terça-feira, 24 de janeiro de 2012

MILITARES DEPOIS DO EXAME DE CONSCIÊNCIA, A ACTUAÇÃO

Mouzinho de Albuquerque
“Porque ser soldado não é arrastar a espada, passar revistas, comandar exercícios, deslumbrar as multidões com os doirados da farda - ser soldado é dedicar-se por completo à causa pública, trabalhar sempre para os outros”…”É assim que, por mais que espíritos desorientados tenham querido obliterar as tradições d’honra do Exército, a profissão entre todos nobre, foi, é e há-de ser sempre a militar…”.
Mouzinho de Albuquerque
(Carta ao Príncipe Real D. Luís Filipe)

É como se estivéssemos numa missa: exame de consciência feito[1]; segue-se o assumir da condição de pecadores - a fim de participarmos nos santos mistérios (o Culto da Pátria e o Dever Militar), de alma lavada, imbuirmo-nos da Fé (as virtudes militares) e partirmos para a acção… A eucaristia é, também, pôr em comum. Aqui vai.

Dois pontos prévios: muitas pessoas interrogam-se sobre o que fazer e como fazer. Não tenho respostas concretas para cada um, pela simples razão de que cada um de nós é diferente, tem uma visão diferenciada das coisas e sente diferente. E cada homem, como bem dizia Ortega y Gasset, é o homem e a sua circunstância.

Quem está em funções de responsabilidade tem que actuar - segundo as suas crenças e as regras e valores em que se move e foi formado e as suas capacidades. O Comandante do Costa Concórdia actuou de uma maneira (por sinal, inadequada e inaceitável – que qualificaria como o “ar do tempo”); outros fariam de modo diferente. Pode-se apenas elencar hipóteses e discuti-las em termos académicos. Já lá iremos.

O outro ponto tem a ver que o que vamos sugerir nada ter a ver com qualquer acção armada, golpe de estado ou “quartelada”. Não que uma eventualidade destas deva ser posta de lado a 100%, mas porque a mesma só deve ser encarada em último recurso, quando a situação política e social for de caos, incontrolável de outra forma. Ou seja quando as FAs (se ainda existirem como tal), forem o único recurso para salvar a Nação de si própria.

Entre 1817 e 1974 apenas divisamos duas situações (e meia) - das várias havidas - em que tal se justificou. É o que acontece sempre que não se antecipa ou resolve os problemas atempadamente.

Com isto dito, é mister afirmar uma outra coisa: na natureza humana coabitam três coisas, aquilo que se pensa, aquilo que se diz e aquilo que se faz. É muito pouco usual que as três coincidam… Ora esta prática é levada ao extremo na vida política.

Seria bom que os militares começassem por marcar a diferença neste particular, ou seja deve fazer-se o que se diz e dizer o que se pensa. Este tem sido a pedra de toque do mau relacionamento político-militar.

Ainda uma última coisa: as chefias militares têm que conseguir e saber conduzir-se entre várias “lealdades”, a saber: devem lealdade ao governo que os indigita (e resta saber hoje em dia os compromissos que, eventualmente, acordam com o MDN para serem escolhidos para futuros chefes…); devem lealdade ao PR que os nomeia; devem lealdade à Instituição Militar, que está antes deles e para além deles, devem lealdade aos seus pares, como camaradas de armas; devem lealdade às tropas pois só assim se manterão os elos de coesão da grande família militar e se poderá ter uma força armada que se bata bem e, também, porque eles estão na primeira linha dos sacrifícios que podem derivar de uma ordem sua; finalmente devem uma lealdade maior à sua Nação, donde emanam e cuja Defesa justifica a sua existência.

Não é fácil, mas tem que ser conseguido. Exige muito saber e muito carácter.

Com este pano de fundo vamos elencar várias modalidades de acção passíveis de serem usadas, quando a situação exige medidas excepcionais. Escusado será dizer que vivemos um desses momentos, já que a Segurança Nacional está em perigo; a sobrevivência das FAs está em causa e a sua dignidade e operacionalidade foi gravemente afectada.

Em primeiro lugar nenhum chefe militar deve fazer algo isoladamente. A união faz a força.

Não vale a pena um qualquer chefe militar demitir-se (embora razões de consciência o possam justificar). A fazerem-no deve ser em bloco e de preferência com a garantia de que ninguém irá ocupar o lugar a seguir (já aconteceu em França); é preferível que vão à luta do que abandonar o barco, como o Comd. Schetini.

Outra modalidade é apresentarem-se os quatro (de preferência com os Conselhos do Ramos atrás) ao Presidente da República e afirmarem a situação como insustentável e intolerável.

Os chefes militares dão uma conferência de imprensa e expõem a situação ao país.

A imagem e a autoridade do Estado não ficam em causa, pela simples razão que o Estado não tem autoridade há muito; a única coisa que ainda faz é passar multas de trânsito e cobrar impostos (o que duvido vá conseguir fazer por muito tempo). Se dúvidas houvesse basta reparar termos por aí engravatados que deambulam por baixo das arcadas orientais do Terreiro do Paço e não são turistas. A falta de vergonha é tanta que se fala deles (a Troika) como se estivéssemos a combinar tomar um chá. Ainda não vi, também, ninguém com responsabilidades militares, incomodado com o facto. Nem quando mandaram cortar 10.000 homens aos efectivos. Eu sinto-me violentado, vocês não?

Outra modalidade de acção é o de propor um referendo nacional sobre a existência ou não de FAs. Não podemos andar constantemente a brincar com coisas sérias.

Por outro lado se não há dinheiro para tudo, não se podem manter todas as capacidades ou cumprir todas as missões definidas. Mas isto tem que ser assumido pelo Poder Político e não dirimido pelos chefes militares, que se devem limitar a dar a sua opinião técnica e estratégica.

E tem que ficar preto no branco de quem é a responsabilidade, para um dia em que algo corra mal, as culpas não serem atiradas (como é costume) para cima dos militares. Paralelamente convém ter informação fidedigna das “contas” dos outros ministérios e daquilo que se tem (mal) gasto para esfregar na cara dos senhores políticos. Isto de ser só a tropa a ter que dar o exemplo, já chega!

Senhores generais e senhores almirantes, toda a gente sabe que os tempos são de crise (são quase sempre….), que tudo é difícil e complexo, mas a questão é esta: passar a vida a fazer memorandos e informações mais ou menos violentos, cujo destino é a gaveta ou o cesto dos papéis, está demonstrado ser curto e não fazer mais nada, deixou de ser opção.

Façam algo antes que tudo piore e, por favor, discutam, desentendam-se, andem ao murro, mas para fora falem a uma voz.

Quando se colocou a questão do regime (República ou Monarquia), os vossos antecessores, deixaram a Carbonária infiltrar e subverter os quartéis (sobretudo a nível de sargentos e cabos), e quando houve tiros nas ruas, baralharam-se (para não dizer mais) e deixaram cair a Monarquia duma maneira muito pouco compatível com o Dever Militar.

Mesmo com o caos nas ruas - que culminava uma guerra civil de 100 anos - foi preciso serem os tenentes a empurrarem os generais da altura, para fazerem o 28 de Maio; e quando se chegou a 1974, deixaram-se ultrapassar completamente pelos capitães. Isto para só falar destes três casos.

Ao menos tentem aprender com o passado.

Já não seria nada mau.[2]





[1] Dois artigos anteriores.
[2] No próximo; o que as tropas podem fazer.

1 comentário:

Zé Quintão disse...

Caros militares:
Hoje quem se misture e saiba ouvir os populares, sabe bem o que eles pensam sobre os seus militares, de quem dizem ser patrões, porque lhes pagam os ordenados através dos impostos. Nos idos anos 80, sempre que havia uma greve, ouvia-se frequentemente dizer em tom de desabafo: " brinquem, brinquem que o governo faz uma requisição civil e a brincadeira acaba-se, os militares põem já os comboios a andar " Denotava isto, a prossecução das forças armadas portuguesas, para manter o país a funcionar contra todas as contrariedades de múltipla natureza. Os militares eram na verdade sentidos como o baluarte de competências funcionais, morais e éticas de toda uma nação, apesar dos episódios anteriores. Os militares eram o complemento da Nação sempre que ela adoecia ajudando o país tal como a constituição previa, no seu desenvolvimento e progresso. Pouco a pouco a instituição militar foi arredada dessa cooperação obrigatória, para se assumir eventual, conforme conveniências obscuras e que um artigo sobre incêndios neste blog já retratou perfeitamente e apesar das interrogações perpetuadas nas mentes da sociedade civil do porquê dos militares deixarem o país a arder. Há décadas a esta parte, as chefias deverão ter tido dificuldades crescentes para gerir um país, que acha que seus cidadãos não têm qualquer dever patriótico em servir a instituição, onde as barreiras físicas territoriais e os espaços efectivamente soberanos não são discerníveis, nesta globalização que nos impõem. As forças armadas não se terão tornado reféns de missões, que unicamente projectam uma fraca política externa do país em detrimento da salvaguarda e preservação dos nossos recursos e portanto aqueles mais caros ao povo, no contexto de uma das maiores zona económicas exclusivas da Europa (Z.E.E.) que é a nossa? Poderá não ser bem assim, Portugal tem de se fazer ouvir internacionalmente, mas esta conjuntura acaba por estabelecer o tal divórcio entre a Nação e as forças armadas, especialmente na vigência de crises onde tudo é questionado e odiado. Os militares não se deveriam confundir com os empregados políticos.O silêncio poderia ser de ouro se a instituição militar projectasse uma imagem de sustentabilidade em todos ou quase todos os aspectos. Não seriam capazes as Forças Armadas de se susterem através de um laborioso aproveitamento dos recursos, onde se englobam a sua área de implantação (terrenos aráveis, áreas piscícolas, floresta) aliado ao seu potencial humano? Não deveriam ser as Forças Armadas o exemplo e garante do funcionamento de um país, sem dependências exteriores pelo menos na soberania alimentar? Que aconteceria à generalidade dos quartéis se não forem abastecidos de comestíveis durante 3 dias? Repete-se a história com a Deuladeu Martins em Monção? Esta dependência a 100% da Instituição Militar das empresas do exterior não é a sua maior vulnerabilidade? E se os víveres não entrarem à porta de armas todos os dias? Com as superfícies expostas à radiação solar e à atmosfera, que as unidades têm, não poderiam os militares dar lições à sociedade civil nesta questão de aproveitamento de energia e água precipitada, libertando assim verbas para a missão operacional?
O Outsourcing tem razão de ser em determinados aspectos? E as limpezas? Sou do tempo que as limpezas ajudavam a crescer os militares na disciplina e coesão. Será digno para um militar, um civil estar a limpar o que ele sujou? A arrumação e limpeza da casa militar não deveria ficar entre os militares? O militar na sua essência não suja e se sujar deve limpar...É que certas empresas que trabalham para os militares, são na certa cavalos de Tróia que por lá se introduzem.
Acredito que a Instituição
Militar, pode demonstrar que os militares se regulam por valores díspares daqueles que esta sociedade civil persegue e não sabe porquê...