OS “COMANDOS” E O SEU DIA
3/07/17
“Senhor, umas
casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo o mesmo
alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã a um toque de corneta se levantam
para obedecer. De noite a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da
vontade fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício
desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo, são generosos,
facilmente esplêndidos… Por essa divina humildade que os faz semelhantes a
coisas eles se levantam acima de outros homens. Corações mesquinhos lançam-lhe
em rosto o pão que comem como se os cobres do pré pudessem pagar a Liberdade e
a Vida. Publicitários de vista curta acham-nos caros de mais, como se alguma
coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam
guardando a nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço da sua sujeição eles
compram a liberdade para todos, e a defendem da invasão estranha e do jugo das
paixões. Se a força das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto,
algum dia o fizeram, algum dia o farão. E desde hoje é como se o fizessem.
Porque por definição o homem de guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha à
sua esquerda vai a coragem e à sua direita a disciplina…”
Moniz Barreto
In “Carta a
el-Rei de Portugal”, 1896
No
pretérito dia 29 de Junho o Regimento de Comandos comemorou o 55º aniversário
da criação desta especialidade no seio do Exército Português.
O objectivo, na altura, era
conseguir um corpo especial de tropas devidamente preparadas para combater
duramente a subversão e a guerrilha, que tinham irrompido em Angola no fatídico
dia 15 de Março de 1961.
Um
genocídio que, se as autoridades políticas em Lisboa tivessem um pouco de pundonor,
não deixariam esquecer tanto a nível jurídico internacional, como a nível da
memória colectiva nacional.
Estes
assuntos não prescrevem, nem devem prescrever.
A
cerimónia decorreu nos seus moldes tradicionais mas sentia-se no ar um
ambiente, não direi pesado, mas sim algo triste, a que não é seguramente alheio
a pequena tragédia ocorrida durante a instrução do último curso de comandos e
as ondas de choque que criou, cujas consequências estão longe de estar sanadas.
O
abalo no Moral da “tropa” é extenso e não vale a pena esconder o sol com a
peneira.
E
muita coisa vai correr ainda em tribunal.
É
preciso reagir.
Esta reacção
creio, começou agora com o discurso do novo Comandante da Unidade um discurso
atípico num Coronel do Exército em eventos deste jaez, que chamou alguns bois
pelos nomes sem rodriguinhos de diplomacia barata.
Em primeiro lugar foi original
nas saudações iniciais, não se limitando a repetir a “choca” existente para
estas ocasiões, mas deu-lhe uma saudável nova aragem.
O que de resto levou o General –
Chefe a responder-lhe logo no início do discurso que proferiu de seguida…
Tocou na crucial falta de
efectivos e na adequação do equipamento e armamento à evolução moderna, “itens”
em situação de ruptura (digo eu, que o discurso não chegou a tanto).
Falou na “Pátria” e na preservação
dos “valores”, assunto que no País, e sobretudo na classe política, constituem
uma espécie de buraco negro do espaço…
Fez referências históricas
adequadas, ligando-as aos antigos combatentes e às actuais missões fora de
portas – estando disponível para todas as missões, mesmo as mais arriscadas, coisa
cada vez mais rara em exércitos com algum gabarito - acrescento eu uma vez
mais…
E como é tradicional, resumiu os
principais eventos em que a sua unidade esteve envolvida, tendo uma palavra de
camaradagem para quem o antecedeu, não se esquecendo da evocação dos falecidos.
E tudo isto bem escrito e bem dito, coisa que vai sendo rara.
Na parte final
do discurso, referiu-se à generalidade da comunicação social, acusando-a, com
razão, do muito mau serviço jornalístico e informativo de que não raras vezes
alardeiam.
Infelizmente,
caro comandante, à míngua de leis adequadas enformadoras da liberdade de
expressão e de imprensa; da falta de preparação e escrutínio profissional e
deontológico a nível da Escola e da Empresa, e da lentidão da Justiça, que um
conjunto de leis inadequadas potencia, só há uma maneira de lidar com os maus
jornalistas: é como usava fazer o grande soldado que foi Paiva Couceiro!
Não é por
acaso que, à parte os políticos – que não podem sequer ser confundidos com uma
profissão – os jornalistas são das classes profissionais mais desacreditadas no
País. [1]
Por
tudo, caro coronel, os meus parabéns, respeitos e desejos de bom comando.
Assistir
à cerimónia é, porém, uma dor de alma, senão vejamos:
A
fanfarra e a Banda do Exército, pareciam ter tantos ou mais elementos do que
militares com a especialidade “Comando”, existentes em parada[2]; os convidados sentados
nas tribunas aparentavam somar maior número do que a totalidade da formatura;
14 (catorze), foi o número que consegui contar relativamente aos instruendos
que restam no curso que está a decorrer, que por vicissitudes relacionadas com
o passado muito recente, não acabaram ainda a instrução o que os impediu de
receber a boina e o “crachá”; e, até, o número de antigos comandos que
normalmente são convidados neste dia par virem à “casa mãe”, estava muito longe
de dias de outros tempos.
É preciso ainda, ter sempre
presente que um dia cerimonial pode ser um dia atrativo para atentados e a
segurança, apesar de ser mais difícil, nunca deve ser descurada.
O
ponto alto da cerimónia (e este dizer, só me responsabiliza a mim) foi a
outorga do título de “comando honorário” ao General Rocha Vieira. Quando o
Comandante da Unidade, seguindo o ritual lhe perguntou, “queres ser comando”, a
resposta foi espontânea, clara, firme, forte e dita com espírito de Alferes (se
é que me faço entender) – quero!
Creio
bem que as palavras seguintes, também do ritual, “então vai e cumpre o teu
Dever”, serão cumpridas escrupulosamente.
As
coisas não estão de feição e estão à vista de todos.
Vai
ter que ser como na Infantaria, “Ad Unum”.
Até
ao último.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
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