terça-feira, 10 de janeiro de 2012

RAZÕES HISTÓRICAS PARA MOTINS MILITARES


Tinham-nos dito, no momento em que deixámos a terra natal, que partíamos em defesa dos direitos sagrados que nos são conferidos por tantos cidadãos instalados lá longe, tantos anos de presença, tantos benefícios concedidos às populações que têm necessidade do nosso auxílio e da nossa civilização”. “Pudemos verificar que tudo isso era verdade e, visto que era verdade, não hesitámos em derramar o imposto de sangue, em sacrificar a nossa juventude, as nossas esperanças. Não lamentamos nada, mas enquanto aqui este estado de espírito nos anima, dizem-me que em Roma se sucedem as intrigas e as conspirações, se desenvolve a traição e que muitos, hesitantes, perturbados, cedem com facilidade às tentações do abandono e aviltam a nossa acção”. “Suplico-te, tranquiliza-me o mais breve possível e diz-me que os nossos concidadãos nos compreendem, nos defendem, nos protegem como nós próprios protegemos a grandeza do império”. “Se tudo fosse diferente, se tivéssemos de deixar em vão os nossos ossos embranquecidos sobre as pistas do deserto, então, cuidado com a cólera das Legiões.”
Marcus Flavinius,
Centurião da 2ª Coorte da Legião Augusta, a seu primo Tertulius

Da análise da História Militar sabe-se que desde os Assírios, os Persas, os Egípcios, os Macedónios, os Gregos, os Romanos, etc., que os motins militares têm origem, fundamentalmente, em três coisas: o não pagamento atempado do soldo (donde deriva a palavra soldado) devido; quando se interfere aleatoriamente na carreira (sobretudo na Idade Moderna) e quando os militares se sentem atraiçoados por quem os tutela.

Foi sempre assim e não se vislumbra (dada a natureza humana), que possa mudar.

Acontece que as numerosas malfeitorias que têm sido feitas à Instituição Militar (IM) e os militares, por parte de sucessivos governos nos últimos vinte e tal anos - o que representa um passivo de problemas acumulado, único em quase 900 anos - vieram, por sorte vária, confluir no actual governo e chefias militares, em que:

- Relativamente ao soldo ainda não deixaram de pagar (embora já tenha havido um atraso de um dia, no ano passado, no Exército), e há mais de 10 anos que a rubrica de “pessoal” é sistematicamente sub-orçamentada, mas fizeram pior, fizeram regredir cerca de 4000 militares à tabela remuneratória de 31/12/2009. Uma coisa inaudita, que certamente nunca ocorreu em nenhum país, nem na “América Latrina”!

E tudo depois de um conjunto de episódios pouco dignificantes cuja origem primeira, foi terem querido meter os militares na tabela salarial da função pública. O que à partida nunca devia passar pela cabeça de ninguém, já que um militar jamais poderá ter um estatuto de funcionário público!

Relativamente à “carreira” - que nos militares adquire uma importância que não tem paralelo em qualquer outra profissão - o actual congelamento das promoções faz com que o decreto-lei 373/73 (que deu origem ao 25 de Abril), pareça uma brincadeira de crianças. Julgo que não preciso de dizer mais nada.

E quanto ao facto dos militares se sentirem atraiçoados, ainda se pode distinguir três vertentes: o “Comandante Supremo” (que aliás não manda nada), que desapareceu, aparentemente, em combate; os governantes que não sabem o que querem, não têm política para coisa alguma, a não ser para os 3Rs - reduzir, reduzir e reduzir - não cumprem leis que aprovam, mudam regras a meio do jogo e têm, numa palavra, destruído paulatinamente uma Instituição sem a qual o País não se sustém; e sentem-se também atraiçoados pelas chefias militares, pois não têm ninguém que os defenda.

Não contentes, porém, em deixar medrar uma das razões que historicamente levam a motins nas forças militares, juntaram-nas todas três, em simultâneo. Convenhamos que era difícil fazer pior em qualquer parte do mundo!

Ora tal só é possível com enorme irresponsabilidade, incompetência, arrogância e muita falta de prudência.

E por terem encontrado pela frente muita gente capaz, disciplinada, com espírito de serviço e de missão, que anda há 20 anos (muito tempo antes da crise) a dar exemplo de contenção de despesas, reorganização e redução que, sem estar isento de erros ou críticas, não tem paralelo em mais nenhuma área do Estado. Mais ainda, apesar dos cortes constantes em tudo, ainda não se deixou de bem cumprir nenhuma missão atribuída, nem se envergonhou (antes pelo contrário) as armas lusas e o País, nos numerosos teatros de operações espalhados pelo mundo, onde marcou presença nos últimos 25 anos.

Não vai ser possível aguentar mais este estado de coisas.

Os contemporâneos julgam, quase sempre, que determinados eventos pertencem ao passado ou só acontecem aos outros.

E, por norma, só descobrem que estão enganados demasiadamente tarde.

10 comentários:

Francisco Rocha disse...

Parabens...

Anónimo disse...

Jean Lartéguy,nos seus romances,
também se refere a este trecho da
carta de Marcus Flavios e acrescen_
ta:"Dedico este livro à memória de
todos os pretorianos que os Césares
fizeram massacrar para não pagarem
o soldo ou para salvarem a própria
vida".
Os "Césares"portugueses e o povo não são,nem foram melhores para os
seus militares:no activo;reformados
e os Veteranos da guerra colonial.
Como modesto e ignorado veterano,
peço respeito e uma"pitada"de memó_
ria por todos nós,em especial pelos
que Lá tombaram e não se envergo_
nhem de nós.
Carlos Nabeiro
Moçambique-ZOT-1968/70.

MEDINA DA SILVA disse...

Uma vez mais os meus parabéns. Sei em como, por norma, apenas muito excepcionalmente responde a comentários, no entanto, solicito a sua autorização utilizar este artigo como base para um outro que me encontro a escrever.
Abraço
Medina da Silva

Anónimo disse...

Não respondi directamente ao BF no g-mail, pois que o assunto merecia um aplauso gráfico, o que só consigo neste programa. Mas respondo agora, acompanhado de parabéns ao autor.
Graça a Deus que nem tudo está capado nesta terra.

Matos Guerra

Anónimo disse...

Meu Coronel:
Permita-me que lhe dê os parabéns pela excelente análise feita neste seu artigo.
Com elevada estima,

José Manuel Pedroso da Silva
Tcor/Ref

Anónimo disse...

Fica o aviso. E bem feito.
Gonçalo Couceiro Feio

Orlando Dias disse...

Congratulo-me por ter lido esta análise sobre a qual me ponho ao seu lado na opinião expressa. Grato por haver ainda pessoas que dizem o que pensam.

Jorge Silva Paulo disse...

Caro Coronel Brandão Ferreira,
Discordo da sua análise e deixei um comentário no blog "A Voz da Abita", onde o seu texto foi também colocado.
Discordo, mas defendo que é um debate que merece ser feito. Nesse sentido, felicito-o por o suscitar.
Não o coloquei aqui, porque é um direito seu não querer aqui posições divergentes das suas (conheço blogues onde isso acontece). Mas como costumo dar a cara pelo que penso e faço, se mo disser, posso copiar e colar aqui o meu tal comentário.
Os meus cumprimentos,
Jorge Silva Paulo
CMG ECN RES

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... com a devida vénia, e no intuito de contribuir para a discussão pública do tema, reproduzo 'ipsis verbis' o conteúdo de email,¹ que pessoa amiga teve a amabilidade de me dar a conhecer:

--«quote»--
- «Acabei de ler este artigo muito interessante do Brandão. Do seu texto permito-me no entanto extrair e salientar o seguinte:
1- No que respeita ao dec-lei 373/73 o seu repudio no meio militar foi de facto enorme e o seu impacto foi ter originado uma indignação generalizada ao ponto do poder politico de então ter recuado não avançando conforme previsto. Os políticos de então tiveram mais pudor do que os politiqueiros de agora ( ver e anexo a reacção e o Gen Sá Viana Rebelo em Mafra ...)...
2- Acontece no entanto que, passados todos estes anos e fundamentalmente pelo facto dos politicos "democratas" da A.R. terem tido o despudor de 27 anos depois voltarem a insistir no assunto aprovando inclusivamente contra o parecer do MDN de então, Castro Caldas, que através de oficio propositadamente dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares alertava que para além de outros inconvenientes, a aprovação de tal lei seria geredora de novas injustiças e de possivel instabilidade no meio militar... Os "tribunos" de então borrifaram-se para o alerta e por maioria significativa aprovaram a lei 15/2000, através da qual os Oficiais oriundos de milicianos viram a sua antiguidade de Alferes reportada à data em que tinham sido promovidos a Alferes Milicianos! ( casos houve em que se ganharam mais de 10(dez) anos de antiguidade ) !!!... Um espanto!
3- Na realidade talvez só não tenha causado grande impacto fundamentalmente porque uma parte significativa dos indignados de 1973 foi préviamente seduzida, aliciada e "engodada" com a aprovação no ano anterior da lei 43/99 ( garimpeiros) à qual se candidataram de imediato muitas centenas de candidatos a garimpeiros. Uma autêntica "corrida ao ouro" como dizia o MS.
Muitos casos também houve em que militares tiveram o despudor de jogar com uma dupla candidatando-se de imediato e simultâneamente a ambas as leis ( como é óbvio foram muitos dos oriundos de milicianos ), alegando numa que tinham sido Alf Mils muito antes de terem sido Alf QP e na outra que tinham sido prejudicados por terem participado no "processo" onde tudo passou a caber, mesmo aqueles que do 25 de Abril souberam sómente o que os OCS anunciaram no próprio dia...
4- Em conclusão o impacto e o repudio em 1973 foram enormes e só não o voltaram a ser em 2000 porque a grande maioria daqueles que "abicharam o garimpo" por razões óbvias deixaram a bom rigor de se poder indignar com tudo o que respeite a questões militares nomeadamente com tudo o que sejam questões de carreiras... Para além disto, como os militares já se habituaram a ser como que os bombos da festa já pouco ou nada reagem aconteça o que lhes acontecer...
Finalmente reitero uma vez mais ao Brandão a sugestão de que aprofunde e escreva sobre o escandaloso caso dos garimpeiros. Para tal, se necessário terá o processo à sua disposição. Relembro que a última vez que tal sugeri, uma vez mais sem sucesso, foi pessoalmente, há dois dias atrás, no jantar anual da Academia Militar... »
--«unquote»--
¹ (jacdmousinho, 15Jan2012 03:47)

Marco Moura disse...

Uma casa-mãe que não reconhece aos filhos que por ela lutam e arriscam (e muito!) está perto do desabamento...
O Exercito Português, como guardião supremo da vida dos portugueses, honra e responsabilidade maximas, não pode ser orfão de um injusto "esquecimento" da sociedade civil.
Tanto as Forças Armadas como a maioria dos civis portugueses têm sido vilipendiados há demasiado tempo...
Mudando um pouco a famosa frase do Churchil : nunca tantos foram subjugados por tão poucos... fenomeno global, não só nacional.
Os meus parabéns por um bom artigo que, penso, reflete um certo espírito que anima ou desanima o conjunto das Forças Armadas. Reflecte também a injustiça, a estupidez, a negligencia, daqueles que mais poderiam fazer por Portugal (e claro está pelo Exercito Português) , e que pouco fazem, senão nada.
Que os militares se unam para defenderem os seus direitos, reclamando decência no reconhecimento devido, é para mim indiscutível quanto necessário.
Mas também me pergunto, e se aqueles que tem o Poder, acordassem e restituíssem os devidos direitos e reparassem as faltas (soldo, compensações, carreira, legislação,reconhecimento) para com os profissionais das forças armadas o que aconteceria á "cólera das legiões"?
Poderiam os militares regressar contentes ás suas "casernas" sabendo que muitas outras faltas estariam por reparar sobre o conjunto dos cidadãos portugueses (especialmente os mais fracos)?
Pior, tornar-se-iam um dos braços das forças corruptas opressoras que grassa em Portugal, quando os seus cidadãos se atreverem a dizer e fazer Basta?
Urge um maior dialogo e concertação de objectivos entre as forças militares e civis que ousam, sublinho o ousam devido aos tempos que correm, acreditar no nosso País.
Não esqueçamos os tempos pretéritos em que a união fez a força, verdade tão actual, que se tornou nestes dias certeza incontornável.
A mesma união, que mesmo que seja de um punhado, pode fazer a diferença para Todos. Assim se escreve o Presente que será um dia, História.

Esta opinião é da minha exclusiva responsabilidade, Marco Moura, Antropologo e Cidadão Português, para quem também não é vã a palavra Pátria.