OS DEBATES (E NÃO SÓ) DA CAMPANHA ELEITORAL
30/1/21
“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se
Publique. Tudo o resto é publicidade”.
George Orwell
Foram de uma
pobreza confrangedora que, por vezes, roçou o vergonhoso. Como aliás tem sido
apanágio de todas as campanhas eleitorais anteriores, extensivas às
autárquicas, legislativas e europeias. Já lá iremos.
Se vivêssemos em
Monarquia, regime a muitos títulos superior à República, toda a população seria
poupada a estas eleições que, no nosso caso, se repetem cada cinco anos, com o
transtorno, o desgaste e a despesa que acarretam.
Infelizmente a
discussão sobre o modelo monárquico ou republicano está morto em Portugal, como
aliás quase todos os problemas realmente importantes da nossa vida individual e
coletiva. A actual Constituição da República (CR) proíbe até (muito
democraticamente) que a sua revisão não possa ter outro cariz que não seja a
forma republicana de governo (Art.º 288, b).
Não vou agora argumentar ou sopesar, as
vantagens da Monarquia pois o objectivo do escrito é outro mas deixo o registo;
tão pouco entrarei na análise dos resultados havidos e assaz previsíveis e já
feitos à exaustão, por inúmeras personagens, a não ser para referir que não faz
sentido nenhum um PR ser eleito com uma abstenção superior a 50% dos votantes.
Eis um ponto (entre tantos) em que a CR devia ser revista. E, ainda, para dizer
que os portugueses emigrados foram nestas eleições ainda mais discriminados do
que nas anteriores.
A actual CR (já
revista cinco vezes), que a grande maioria da população certamente nunca leu,
nem tem ideia do que lá está (sem embargo, votam) especifica no seu Titulo II
(artigos 120 a 140), o que diz respeito ao Presidente da República (PR) –
lembra-se que o que está consignado na CR configura um regime/sistema semipresidencialista.
Por ter interesse
ao que vimos, respingamos algumas das “prescrições” nela (CR), vertidas.
Logo no Art.º 120
se define que “o PR representa a República Portuguesa, garante a independência
nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições
democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”.
Retira-se do
artigo seguinte que o PR é eleito por sufrágio universal dos cidadãos
portugueses, incluindo os emigrantes, sendo que o voto no território nacional é
presencial.[1] E quanto
a elegibilidade retira-se (dos Art.º 122, 123 e 124), que esta está reservada
aos portugueses de origem (ou seja, não naturalizados) maiores de 35 anos e que
consigam ser propostos por um mínimo de 7.500 concidadãos, até 30 dias antes da
data marcada para as eleições, perante o Tribunal Constitucional.
O PR só pode ser
reeleito para um segundo mandato consecutivo e se renunciar ao cargo só poderá
recandidatar-se após 10 anos de nojo.
O candidato será
eleito (Art.º 126) à primeira volta se conseguir metade dos votos validamente
expressos, mais um (não se considerando os votos brancos). Se tal não ocorrer
haverá uma segunda volta, onde apenas concorrerão os dois candidatos mais
votados.
No caso de
investidura (Art.º 127) faz a seguinte declaração de compromisso: “Juro por
minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender,
cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”. Não se sabe o
que acontece caso o futuro presidente for falho de honra…
O Art.º 129
estabelece que o PR não pode ausentar-se do território nacional sem o
assentimento da Assembleia da República (AR) ou da sua Comissão Permanente, se
aquela não estiver em funcionamento (excepção se a deslocação não tiver
carácter oficial, de duração não superior a cinco dias, no que apenas é
obrigado a dar conhecimento ao Parlamento). Como ninguém fala nisto deduzimos
que não passa de um proforma e a autorização é tácita e permanente…
Quanto à
responsabilidade criminal do PR (Art.º 130) este responde perante o Supremo
Tribunal de Justiça, por iniciativa da AR, sob proposta aprovada por dois
terços do hemiciclo. Por crimes fora do âmbito das suas funções o PR só
responde perante os tribunais comuns, após o término do seu mandato.
Pode o PR, porém,
renunciar ao mandato (Art.º 131), por simples comunicação à AR. Por impedimento
temporário (Artº132) assume a função o nº dois da hierarquia do Estado, ou seja
o Presidente da AR.
Os artigos 133,
134, 135, 136, 137 e 138 descrevem as competências do PR (incluindo as do
âmbito internacional), que não são tão poucas quanto isso, e o relacionamento
com os outros órgãos de soberania. Ora é para o desempenho das funções
descritas nestes artigos da CR, que a população se pronuncia através do voto,
na escolha dos candidatos que se apresentam a sufrágio (no que já vimos a
grande maioria dos eleitores não está habilitada a fazer com conhecimento de
causa, pois nem sabe ao que vai e não é numa curta campanha eleitoral que vai
conhecer a totalidade dos candidatos, a não ser que os mesmos já tenham do
anterior larga exposição pública).
A situação
poderia (e deveria) ser minorada obrigando os candidatos a um escrutínio mais
alargado e apertado, sendo ridículas as imposições estabelecidas e que
relembro: ser cidadão português de origem (também era o que faltava…); ter mais
de 35 anos e conseguir convencer 7.500 maduros a darem-lhe o seu apoio (como se
teria chegado a este número?). Nem sequer um registo criminal limpo é exigido!
Bom, mas com
tanto para discutir objectivamente e apresentar propostas ou enunciar como se
dispõem a cumprir o estabelecido, no âmbito do que está em jogo, o que se
passou nesta campanha eleitoral (como de resto, nas outras, reforça-se)
elucida-nos pouco, para não dizer quase nada.
Ainda se ouviu o
candidato Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) - nem sempre fácil de distinguir do
Presidente MRS – defender o regime semipresidencialista – de uma forma
enviesada e peca, aliás – não estivesse ele ligado à elaboração e aprovação da
actual CR, em contraponto à defesa (também ela peca) do regime presidencialista
defendido pelo Candidato André Ventura (AV); os ataques a este último, vindos
dos candidatos mais à esquerda do espectro político por causa de querer (e bem)
mudar a CR, apesar de apenas muito parcialmente, lhe desferiram, não na
substância, mas usando uma argumentação idiota, querendo confundir o
cumprimento do que está, com a licitude de propostas de mudança (já houve
cinco, relembro, e não foram a meu ver as mais adequadas – lembro por ex. o fim
dos tribunais militares; o fim do Serviço militar obrigatório e, sobretudo o
que diz respeito à legislação no que concerne à União Europeia).
Registe-se ainda
os ataques descabelados ao candidato AV – como se atrevem a negar-lhe legitimidade
para se candidatar, face à lei em vigor? – que chegaram ao ponto de haver
outros candidatos ao lugar (neste caso elas) de terem o supino despautério de
afirmar que se para isso tivessem autoridade não lhe dariam posse caso ele ganhasse!
Bem reza o ditado popular, se queres conhecer o vilão, dá-lhe um pau para a
mão…
Ficámos ainda a
saber (enfim já sabíamos) que os simpáticos liberais apenas se distinguem do
BE, por serem a favor da economia de mercado, aquilo é mais ou menos uma
espécie de cada um faz o que quer. Convinha ter havido alguém que lhes
lembrasse que a grande desgraça de Portugal começou justamente pelo ocorrido
após a Revolução Liberal de 1820, a que o Professor Salazar e o “Estado Novo”
conseguiram interromper durante 40 anos. Porém, não foi suficiente para se
aprender…
A bandeira da
regionalização – mais um crime de lesa Pátria – lá foi levantada pelos do
costume, mas nenhuma ideia conclusiva também surgiu, enfim, como em tudo o que
se discutiu.
Aliás o que está
consubstanciado no Art.º 120 (agradeço que vão atrás reler), constitui a súmula
mais importante dos deveres do PR, mas não se ouviu nenhum dos candidatos
formular qualquer declaração de como os pensa personificar. Pelos vistos
“selfies”; apaparicamento das massas; sorrisos; generalidades e culatras e
(novidade) querer meter-se em tudo, sem se meter em nada, parece ser uma
receita suficiente q.b..
Pelo meio
assistiu-se a atropelos e insultos gratuitos (e inadmissíveis), entre
candidatos; falta de educação; discussão sobre coisas perfeitamente acessórias,
ou que são da competência de outros órgãos; fixação feérica em assuntos do dia
- a - dia, ou da conjuntura – de que o “covid” foi o melhor exemplo – mas
nenhuma ideia que fixasse princípios perenes; eixos da política externa;
estratégia futura ou visão para lá do horizonte. Também não se vislumbrou
nenhuma ideia de, ou, para Portugal. Tudo pequenino e mesquinho.
A maior parte dos
problemas reais e graves do País, como a diluição acelerada da sua soberania; o
crescimento do Relativismo Moral; a dívida descomunal; a corrupção desenfreada;
as falhas do sistema político; e Economia sem rumo; a ausência de Estratégia
seja para o que for; a impreparação geral e a falta de meios (e sobretudo de
querer), afectos à Segurança e Defesa Nacionais; a falta de Autoridade e
Hierarquia que é transversal a toda a Sociedade e ao Estado (só comparável ao
nível de corrupção existente); a estagnação pantanosa da Justiça; a miserável
(não por falta de meios…) situação do Ensino, incapaz de formar cidadãos
capazes, nas suas diferentes vertentes; a Demografia suicidária junta com a
cultura da morte, do feio e do bestial; a migração descontrolada, de mãos dadas
com a criminosa lei da nacionalidade; o irresponsável (para ficarmos por aqui)
comportamento da Banca e seus reguladores; as escabrosas “causas fracturantes”;
a sujeição a órgãos nacionais e estranhos, sem rosto e que ninguém elegeu, ou
nomeou, etc.. Um etecetera enorme que até doí. De tudo isto, que compromete
gravemente o futuro da Nação Portuguesa, não se ouviu praticamente nada.
Deste modo o que
sobressaiu desta campanha eleitoral foi a candidatura frustrada de um não
candidato: o Tenente Coronel Eduardo Babtista, o qual apesar de só ter
apresentado a sua candidatura com 11 assinaturas conseguiu que o seu nome
aparecesse à cabeça nos boletins de voto, sem que o seu nome tivesse sido
validado pelo TC, e mesmo assim teve cerca de 5.000 votos…
Tenha este
episódio a importância que tiver, ele não deixa de ser parte da actual
fotografia do Regime Político que existe em Portugal.
Não haver nenhum
candidato sem ser oriundo ou apoiado, por Partidos Políticos – a organização
política mais incompetente e ordinária, alguma vez inventada – não ajuda nada.
O medíocre e pouco isento comportamento, da generalidade da Comunicação Social
(comentadores incluídos), faz o resto.
É a espuma do tempo,
é cómodo, mas nem sequer é democrático. E, seguramente, não é sério.
João José
Brandão Ferreira
Oficial Piloto
Aviador (Ref.)
[1] Á
atenção do Sr. Miguel Sousa Tavares, vide o inominável comentário que teve o
topete de fazer na TVI, em que defendeu que não se devia facilitar o voto dos
emigrantes, por estes, segundo ele, votarem maioritariamente à direita
(eufemisticamente, “votarem ao contrário do sentir da maioria dos portugueses
cá residentes”). Só com um pano encharcado na cara…
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