Ciberespaço" e que está (tudo indica que esteja)a ser usado como estratégia de vontades particulares na manipulação dos povos.
Reproduzo-o aqui:

O linguista Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação” através dos média.

1. A estratégia da distracção. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distracção, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distracções e de informações insignificantes. A estratégia da distracção é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Esse método também é denominado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reacção no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam sejam aceitas. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise económica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade. Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir. Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

(Continua)

Anónimo disse...

(Continuação)

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade. A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão da sugestionabilidade, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou ração também desprovida de um sentido crítico (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeia entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Levar o público a crer que é moda o facto de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a auto-culpabilidade. Fazer as pessoas acreditar que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema económico, o indivíduo se auto-desvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua acção. E sem acção, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Os meus cumprimentos

Manuel A.

Anónimo disse...

Bom dia!
Gosto dos seus escritos. Esta é mais uma das suas despretenciosas e certeiras exposiçöes que só quem viveu e estudou nos anos sessenta percebe. É pena.
Realmente é aflitivo ver a falta de cultura e descernimento dos nossos atuais politicos.
Após o 25.04 ainda tivemos uns quantos que foram implementando os seus ideais. Hoje tudo é inenarrável.
Pior, o restolho, que ainda se arrasta por aí, só olha para o seu umbigo, e vendo o abismo, mais não faz do que defender o seu espólio, a expensas brutais de mordomias que foram acumulando.

ass. Zé da orla.

Isabel G disse...

Caro Tenente Coronel, excelente análise. Foi um imenso prazer ler este artigo, com cujo conteúdo estou integralmente de acordo!

Não conhecia o seu blogue, mas a partir de agora, vou decididamente visitá-lo com frequência!