REGIONALIZAÇÃO:
UM DOS MITOS DO NOSSO TEMPO
9/2/19 (publicado pela 1ª vez em Julho de 1991, continua actual)
“A Pátria não se ama porque é grande mas porque é nossa”
Séneca
Portugal é o país com as fronteiras
definidas e estáveis, mais antigo da Europa [1].
Tal facto remonta ao ano de 1297 e o documento que o suporta chama-se Tratado
de Alcanizes. Era rei em Portugal o Senhor D. Dinis [2].
Desde essa altura até agora, sofremos (na parte Continental) o “percalço” de
Olivença perdida, em 1801, que só a inabilidade político-diplomática da altura
impediu que voltasse a ser portuguesa[3].
O que se mantém.
Apesar de, infelizmente, já nos
termos desavindo internamente a ponto de lutarmos uns contra os outros, lutas
essas que apenas tiveram dimensão verdadeiramente dramática, na guerra Civil
que opôs Liberais e Miguelistas (1828-1834). O País tem mostrado uma invulgar
dose de coesão, unidade cultural e territorial e arregimentação a um destino
comum.
Serve isto de introdução à
Regionalização que, em boa verdade, ninguém sabe muito bem o que é, [4]
e que passou a ser um chavão na vida político-social portuguesa dos últimos dezasseis
anos. E de tal modo forte se tornou, que pouquíssimas e, no mais, tímidas, têm
sido as vozes que se têm levantado contra o fenómeno. A castração é tal, que as
discussões sobre o tema raramente são de molde a lobrigar-lhe defeitos mas
antes para priorizar virtudes!
Pois bem, achamos que o que se tem
dito e o que se quer eventualmente fazer, em relação à Regionalização é
perigoso, é escusado, é pernicioso e no mínimo esconde alguns desejos
inconfessáveis. Não tem vantagens e comporta muitos defeitos. Em suma: irá
prejudicar o País.
Cremos que a ideia começou a ser
propalada em 1974 e sofreu grande incremento por alturas de 75/76.
A ideia, ao tempo, poderia
compreender-se: era uma maneira de atacar o “concentracionismo” do Terreiro do
Paço e logo, o regime que lhe dava cobertura; numa altura em que se destruía o
“edifício” existente era forçoso arranjar alternativas e referências. A
“Regionalização” foi uma das que ocorreram às mentes mais ousadas. Servia ainda
de paliativo: Como a ideia foi apresentada como inovadora, fonte de progresso e
chave da resolução para inúmeros problemas, havendo questões pendentes, a
Regionalização ou a sua não existência servia de desculpa para uns e arma de
ataque para outros, na dialéctica político-partidária. [5]
Importa analisar algumas questões
que se levantam. Durante séculos tentou-se aglutinar a Nação Portuguesa [6].
Ao contrário, de há anos a esta parte inúmeras acções se desenvolveram com
carácter desagregador e centrífugo. [7]
Para quê então, arranjar mais um elemento desagregador quiçá o mais importante,
como é a Regionalização? Em vez de um Terreiro do Paço, não iríamos passar a
ter vários?
Que justificação se pode encontrar
na Regionalização? Que raízes tem a Regionalização em Portugal? Diremos que
nenhumas. O País viu desenvolver os Municípios desde o início da nacionalidade
e durante toda a Idade Média. Tal facto esteve intimamente ligado à Reconquista
e à consolidação do Território. Os reis outorgaram forais e regalias conforme a
época e a importância que cada localidade possuía. Mas tudo isto fazia parte de
um objectivo político coerente e de uma textura administrativa não pondo em
causa o todo, antes o potenciando.
O emergir de Lisboa, nos séculos XV
e XVI, como polo fundamental do País fez concentrar nela, a elite política,
militar, religiosa e administrativa da Nação. E daqui, efectivamente se passou
a governar todo o mundo português [8].
Hoje em dia, reduzidos ao território Europeu, esta importância de Lisboa não
desapareceu e isso por si só, não nos parece ser impedimento ao desenvolvimento
do resto do país …
O problema da Regionalização começa
logo na definição das Regiões. Há anos que a discussão prossegue e ainda não há
acordo.
A Regionalização é perigosa: já
vimos que é potencialmente fragmentária. Estabelecidas umas quantas regiões,
nada garante que outras não se venham a querer produzir. Onde está o limite?
Outro risco eminente é a emergência
de acordos de natureza vária, entre regiões periféricas portuguesas e
espanholas. É certo que o desenvolvimento do interior do país tem que se
efectuar, mas o mesmo deve ser feito em conjunto com o litoral e não por
apetência de ligação a áreas espanholas. Para além do mais o país é
territorialmente descontínuo o que já levou à constituição de duas Regiões
Autónomas e, se não houver cuidado poderá haver quebras na solidariedade
nacional.
A Regionalização seria um sumidouro
de dinheiros públicos e um multiplicador de estruturas burocráticas. Iríamos
assistir à emergência de mini Parlamentos e de Governos Regionais, enfim, a
confusão absoluta.
A Regionalização é potenciadora de
atitudes desgarradas, anárquicas ou simplesmente tolas. São conhecidas as
declarações de responsáveis locais exigindo ligações directas a Bruxelas;
discursos em que se fala no “Povo do Norte”; câmaras municipais que possuem
“polícias” próprias com carros, fardas e até porte de arma, que mais não são do
que fiscais da Câmara a quem são atribuídas outras funções …; as várias
estradas construídas para a mesma povoação isolada, a que a demagogia e a falta
de controlo financeiro já permitiram, etc., etc..
A Regionalização leva à dispersão de
esforços, recursos e elites (é fundamental fazer circular as elites). O País
não é suficientemente rico para se dar a estes luxos…
Enfim, a Regionalização é escusada.
O Pais tem 90.000 Km2, por outras palavras, é pequeno em termos territoriais;
felizmente, não há conflitos raciais, linguísticos, religiosos ou qualquer
outro que justifique uma individualização regional. Para que então esta
orquestração para regionalização? Será que as originalidades de uns quantos, as
clientelas e influências que outros esperam arranjar se a Regionalização for para
a frente, e a propaganda eleitoral justifica que se parta o País aos
bocadinhos, sem que nenhum benefício palpável daí derive? Bem avisados andarão
os órgãos de Soberania caso dediquem ao assunto a importância que ele merece.
Não ficaria o problema (este e outros)
resolvido, se tentasse pôr a administração pública, e nomeadamente a autárquica
a funcionar competentemente? [9]
Já se fez um referendo que chumbou
claramente a regionalização. Devia-se ter mudado a Constituição da República em
conformidade. As forças que defendem a regionalização não se conformaram. Para
quê então realizar referendos?
Que
tal um pouco de bom senso?
NOTA. Como se sabe as forças que promoveram o referendo sobre a “Regionalização”, que a maioria do povo português teve o bom senso de rejeitar, nunca se conformaram com esse resultado. E, desde então, têm continuado a fomentar a mesma ideia, embora utilizando outra linguagem e outras fórmulas mais ou menos encapotadas.
Há que estar atento, para as combater, pois para além de escusadas, são destruturantes da Nação e mais um peso para o Estado.
Um recente acordo entre o PS e o PSD, indica que o processo está novamente em marcha.
É, talvez, a tentativa mais perigosa até hoje lançada.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] E, já
agora, do Mundo.
[2]
Aliás, uma das figuras mais importantes e notáveis da História Lusa.
[3]
Porém, até hoje, os marcos de fronteira não foram deslocados e a Ponte da Ajuda
que ligava a povoação ao restante Alentejo continua, ainda destruída …
[4] O
Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora na sua 5ª Edição define
“Regionalismo” como: Sistema ou doutrina política e social dos que fazem
prevalecer os interesses da região, em que vivem, aos interesses nacionais;
vocábulo ou expressão regional; provincianismo. Porém, não fala em
regionalização.
[5] Uma
fonte inesgotável, aliás.
[6]
Embora muitos erros se possam detectar ao longo de todo o processo.
[7] De
que são exemplo as imanências de partidocracia; as lutas político-sociais
quando de carácter violento, o desvirtuamento da língua portuguesa; os ataques
à Instituição Militar; o desnorteamento do sistema educacional; o aviltamento
da História Pátria, etc., etc.. Não se pode dizer, ainda que a entrada para a
CEE e o Acto Único que se avizinha, contribuam para a Unidade da Nação. Para
cúmulo já se tentou regionalizar o Serviço Militar!
[8] O
que, ao longo do tempo obrigou a ensaiar formas de descentralização tendo em
conta os territórios que tínhamos espalhados por quatro continentes.
[9] Os
leitores certamente já deram conta que não existe no País uma única Escola que
forme o pessoal que irá prover os cargos existentes na administração pública!
Na prática há muito poucas garantias de que as pessoas “recrutadas” para
exercerem estas funções estejam minimamente preparadas para o fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário