A DESERÇÃO COMO
UMA (FALSA) VIRTUDE
10/8/19
“… em boa ou
má fortuna, a vida militar não é mais que uma religião de homens honrados.”
Calderon de La
Barca
A
edição do jornal das 20h00 da SIC, de 29 de Julho do corrente ano, contou com
uma reportagem alargada sobre um episódio lamentável em que 15 elementos da
guarnição do futuro NRP (fragata) Roberto Ivens (F-482) desertaram em França.
O
enquadramento da “peça” feita pela jornalista de serviço, quase se podia
sintetizar a isto: “fugiram da guerra colonial e da miséria do Portugal de
Salazar”.
Dos
15 foragidos foram entrevistados dois que se dispuseram ao embuste e à ignomínia
e um dos restantes 182 homens da guarnição que permaneceram no seu posto, fieis
ao juramento que fizeram, mas cujo único argumento que encontrou para
justificar a sua acção (não desertar) foi custar-lhe não puder voltar ao país. [1]
A
cena passou-se em 1968 nos estaleiros “Atelier et Chantiers”, em Nantes,
França, onde a guarnição estava a adestrar-se numa das quatro modernas fragatas
da Classe João Belo, encomendadas pelo governo português; proceder às provas de
mar e à incorporação do navio na Armada Nacional e trazê-lo para Lisboa, quando
tudo estivesse concluído.[2]
A guarnição estava aboletada no
navio S. Cristóvão que tinha sido levado para lá para servir de “navio
depósito” a cujo comandante respondiam disciplinarmente.
A deserção ocorreu no dia em que
se ia tomar posse da “Roberto Ivens” (cujo Comandante era o Capitão de Fragata
Pina Cabral) e incorporá-la na Armada Nacional – e não às pinguinhas como
referido.
Dos
15 que desertaram um era oficial médico (cuja influência nos restantes se
ignora), outro foi um sargento de abastecimentos e os restantes eram
marinheiros e grumetes.
As
motivações, mal explicadas, teriam a ver com a “repressão”, a “fome” e a
“guerra”, referindo-se vagamente o “Maio de 68” (em França), argumentos que a
“peça televisiva” pressupõe como justificação (mais do que) aceitável…
Motivações que, no fundo, estavam quase
exclusivamente ligadas com a procura de melhoria de vida pessoal, ou pelo
encantamento de alguma moça.[3]
Chegou-se
ao ponto de um dos entrevistados ter afirmado que o então Ministro da Marinha,
Almirante Quintanilha e Mendonça Dias, terá chamado “nomes” aos desertores, o
que teria caído mal na guarnição.
Decerto
deviam estar á espera que o ministro lhes enviasse (aos desertores) uma carta
de recomendação e pastilhas para a tosse!
Estes
rapazes vêm agora cantar de alto pois após o golpe libertador florido a cravos,
o seu crime – e de facto trata-se de um crime do foro militar – tinha sido
amnistiado.
De
facto calha sempre bem aos delinquentes limparem a borrada que fizeram…
E
esta foi a primeira asneira que se fez: amnistiar desertores. Neste âmbito
qualquer tolerância é cobardia e qualquer respeito é vilania.
Mas
como o país ensandeceu e as autoridades “revolucionárias”, de então, acolheram
toda a casta de traidores, desertores e criminosos de delito comum e muitos
deles se guindaram, com ajuda até, a altos postos na vida nacional, o que se
poderia esperar?
Tudo
porque se confundiu deliberadamente traição à Pátria com luta política. Daí
também confundir-se – com assaz propósito – a defesa do território, das populações
e da soberania nacional com “guerra colonial”…
E muitas outras barbaridades que
muitos pretendem “desculpar”, por via dos “desvarios” que sempre acontecem nos
“processos revolucionários”.
Acabou por não se julgar ninguém
a não ser os crimes das FP- 25 de Abril, cujos autores foram depois,
convenientemente amnistiados…
Daqui
deriva também a falta de explicação e de enquadramento com que não se explicam
os eventos da peça televisiva.
Quem
deserta, seja por que motivo for, tem que se sujeitar às consequências. Faz
parte das regras e da natureza das coisas.
Os
desertores em causa traíram o Juramento de Bandeira, traíram a Marinha e o seu
bom nome; traíram os seus camaradas de armas e o seu espírito de corpo; traíram
o ilustre português que deu nome ao seu navio; traíram o povo português que
neles confiara a sua defesa e traíram o governo que lhe entregara a missão de
operar uma “nau” moderna adquirida com o dinheiro do trabalho dos contribuintes
e não pela via simples de um empréstimo aleatório e ruinoso, como hoje é uso.
No
fim traíram-se a si mesmos, pois desertaram das suas convicções, se as tinham,
pois desertaram da sua própria acção, tornando-se uns párias. E com a agravante
da deserção ter sido feita em tempo de guerra e em país estrangeiro!
Finalmente
para os 15 que desertaram serem quase tratados como heróis na lamentável
ligeireza, enviesamento ideológico, erro e mentira, como foi elaborado este
momento televisivo, como é que se há - de apodar a esmagadora maioria da
guarnição que cumpriu com o seu dever? Idiotas? Vendidos? Cobardolas?
Fascistas? Ignorantes? Quiçá, traidores?
E porque é que a peça não refere
que no mesmo período, alargado em ¾ anos, passaram por França, guarnições de
mais três fragatas e quatro submarinos (mais o pessoal de apoio) e não há notícia
de nenhuma deserção?[4]
A
acusação feita no argumento da “reportagem” de que fugiam da miséria, será
compaginável com o facto, da guarnição estar em terra estranha bem tratada pela
Armada e a ganhar ajudas de custo, pergunta-se?
E
o oficial médico vivia mal? No Estado Novo os médicos viviam mal? E poderão os
argumentistas fazer o favor de me explicar qual foi a época em Portugal, desde
Afonso Henriques, onde o povo vivia bem e não havia miséria?
E
agora emigra-se porquê? Porque são ricos? Fogem da “luminosidade” (em
contraponto a “obscurantismo da ditadura”) democrática? E os ricos que temos,
quantos os são por trabalho honesto? E digam-me senhores jornalistas que andam
com os pés no ar e as mãos no chão, como é que se deve reagir, hoje, se um
militar português desertar no Afeganistão ou na República Centro Africana?
Fazemos-lhe uma estátua, como aquela (inacreditável) erigida no Feijó dedicada
ao “marinheiro insubmisso”?
Agora
a guerra já não é colonial? É justa? Para quem?
Já
pensaram em ir coçar a sarna para detrás do sol - posto?
Estes
desertores de má memória não devem, pois, receber encómios, justificações
serôdias, desculpas foleiras, que são em simultâneo, acusações ingratas, injustas,
funestas e insultuosas a quem sempre cumpriu o seu dever para com as Forças
Armadas, a Nação e a Pátria.
Devem
sim ser sujeitos para todo o sempre à censura social e ao gradual
desaparecimento da sua triste memória como um episódio nada ilustre da nossa
vida colectiva.
A
não ser que, para os obreiros da “peça”, seus eventuais mentores e, ou, padrinhos,
a Instituição Militar e a Nação no seu todo, sejam apenas – ao contrário do que
defendia Calderon de La Barca - uma comunidade de estômagos e ânus.
Este trabalho
jornalístico é, pela sua falta de objectividade e seriedade, um mau serviço
prestado à comunidade.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1]
A guarnição do navio era, na altura, de 14 oficiais, 29 sargentos e 159 praças.
[2]
As fragatas eram idênticas às da classe “Comandant Riviére”, deslocavam 2250
toneladas, chegavam aos 25 nós de velocidade e possuíam três peças de 100 m/m;
duas peças, de 40 m/m; um morteiro A/S de 305 m/m; dois reparos lança torpedos,
de 550 m/m e vários sensores anti aéreos e anti submarinos. A F-482 entrou ao
serviço em 23/11/1968 e foi abatida em 1998.
[3]
O oficial médico tinha passado até a trabalhar até, a tempo parcial, num
hospital da cidade e terá pedido para frequentar um curso o que lhe foi
indeferido superiormente. Não se sabe ao certo se tal teve alguma influência na
sua decisão. Soube-se que passou depois à Suíça, onde se lhe juntou a mulher. E
desapareceu. Que Deus o acolha na sua infinita misericórdia.
[4]
Apenas voltou a acontecer um caso semelhante, em 1970, com a Fragata João Belo,
que numa visita à Austrália, perdeu um sargento e 10 praças, por deserção.
[5]
Abaixo a Revolução. Venha a Contra Revolução!
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