quinta-feira, 1 de dezembro de 2016




A BRONCA DAS MESSES DA FORÇA AÉREA

26/11/16

“As Instituições do passado não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas.”
                  
Guilherme Koehler

            Um caso recente de denúncia de eventual corrupção na aquisição de bens alimentares para abastecer as messes das unidades da Força Aérea, agitou a opinião pública e publicada.
            Neste momento existem, ao que se sabe, entre 30 a 40 arguidos, civis e militares, sendo que só se sabe a identidade dos únicos seis militares, para já envolvidos e que estão presos preventivamente.
            O que configura, desde logo, alguma estranheza.
            Independentemente do desfecho do caso o dano causado na imagem dos militares, em geral, e na da Força Aérea, em particular, e o incómodo que tal causou na generalidade dos mesmos é indesmentível.
            Não vale a pena escamotear o óbvio, mesmo sabendo que diariamente vem nos jornais, notícias dos mais variados escândalos, em todos os âmbitos – uma praga que faz parecer que a sociedade portuguesa atravessa há anos (décadas) uma falta de referências morais avassaladora – o que é verdade….
            Mas, qualquer coisa que se passe no âmbito militar, por razões que não vou especificar agora, toma sempre proporções inusitadas por mais pequenas que sejam, o que não parece ser, infelizmente, o caso em apreço.
            Um primeiro ponto cumpre ilustrar:
            A Instituição Militar é indubitavelmente diferente da sociedade civil, pelas suas especificidades próprias e peculiares, mas não está obviamente imune ao que se passa na comunidade à qual pertence e que é suposto defender de qualquer ameaça externa e ser último garante da unidade do Estado e da soberania nacional.
            O segundo ponto é o de estranhar, que o processo em causa, apresentado pela generalidade dos “media”, como tendo origem numa denúncia anónima feita algures, havendo até, conivência da hierarquia.
            Ora o que se passou na realidade, é que a suspeita de que algo não estaria bem foi espoletada numa unidade da Força Aérea, por um subalterno que levou o caso ao comandante e, a partir daqui, foi informada a mais alta hierarquia do Ramo, que denunciou o caso à Polícia Judiciária Militar.
            Esta entidade (PJM), que esteve para ser extinta pelo poder político, dois governos atrás, pediu ajuda à PGR e PJ – por manifesta falta de meios – desenvolvendo-se, então, a operação mediática que decorreu perante o nosso olhar televisivo.
            Até parece que há quem ande a ver quem se põe mais em bicos dos pés…
            Para já não falar na patética e confrangedora qualidade das notícias/reportagens, como a evidenciada por uma jovem jornalista, a qual postada è entrada do Estado-Maior da Força Aérea, afirmava estar junto à porta do Estado-Maior-General das Forças Armadas e atroando o éter com imaginativos envolvimentos de “altas patentes” (o arguido mais graduado detido, é um major).
            Os órgãos de comunicação social sofrem de muitos defeitos terríveis (que ninguém com responsabilidades aparenta pretender modificar); vamos ilustrar dois deles que se têm refletido nas notícias veiculadas sobre este caso.
            Um deles é a especulação jornalística.
            Por exemplo foi amplamente divulgado que o Estado já teria sido lesado em 10 milhões de euros, no espaço de dois anos.
            Umas contas simples desmontam rapidamente a atoarda. Vejamos, o orçamento anual para a alimentação na Força Aérea é inferior a oito milhões de euros (sendo o orçamento uma previsão).[1] A haver tais “desvios”, das duas, uma, ou toda a gente passava fome ou não havia ninguém que não estivesse metido no esquema…
            O outro comportamento inadmissível é o facto de fazerem entrevistas com pessoas de costas, encapuzadas e com voz destorcida. Tal prática dá direito a tudo, é equivalente a uma carta anónima e indicia práticas delatórias e exercícios inquisitoriais, ao mesmo tempo que se permite a pessoas ignorantes, ressabiadas ou simplesmente mal formadas, vão destilar a sua bílis, com total impunidade.
            Escusado será dizer que todo o edifício legal em que se escoram a liberdade de expressão e de imprensa, carece de urgente revisão, sob pena de se continuar a infligir graves danos nas mesmas.
            O tipo de problemas apontados, porém, devem ser descobertos e investigados ao nível das Forças Armadas, mas tal desiderato está muito prejudicado pelo facto de terem acabado praticamente com a Justiça Militar (incluindo tribunais) e, totalmente, com o seu foro próprio.
            Restam quatro níveis de detecção de problemas como este, como de resto de tudo o que possa correr mal ou vá contra os parâmetros definidos, para as Forças Armadas, apesar de estarem muito debilitados, devido à “erosão” contínua induzida pelos diferentes governos e parlamentos, na Instituição Militar, faz décadas. Mas ainda existem.
            Os níveis hierárquicos mencionados são: o nível do comando de unidade; o nível dos comandos funcionais; o nível Inspecção do Ramo, que era até há pouco tempo chefiado por um oficial general de três estrelas e terceira figura da hierarquia – logo a seguir ao Chefe e Vice - Chefe – e que uma das trinta mil “reestruturações” feitas nas últimas décadas degradou para um general de duas estrelas; finalmente existe a Inspecção - Geral de Defesa Nacional com jurisdição sobre todas as estruturas do Ministério da Defesa.
            Estes níveis são os necessários e correctos, mas convinha não os degradar, em termos materiais, anímicos, de exemplo, de moral e de estabilidade, a tal ponto que um dia destes pura e simplesmente colapsem.
            E desenganem-se também, aqueles que julgam que o controlo por via informática resolve tudo.
            Sabe-se desde o tempo do Afonso Henriques, que a aquisição de abastecimentos para os exércitos é sempre um ponto crítico, que exige especial supervisão e cuidado. O que é é transversal a todos os Exércitos, desde a Antiguidade Clássica…
            Por isso a cultura acumulada no exercício do comando tem isso bem presente (ou deve ter) desde tempos imemoriais.
            O mesmo se aplica, aliás, a tudo o que envolve “negócio” gerido por humanos, sabendo-se a facilidade com que se pode acabar em corrupção.
            Ora o que pode ser preocupante – mesmo tendo em conta que por vezes é difícil descobrir determinadas ocorrências – é que este caso, a confirmar-se, aparenta não ser um caso pontual, mas configura uma organização tipo “associação de malfeitores”.
            Entretanto esperamos que se faça justiça e quem eventualmente enlameia a Instituição Militar seja punido exemplarmente ou, como se diz na gíria militar, “devidamente beneficiado”.



                                                     João José Brandão Ferreira
                                                          Oficial Piloto Aviador


[1] De notar que este orçamento contempla a “alimentação em espécie”; a “alimentação em dinheiro”; as “rações de combate” e as “rações de voo”.

Sem comentários: