DAS ÚLTIMAS
PROMOÇÕES NO EXÉRCITO AO COMANDO MILITAR
7/2/19
“Nenhum dos
nossos inimigos se atreveu a atacar-nos quando reunimos todas as nossas forças,
tanto por causa da nossa experiência nas coisas do mar, como pelos muitos
destacamentos que temos em diversos lugares do nosso território”.
In, Oração de Péricles, 430 A.C.
O
Decreto do PR nº 1-D/E/F promoveu três Majores Generais (duas estrelas), do
Exército a Tenentes Generais (três estrelas). [1]
Não
estando em causa as pessoas, tão pouco a sua competência profissional, existe
um facto, porém, sobre o qual gostaríamos de reflectir digamos, academicamente.
O
facto é este, um dos agora promovidos é oriundo do Serviço de Administração
Militar.
Ora
isto levanta questões no campo dos princípios e da doutrina do Comando Militar.
É
certo que o actual EMFAR permite, pelo menos desde 1974, que um oficial desta
“especialidade” possa ser promovido, em “situações excepcionais”, a general de
três estrelas (Art.º 197- 4, do actual "emfar").
E, de facto, de uma
excepcionalidade se trata, dado que no Exército, só são conhecidos três casos
anteriores a este: o do General Vergas Rocha promovido em 1 de Abril de 1981, a
fim de ir ocupar o cargo de Chefe da Divisão de Administração e Finanças, do
EMGFA; do General Victor Mesquita promovido em 4 de Janeiro de 1989, para
desempenhar a funções de Chefe de Departamento de Finanças do EME e do
Brigadeiro Costa Alves, do Serviço de Material, promovido a três estrelas, em 5
de Março de 1980, para ir ocupar o cargo de Director - Geral de Armamento
(salvo erro).
Promoções
que geraram alguma controvérsia.
Excepcional também, porque na Força
Aérea e na Marinha, a promoção a oficial general de três estrelas estar
reservada, respectivamente, aos Pilotos Aviadores e aos oficiais oriundos da
classe de Marinha.
Cada um destes Ramos tem, porém,
uma excepção à regra: a FA através da promoção do Brigadeiro Rui Espadinha a
três estrelas, em 11/8/82, sendo do quadro de engenheiros aeronáuticos; a
Armada, através da promoção a Vice-Almirante de um oficial oriundo de
Administração Naval, de seu nome Alfredo de Oliveira.
O primeiro era bem visto pelo
General Lemos Ferreira, tendo sido Director das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico;
o almirante teve a sua promoção em 1 de Abril de 1981, e bem relacionado com o
Almirante Sousa Leitão, e foi desempenhar funções no EMGFA.
Como curiosidade resta
acrescentar que os três oficiais do Exercito, de Administração Militar
mencionados, frequentaram o Instituto Militar dos Pupilos do Exército, o mesmo
se passando com o actual CEME.
A
questão não é pacífica, sobretudo no seio dos oficiais cuja especialidade,
classe ou serviço os impede de ultrapassarem as duas estrelas.
Mas estes assuntos raramente são
discutidos…
Os cadetes destinados a estes
quadros eram, aliás, avisados quando frequentavam a Academia Militar, a
Academia da Força Aérea e a Escola Naval (até antes), do topo da hierarquia a
que poderiam aspirar.
As próprias disciplinas que lhes
davam acesso, nomeadamente a Administração Militar, eram diferentes das outras.
Alguma
formação comum e frequência de cursos de promoção em conjunto, há cerca de duas
décadas, acaloram o debate.
Outro
tipo de divergência (ainda mais grave) – a talhe de foice – tem ocorrido na
GNR, com o “forcing” de oficiais cuja formação não foi feita na Academia
Militar, quererem ter acesso ao generalato, o que tem sido (mal) apoiado por
políticos do MAI, por razões que não vamos agora aduzir.
A Força Aérea, por seu lado, tinha
aberto uma outra “excepção”, quando decidiu promover oficiais dos quadros
técnicos, a Coronel, nos idos dos anos 80, quando até então, apenas podiam ser
promovidos a Tenente Coronel.
A estes oficiais também lhes estava
vedado comandar unidades, mas houve numerosas excepções.
Também se passou a nomear oficiais
que não eram das Arma para cargos de Adidos de Defesa/Militar, nomeadamente
oficiais do quadro de Administração Militar e Aeronáutica.
Curiosa e significativamente, os
países para onde estes oficiais eram (e são) nomeados situam-se em África…
Em síntese as excepções são muitas
– o que levanta a questão de porquê uns e não outros – tendo a atenuá-las,
razões de falta de pessoal e de, em determinado período, permitir o
descongestionamento nas promoções de alguns quadros, que estavam inflacionados
de oficiais por via das necessidades da guerra terminada nos idos de 1974/5.
Mas
voltando à questão anterior o princípio doutrinário a preservar (se é que tal e
pode considerar um princípio doutrinário – e que nos parece estar certo – é o
de que quem combate, comanda.
E
quem combate, no Exército, são os oficiais (só estamos a falar destes) das Armas
(Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia Militar e Engenharia de
Transmissões – e sabe-se a controvérsia que houve para passar esta última, a
“Arma”) e não os dos serviços (“que apoiam”) como é o caso do Serviço de Saúde,
o Serviço de Material e o Serviço de Administração Militar, cujos oficiais são
formados na Academia Militar.
Por isso, para além do “Comando”
existe a “Direcção” e a Chefia”.
Dito
de outra forma, quem deve comandar são os oficiais que, sendo oriundos de uma
Academia Militar – é para isso que elas existem - estão na “linha de emprego”
dos meios e não os que estão na “linha de sustentação” dos meios. Estes últimos
dirigem e chefiam.
Mas porquê, perguntarão ainda os
mais relutantes? Pois porque o combate é o fim último da preparação militar e
só quem está treinado para o mesmo, está em condições de entender e abarcar as
envolventes e as prioridades da complexidade do campo de batalha
Senão,
pela mesma lógica que agora foi utilizada, poderíamos um dia vir a ter como
Chefe de Estado-Maior, um oficial com a especialidade de médico.
Lembra-se
que os veterinários (por enquanto) apenas podem ascender a Tenente-Coronel…
E agora que temos um general de
três estrelas de Administração Militar nada obsta a que não possa ser o futuro
CEME…
Ou então, porque não, um qualquer
membro da Comissão Parlamentar de Defesa pode vir a ser chefe de estado-maior.
Porque não? Dá-se-lhes uns créditos, pim, pam, pum, já está!...
Não
digam que não é possível, pois eu já vi de tudo o que nunca esperava ver e até
já tivemos em época de suprema rebaldaria, um capitão graduado em general de
três estrelas, Comandante da Academia Militar!...
*****
Sabe-se
que o oficial agora em causa foi escolhido por, entre os possíveis, ter o
perfil mais adequado para uma determinada função: o Comando Logístico.
Não
contestamos a apreciação e deverá, infelizmente ser o caso, sabendo-se quem fez
a escolha.
Mesmo
assim, por uma questão do tal “Princípio” e da tal doutrina (que pelos vistos
não existe) a decisão deveria ter sido ponderada de outro modo.
E
aqui levanta-se uma outra questão: é certo que cada um de nós pelas suas
experiências, gosto e saber, estará melhor numa determinada função do que
noutra, e tal não deixa de ser verdade no âmbito dos oficiais generais.
No
entanto, ao nível que estamos tratando (e um general é um “generalista”),
qualquer oficial general (das Armas) deve poder ocupar seja que função ou comando
exista. E não há muitos. E tal tem muito a ver com as promoções feitas
anteriormente.
Também
é verdade que há, hoje em dia, muito poucos oficiais generais de três estrelas
e que o tempo de permanência no posto não é dos mais alargados (ou seja há pouco
por onde escolher), mas isso levar-nos-ia a outras discussões.
Algo
que também afecta o “status quo” é a existência do posto de Brigadeiro General.
Esta
“novidade” não nos parece ter sido boa ideia.
Começou
por ser ideia do Exército, tendo sempre a oposição da Marinha e Força Aérea.
A
“racional” tinha a ver com os cargos e funções NATO e, eventualmente outros,
que eram ocupados por um oficial desse posto (general de uma estrela), e “nós”
não podermos concorrer a tais lugares por não termos esse posto nas nossas
fileiras.
Com
o devido respeito a argumentação não convencia, nem convence. Em primeiro lugar
porque havia muito poucos cargos desses a que poderíamos concorrer; depois
porque se tal fosse julgado de importância maior, facilmente se poderia enviar
um coronel ou capitão de mar-e-guerra tirocinado, ou, mais facilmente se
poderia graduar um qualquer oficial desse nível naquele posto.
Além
disso o leque de postos em oficial general passou a ser de quatro (mais do que
no âmbito dos oficiais superiores) numas Forças Armadas a caminho da extinção.
Tanto
se andou nesta discussão do sexo dos anjos, que a proposta acabou por ser
aprovada (confesso que não tive pachorra para ir saber em que moldes, nem
quando), algures pelo início do século XXI, o que logo foi aproveitado pelos
políticos para se diminuir o número de oficiais de duas e três estrelas
transformando a pirâmide num paralelepípedo irregular, poupando uns trocos e
fazendo um "downgrading" de várias funções.
Consequências
espúrias que normalmente não se prevêem…
*****
Ora
onde queremos chegar é que no âmbito tratado – como em tantos outros – haja princípios
e doutrina, no seio dos Ramos (e não se ponham, deslumbrados, a copiar acriticamente
um exemplo qualquer do que se passa “lá fora”), pois há questões que são, por
assim dizer, pilares onde assenta o funcionamento da Instituição Militar.
Ora o Comando e a Liderança são
o fulcro de toda a actividade militar.
Isto
é, aquilo que for considerado importante tem de estar escorado e aceite
solidamente, a fim de que as questões fundamentais sejam tratadas de um modo
racional.
Neste âmbito o “EMFAR” parece ter
excepções a mais…
Mais
uma vez se frisa a necessidade de preservar princípios; mudar a doutrina só
depois de reflexão aprofundada e ser flexível quanto a estratégias, tácticas e
técnicas.
Em
conclusão as grandes decisões nas Forças Armadas têm que estar sustentadas em
princípios e doutrina; a coerência tem que acompanhar toda a estrutura; idem
para Leis e Regulamentos e as excepções, elas próprias, só existirem
excepcionalmente, para que as coisas, as decisões e as pessoas não andem ao
livre arbítrio de quem ocupa transitoriamente uma função ou cargo; ao alvedrio
de amizades ou ao interesse do momento.
Resumindo:
deve-se definir muito bem quem e porquê pode atingir o topo da hierarquia e tal
não deve dar azo a excepções, por incompatibilidade manifesta. E não dar a
parecer que a Instituição Militar é uma manta de retalhos.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
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