quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A PROPÓSITO DE UM LIVRO E DE UM PROCESSO


A PROPÓSITO DE UM LIVRO E DE UM PROCESSO
28/8/19
“As ideias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, porque deveríamos permitir que tenham ideias?”
Josef Stalin

                Só agora dei conta (através do “Youtube”) que na apresentação do livro “Direito de Ofender: a Liberdade de Expressão e o Politicamente Correcto”, da autoria de Mike Hume, ocorrido em 20 de Julho de 2016, já lá vão três anos, foi referido um facto em que fui um dos protagonistas, sem que o meu nome fosse citado.
                De facto no debate propositadamente organizado pela Editora “Tinta-da-China” para debater a questão da liberdade de expressão e seus limites, em que participaram o jornalista e comentador Daniel Oliveira, a jornalista Fernanda Câncio e o humorista, escritor e também comentador Ricardo Araújo Pereira, há uma hora e vinte e cinco minutos de conversa, este último resolveu surpreender a audiência com a seguinte frase: “Por exemplo, o Manuel Alegre (MA) processou uma pessoa, aliás ganhou um processo contra essa pessoa, por lhe ter chamado traidor. O tribunal condenou, por considerar que não se chamam nomes a este senhor, que era candidato a PR; se eu fosse o MA, na boca daquele senhor, eu punha ao peito (porque ele disse que o MA falou na rádio, foi exilado e foi contra a guerra), eu punha ao peito, acho óptimo”.
                Aí interveio o senhor Daniel Oliveira (DO) que replicou: “Estás enganado, o senhor não foi condenado por ter chamado traidor, o senhor foi condenado por ter mentido sobre o passado de MA, o que é difamação, foi por isso que foi condenado; e tu concordas – até o autor do livro concordou – que a difamação é crime; dizer coisas que são factualmente falsas, sobre a vida de alguém e sobre o passado de MA, foi por isso que ele foi condenado”. E continuou: “Eu por exemplo sou contra toda a condenação por insulto; é a minha posição, não sou em relação à difamação”. Eu chamei palhaço ao Alberto João Jardim e fui condenado, mas os factos estão do meu lado.
               Chegámos a uma plataforma de entendimento”.
                Não cheguei, porém a perceber se chegaram a entendimento ou não…
                                                                                 *****
                Como a “ex - amiga” do “agente técnico” Sócrates, sobre o assunto, aos costumes disse nada, vou deixá-la fora da contenda. O que não deixa de ser um alívio.
                O senhor Ricardo Araújo Pereira (RAP), de conhecidas convicções comunistas/marxistas, embora depois de ter provado o fel, teve o bom senso de se despedir do PC (P), deve porventura ser considerado um libertário ou uma espécie de anarca à procura de identidade, entende, em síntese, que o cidadão MA além de não se dever incomodar com o que a minha pessoa lhe terá chamado (“traidor”), devia era colocar tal frase ao peito e considerá-la um elogio. [1]
                RAP Já provou ser um moço inteligente e culto mas desta feita, falando sério sem estar a fazer graça, foi apenas esperto. Chico - esperto.
                Eu devo com isto estar agradecido em parte a RAP já que, considerando ter eu expresso uma opinião – demais desfavorável ao quase eterno deputado MA – não deveria ter sido condenado…
                No fundo, segundo ele, MA devia ter ignorado o caso dando uma de superior e de desprezo e coleccionava uma medalha…
                Não uma rodela (medalha) de cortiça, material extraordinário com que a natureza bafejou os humanos, mas com uma carica enferrujada da ordem proletária da tristíssima figura…
                Mas MA, personagem mais calejado que o graçolas, entendeu que o assunto era sério (e por acaso até é, como a maioria dos portugueses ainda não prostituídos pelo relativismo moral e a demagogia político/partidária/ideológica, sabe) e fez-se de vítima como uma (falsa) virgem ofendida.
                De facto MA devia ter sido identificado, questionado, arguido e julgado (e já agora muitos outros) quando pisaram a terra lusa, após o 25 de Abril de 74, sobre o que andou a fazer e a dizer por esse mundo.
                Mas como naqueles conturbados tempos – que os três chamados ao debate não presenciaram, pois ainda há pouco tinham saído do estádio do espermatozoide que tenta fecundar o óvulo - não havia rei nem roque e nunca se julgou ninguém (à excepção de um tribunal revolucionário que intentou julgar o Almirante Tenreiro, por acaso ilibado, mas ainda assim expulso da Marinha…).
                Daí que os eventuais crimes de MA (e de outros, muitos) nunca tenham sido aferidos judicialmente, tendo entretanto prescrito.
                Mas a vida, sabe senhor RAP, é tramada e deixa na memória do povo, muitas coisas do passado, que os historiadores honestos colocarão nos livros de História, se a documentação existente for preservada e não destruída como é prática corrente nas ideologias das correntes totalitárias de que aparentemente foi, mas já não é, apaniguado.
                Vamos agora ao senhor DO que, pelos vistos continua um empedernido caceteiro bloquista. Quis ele ser mais inteligente (desta vez) e, por uma vez, cauto.
                Ao ver os caminhos “apertados” em que o seu colega de mesa se estava a meter veio em auxílio do Vate só que, não estando certamente por dentro do processo, tornou-se cómico. Sem ter graça.
                Ora eu não fui condenado por ter mentido – e nada do que eu disse (ou o meu advogado por mim) é, ou foi mentira, o que ficou provado sem sombra de dúvidas na 1ª instância (que é onde se faz a produção da prova) e também no primeiro acórdão do Tribunal da Relação que me deram razão.
                Não ficou provado que ele (MA) era traidor pois não eram as acções dele que estavam em causa (tinham até prescrito), mas sim a minha opinião em que essas acções configuravam um crime de traição à Pátria (conforme aliás os códigos penais referem),era lícita.
                Os juízes tiveram até o extremo cuidado em não tocar na questão da factualidade do crime de traição à Pátria, mas de apenas considerarem todo o caso no âmbito da liberdade de expressão, de que tinham basto respaldo, aliás, em termos de jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
               Acabei por perder o processo, na secretaria, como soi dizer-se, por causa de um pormenor burocrático o que originou, pela demora introduzida, que o juiz relator que detinha o processo, se jubilasse e o seu adjunto (que seria o juiz natural) fosse substituído, quanto a nós ilegalmente. Facto que o Tribunal Constitucional (um tribunal essencialmente político) mais tarde e incompreensivelmente, se negou a avaliar.
               Acresce a tal, que o juiz que veio a ser o novo relator (e cujo processo de escolha está coberta pela confidencialidade com que é feita) gozar da fama de ser próximo do PS (tendo sido designado para várias “comissões” fora do âmbito judicial, como consta do seu CV); ser usual utilizador de “avental”; sendo aventado na imprensa a possibilidade de ser escolhido para ministro da Justiça no início do actual governo, o que não terá acontecido, segundo a mesma imprensa, por ter sido equacionada a possibilidade de vir a ser constituído arguido num processo mediático em investigação na PGR.
                Este juiz fez tábua rasa de tudo o que tinha sido provado e decidido nos dois anteriores acórdãos e produziu um novo acórdão 180º desfasado com os anteriores. Vá-se lá saber porquê.
                Tudo acontecendo dentro da mesma secção do Tribunal da Relação (ou seja todos colegas bem próximos).
               As duas “aclarações” solicitadas foram apreciadas pelo mesmo juiz, o que é prescrito em termos processuais, mesmo incorrendo no dito popular de que “ninguém é bom juiz em causa própria”…
              E como existe (se calhar bem) a sacrossanta trilogia dos três “Is” (irresponsabilidade, imputabilidade e inamovibilidade) imputadas aos senhores magistrados, não há apelo nem agravo.
             Só a nível do Conselho da Magistratura tal caso pode eventualmente ser avaliado (o que seria raro) mas, obviamente, sem qualquer repercussão na pena aplicada.
            
Perante isso senhor DO fará o favor de retirar o epíteto de mentiroso com que me brindou, pedindo ao cavalheiro RAP que tenha um momento de lucidez e não considere o que se passou, na coluna do haver (se é que alguma) do “citoyen” MA - e quer acredite ou não, existe mesmo o crime de difamação (art.º 180) e traição à Pátria (art.º 308), até no actual Código Penal…
                MA não ficará certamente na História de Portugal contemporâneo pelas melhores razões. Mas a minha absolvição, que era a sua condenação, seria, também uma nódoa incómoda no julgamento e imagem do actual Regime. Por isso eu não poderia ser ilibado…
                Concordo consigo, RAP - julgo que se pode deduzir isso da sua arenga no debate – de que as ideias apenas se podem (devem) combater com ideias (ao contrário de um tal de Estaline).
                Fica aqui o convite (não lhe chamo desafio) para se quiser e dignar, debater o caso do MA, com a tal guerra por fundo (em terreno neutro já se vê).
                Se quiser pode até trazer o DO, com uma condição apenas: ele se dominar e não desatar a chamar nomes a ninguém mesmo que não se importe que lhe chamem a ele.
                É que qualquer um pode tentar ofender seja quem for, mas também se sujeita a não conseguir acabar a frase.
                Pode ser um exercício intelectual estimulante.
                Que dizem?


                                                          João José Brandão Ferreira
                                                         Oficial Piloto Aviador (Ref.)



[1] A frase que motivou a queixa e que escrevi em artigo foi a seguinte: “O cidadão MA quando foi para Argel não se limitou a combater o Regime, consubstanciado nos órgãos do Estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas”.

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