A PROPÓSITO DE UM
LIVRO E DE UM PROCESSO
28/8/19
“As ideias são muito mais
poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas,
porque deveríamos permitir que tenham ideias?”
Josef
Stalin
Só
agora dei conta (através do “Youtube”) que na apresentação do livro “Direito de
Ofender: a Liberdade de Expressão e o Politicamente Correcto”, da autoria de
Mike Hume, ocorrido em 20 de Julho de 2016, já lá vão três anos, foi referido
um facto em que fui um dos protagonistas, sem que o meu nome fosse citado.
De
facto no debate propositadamente organizado pela Editora “Tinta-da-China” para
debater a questão da liberdade de expressão e seus limites, em que participaram
o jornalista e comentador Daniel Oliveira, a jornalista Fernanda Câncio e o
humorista, escritor e também comentador Ricardo Araújo Pereira, há uma hora e
vinte e cinco minutos de conversa, este último resolveu surpreender a audiência
com a seguinte frase: “Por exemplo, o Manuel Alegre (MA) processou uma pessoa,
aliás ganhou um processo contra essa pessoa, por lhe ter chamado traidor. O
tribunal condenou, por considerar que não se chamam nomes a este senhor, que
era candidato a PR; se eu fosse o MA, na boca daquele senhor, eu punha ao peito
(porque ele disse que o MA falou na rádio, foi exilado e foi contra a guerra),
eu punha ao peito, acho óptimo”.
Aí
interveio o senhor Daniel Oliveira (DO) que replicou: “Estás enganado, o senhor
não foi condenado por ter chamado traidor, o senhor foi condenado por ter
mentido sobre o passado de MA, o que é difamação, foi por isso que foi
condenado; e tu concordas – até o autor do livro concordou – que a difamação é
crime; dizer coisas que são factualmente falsas, sobre a vida de alguém e sobre
o passado de MA, foi por isso que ele foi condenado”. E continuou: “Eu por
exemplo sou contra toda a condenação por insulto; é a minha posição, não sou em
relação à difamação”. Eu chamei palhaço ao Alberto João Jardim e fui condenado,
mas os factos estão do meu lado.
Chegámos a uma plataforma de entendimento”.
Não
cheguei, porém a perceber se chegaram a entendimento ou não…
*****
Como
a “ex - amiga” do “agente técnico” Sócrates, sobre o assunto, aos costumes
disse nada, vou deixá-la fora da contenda. O que não deixa de ser um alívio.
O
senhor Ricardo Araújo Pereira (RAP), de conhecidas convicções
comunistas/marxistas, embora depois de ter provado o fel, teve o bom senso de se
despedir do PC (P), deve porventura ser considerado um libertário ou uma
espécie de anarca à procura de identidade, entende, em síntese, que o cidadão
MA além de não se dever incomodar com o que a minha pessoa lhe terá chamado (“traidor”),
devia era colocar tal frase ao peito e considerá-la um elogio. [1]
RAP
Já provou ser um moço inteligente e culto mas desta feita, falando sério sem
estar a fazer graça, foi apenas esperto. Chico - esperto.
Eu
devo com isto estar agradecido em parte a RAP já que, considerando ter eu
expresso uma opinião – demais desfavorável ao quase eterno deputado MA – não
deveria ter sido condenado…
No
fundo, segundo ele, MA devia ter ignorado o caso dando uma de superior e de
desprezo e coleccionava uma medalha…
Não
uma rodela (medalha) de cortiça, material extraordinário com que a natureza
bafejou os humanos, mas com uma carica enferrujada da ordem proletária da
tristíssima figura…
Mas
MA, personagem mais calejado que o graçolas, entendeu que o assunto era sério
(e por acaso até é, como a maioria dos portugueses ainda não prostituídos pelo
relativismo moral e a demagogia político/partidária/ideológica, sabe) e fez-se
de vítima como uma (falsa) virgem ofendida.
De
facto MA devia ter sido identificado, questionado, arguido e julgado (e já
agora muitos outros) quando pisaram a terra lusa, após o 25 de Abril de 74,
sobre o que andou a fazer e a dizer por esse mundo.
Mas
como naqueles conturbados tempos – que os três chamados ao debate não
presenciaram, pois ainda há pouco tinham saído do estádio do espermatozoide que
tenta fecundar o óvulo - não havia rei nem roque e nunca se julgou ninguém (à
excepção de um tribunal revolucionário que intentou julgar o Almirante
Tenreiro, por acaso ilibado, mas ainda assim expulso da Marinha…).
Daí
que os eventuais crimes de MA (e de outros, muitos) nunca tenham sido aferidos
judicialmente, tendo entretanto prescrito.
Mas
a vida, sabe senhor RAP, é tramada e deixa na memória do povo, muitas coisas do
passado, que os historiadores honestos colocarão nos livros de História, se a
documentação existente for preservada e não destruída como é prática corrente
nas ideologias das correntes totalitárias de que aparentemente foi, mas já não
é, apaniguado.
Vamos
agora ao senhor DO que, pelos vistos continua um empedernido caceteiro
bloquista. Quis ele ser mais inteligente (desta vez) e, por uma vez, cauto.
Ao
ver os caminhos “apertados” em que o seu colega de mesa se estava a meter veio
em auxílio do Vate só que, não estando certamente por dentro do processo,
tornou-se cómico. Sem ter graça.
Ora
eu não fui condenado por ter mentido – e nada do que eu disse (ou o meu
advogado por mim) é, ou foi mentira, o que ficou provado sem sombra de dúvidas
na 1ª instância (que é onde se faz a produção da prova) e também no primeiro
acórdão do Tribunal da Relação que me deram razão.
Não
ficou provado que ele (MA) era traidor pois não eram as acções dele que estavam
em causa (tinham até prescrito), mas sim a minha opinião em que essas acções
configuravam um crime de traição à Pátria (conforme aliás os códigos penais
referem),era lícita.
Os
juízes tiveram até o extremo cuidado em não tocar na questão da factualidade do
crime de traição à Pátria, mas de apenas considerarem todo o caso no âmbito da
liberdade de expressão, de que tinham basto respaldo, aliás, em termos de
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Acabei por perder o processo, na
secretaria, como soi dizer-se, por causa de um pormenor burocrático o que
originou, pela demora introduzida, que o juiz relator que detinha o processo,
se jubilasse e o seu adjunto (que seria o juiz natural) fosse substituído,
quanto a nós ilegalmente. Facto que o Tribunal Constitucional (um tribunal
essencialmente político) mais tarde e incompreensivelmente, se negou a avaliar.
Acresce a tal, que o juiz que
veio a ser o novo relator (e cujo processo de escolha está coberta pela
confidencialidade com que é feita) gozar da fama de ser próximo do PS (tendo
sido designado para várias “comissões” fora do âmbito judicial, como consta do
seu CV); ser usual utilizador de “avental”; sendo aventado na imprensa a
possibilidade de ser escolhido para ministro da Justiça no início do actual
governo, o que não terá acontecido, segundo a mesma imprensa, por ter sido
equacionada a possibilidade de vir a ser constituído arguido num processo
mediático em investigação na PGR.
Este juiz fez tábua rasa de
tudo o que tinha sido provado e decidido nos dois anteriores acórdãos e
produziu um novo acórdão 180º desfasado com os anteriores. Vá-se lá saber
porquê.
Tudo acontecendo dentro da
mesma secção do Tribunal da Relação (ou seja todos colegas bem próximos).
As duas “aclarações” solicitadas
foram apreciadas pelo mesmo juiz, o que é prescrito em termos processuais,
mesmo incorrendo no dito popular de que “ninguém é bom juiz em causa própria”…
E como existe (se calhar bem) a
sacrossanta trilogia dos três “Is” (irresponsabilidade, imputabilidade e
inamovibilidade) imputadas aos senhores magistrados, não há apelo nem agravo.
Só a nível do Conselho da
Magistratura tal caso pode eventualmente ser avaliado (o que seria raro) mas,
obviamente, sem qualquer repercussão na pena aplicada.
Perante isso senhor DO fará o
favor de retirar o epíteto de mentiroso com que me brindou, pedindo ao
cavalheiro RAP que tenha um momento de lucidez e não considere o que se passou,
na coluna do haver (se é que alguma) do “citoyen” MA - e quer acredite ou não, existe
mesmo o crime de difamação (art.º 180) e traição à Pátria (art.º 308), até no
actual Código Penal…
MA
não ficará certamente na História de Portugal contemporâneo pelas melhores
razões. Mas a minha absolvição, que era a sua condenação, seria, também uma
nódoa incómoda no julgamento e imagem do actual Regime. Por isso eu não poderia
ser ilibado…
Concordo
consigo, RAP - julgo que se pode deduzir isso da sua arenga no debate – de que
as ideias apenas se podem (devem) combater com ideias (ao contrário de um tal
de Estaline).
Fica
aqui o convite (não lhe chamo desafio) para se quiser e dignar, debater o caso
do MA, com a tal guerra por fundo (em terreno neutro já se vê).
Se
quiser pode até trazer o DO, com uma condição apenas: ele se dominar e não
desatar a chamar nomes a ninguém mesmo que não se importe que lhe chamem a ele.
É
que qualquer um pode tentar ofender seja quem for, mas também se sujeita a não
conseguir acabar a frase.
Pode
ser um exercício intelectual estimulante.
Que
dizem?
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] A frase que motivou
a queixa e que escrevi em artigo foi a seguinte: “O cidadão MA quando foi para
Argel não se limitou a combater o Regime, consubstanciado nos órgãos do Estado,
mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas”.
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