Foi
um curso de âmbito militar, conhecido por “curso histórico”, ministrado por
instrutores que tinham ganho as suas “asas” em França e Inglaterra. Estávamos
em plena I Guerra Mundial.
Daí
para cá a Aeronáutica Militar e a Aviação Naval reunidas, em 1952, na Força Aérea,
nunca mais deixaram de formar pilotos e todas as outras especialidades ligadas
ao pessoal navegante e àquelas que permitem que as aeronaves cumpram as suas
missões na 3ª dimensão do espaço.
Não
se sabe é até quando, pelo andar da carruagem da “austeridade”, se vai
conseguir manter esta capacidade de nos instruirmos a nós próprios…
A
primeira escola para pilotos civis recua a 5/6/1930, quando a mesma foi formada
no seio do Aeroclube de Portugal, fundado em 11/12/1909. A escola funcionou,
inicialmente, na Esquadrilha de Aviação República, na Amadora.[1]
Serve
isto para dizer que Portugal foi dos primeiros países no mundo a criar
capacidades e saber, para ministrar cursos de pilotagem (fiquemos por estes) e
que tem basta experiência no assunto. Ou seja, os cursos que se fazem hoje em
dia são resultado de vasta prática, actualizada com aquilo que melhor se fazia
no estrangeiro e suficientemente “mastigada” para que o produto final seja
fiável e de qualidade, sem embargo da pressão que passou a existir
relativamente ao encurtar de gastos/custos, que uma actividade destas comporta.
Na
área militar por causa da compressão dos orçamentos da Defesa e da cada vez
menor importância que as FA gozam perante a classe política; na área civil
porque tudo é “negócio”, apesar do impacto que determinadas decisões têm na
proficiência dos pilotos e na segurança de voo.
Contudo,
apesar da experiência consolidada em termos dos “curricula” e no modo de operar,
de como ensinar um cidadão a ser piloto, uma área existe que não tem merecido a
devida atenção: a educação física.
Não
vamos falar da parte militar onde esta situação está contemplada por
especificidades próprias (embora de alguns anos a esta parte já muito “apaisanadas”),
mas sobretudo no campo civil, âmbito a que nos vamos confinar.
Numa
palavra, a educação e preparação física nos cursos de pilotagem (já agora em
qualquer outro), é igual a zero pela simples razão que não existe.
Ora
isto é uma falha e uma omissão muito indesejável.
Apela-se
aqui e desde já, para o INAC, como autoridade aeronáutica nacional, a fim de
equacionar a questão.
Questão
que deve ser tida em duas vertentes: a preparação física propriamente dita e o
gosto e conhecimento para a prática de actividade de manutenção da condição
física que possa acompanhar o profissional do Ar para toda a sua vida útil.
Acreditem
ou não, mas durante a minha actividade de instrução (que já leva algum tempo)
não é o 1º, nem o 2º, nem o 3º, aluno(a) com que topo cujos bíceps não aguentam
o arredondar da aeronave antes de tocar novamente a crosta terrestre (leia-se pista)
…
A
necessidade de ter uma razoável preparação física para quem é pessoal navegante
(não se aplica só a pilotos) é uma verdade “lapalissiana” que encontra a sua
síntese justificativa na célebre frase latina “mente sã em corpo são”. Mas há
evidências que não entram pelos olhos dentro, sobretudo em que não as quer ver…
Daqui
se tira que a preparação física deve ser tida em conta no instante do
recrutamento e selecção dos candidatos (muito ténue no meio civil) e que esta
deve contemplar testes psicofísicos e psicométricos.
E
defender, como muitos fazem, de que a educação física deve ficar ao critério e
livre alvedrio dos jovens, não resiste à mais elementar observação, muito menos
quando não se impõem tabelas mínimas para o acesso a uma dada profissão.
*****
Como
se sabe o corpo humano é uma máquina, das mais perfeitas que se conhecem.
Máquina
que transforma energia química em energia mecânica e que possui 305 ossos e 434
músculos.
Através
do pensamento (cérebro) esta energia mecânica é transformada em movimentos, os
quais implicam uma grande coordenação de sinergias várias.
A
capacidade de desenvolver um “gesto automático”, gastando a mínima energia
possível - conhecido pelo “estereótipo motor-dinâmico” - é fruto da repetição
de um gesto voluntário que ao fim de um determinado número de repetições (cerca
de 1000) se torna automático.
Enquanto
o “gesto voluntário” depende do córtex, o “automático” depende do tálamo e o
comportamento reflexo está ligado ao “bolbo, ou medula alongada”. Todos, porém,
têm que estar em interacção.
Ora
tudo isto envolve o que é conhecido por “coordenação motriz”, que está na base
da coordenação óculo-manual e espácio-temporal.
Por
ser assim que as coisas se passam, é que é essencial que haja movimentação dos
segmentos ósseos (alavancas) que são acompanhados das forças que os movimentam (os
músculos).
Ora
só através daquilo que nós conhecemos por educação física – modernamente
chamada de “cinesiologia” – se consegue realizar todas estas funções com
sucesso.
Sendo
o treino físico imprescindível não só para o aperfeiçoamento de qualquer gesto
ou movimento, mas também para criar, logo obter, confiança e segurança no
exercício das actividades do dia – a - dia ou, sobretudo, aquelas que são mais
específicas de uma profissão, como o caso da pilotagem.
E já nem falo na importância que a
preparação física tem na resistência ao “stress”, à fadiga, no aumento da
capacidade cardiovascular e à sensação de bem-estar e autoconfiança que
provoca.
Tudo isto passa, obviamente, pela parte
psicológica que dá estabilidade necessária a todo o sistema (o tal estereotipo
motor-dinâmico) e que hoje se pode manter até aos 65 anos desde que não haja
historial de álcool e drogas.
Parece
evidente que o que atrás se disse é importante para todos os seres e
profissões, e não parece ser difícil de entender que, para quem anda aos
comandos de uma aeronave, tal seja essencial.
Formar
pilotos sem a componente “educação física” é estar à partida a limitar
drasticamente (estima-se que até 50%) as capacidades e potencialidades
existentes no ser humano, além de tornar mais morosa e difícil a aprendizagem.
E
representa ainda um perigo acrescido dado que os chamados “circuitos
recorrentes” que originam o “feedback” passam a ser em número muito menor o que
diminui o controlo da (nossa) máquina humana que, por sua vez, terá de
controlar a outra máquina (aeronave).
Face
ao exposto não parece difícil de concluir que deviam existir tabelas mínimas de
performance física para os candidatos a pilotos (o que já faria os candidatos
começarem a preparar-se desde mais novos) e fazer acompanhar os “curricula” dos
cursos com aulas obrigatórias de Educação Física (2 a 3 vezes por semana).
Isto
exige, como é bom de ver, meios que as escolas não têm mas que teriam que
passar a ser criados, por serem requisito: seria o mesmo que não ter legislação
aérea, na parte teórica ou um mecânico a apoiar a actividade aérea diária.
É
necessário, basicamente, professores/monitores e instalações desportivas. Tal
pode ser conseguido com o apoio dos aeródromos onde se ministram actividades
aéreas; conjugação de esforços entre escolas; aluguer de espaços (ginásios,
campos desportivos/piscinas), etc., ou até construção de raiz, onde e quando
tal se justifique.
Não
vou entrar no tipo de exercícios/desportos que interessem ou não fazer – deixarei
isso para os especialistas – mas não posso deixar de tocar um último ponto que
é o da necessidade de ensinar aos futuros profissionais o que eles podem e
devem fazer, como ginástica de manutenção durante a sua vida futura.
E
não resistimos a recordar como boas práticas para pessoal navegante: a esgrima,
o pingue - pongue, o ténis, o golfe, a natação, o voleibol, etc..
Além
de boas aterragens, desejo-vos uma boa transpiração.
[1] Os primeiros pilotos civis
foram, todavia, formados na Antiga Escola Militar, na Granja do Marquês; uns
anos antes. Foram eles: Carlos Bleck; Manuel Vasques; Sousa Santos e Maria de
Lurdes Sá Teixeira – a 1ª mulher piloto a ser formada em Portugal (6/12/1928).
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