domingo, 20 de novembro de 2011

CONFERÊNCIA PROFERIDA NA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA A 15 DE NOVEMBRO DE 2011

A GEOPOLÍTICA DA ANTÁRTIDA E OS INTERESSES NACIONAIS

“A identidade de interesses é o mais seguro dos vínculos entre Estados ou indivíduos”
Tucídides

INTRODUÇÃO
            O interesse efectivo de Portugal pela Antárctida é muito recente e partiu de “baixo para cima”. Quer isto dizer que a acção não teve origem em nenhum órgão governamental, mas resultou da acção de vários académicos e cientistas e do apoio de várias entidades e simples cidadãos comuns. Já vimos o posicionamento dinamizador que a Sociedade de Geografia teve em todo este processo.

            Terem os eventos esta origem não tem nada de mal – e sem dúvida é de louvar os protagonistas – quer dizer apenas, que foi a chamada “sociedade civil” a andar à frente do Estado e não este que determinou as coisas.

            Existe, todavia, consequências de tudo isto, sendo as principais que os eventos podem correr desgarrados; haver uma maior dispersão de esforços e uma falta de visão global (uma visão “polar”, se assim lhe quiserem chamar), para o tema.

            É, como em tudo, um caminho que se vai fazendo.

           O catalisador da presente evolução foi a comemoração do Ano Polar Internacional, em 2007/8, o que ocorreu pela 1ª vez em Portugal, e cujas iniciativas se prolongaram até 2009.

            Em Dezembro de 2007 foi lançado o Programa Polar Português, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) o que originou uma expedição de seis cientistas à Antárctida, em Janeiro de 2009.

            Os responsáveis por estas iniciativas avisaram, publicamente, que as investigações científicas portuguesas estavam muito limitadas pelo facto de Portugal não ter ainda ratificado o Tratado da Antárctida, o mesmo se passando com o estabelecimento de acordos internacionais.

            Por outro lado, durante a Cimeira Luso-Espanhola realizada em Zamora, em Janeiro de 2009, foi assinado um acordo de cooperação com a Espanha no âmbito da exploração polar.

            Na sequência, a Assembleia da República discutiu e aprovou, por unanimidade (entre 14/7/2009 e 9/11/2009), a Proposta de Resolução do Governo nº 139/X, de 9/7/09, que visava a adesão de Portugal ao Tratado da Antárctida (publicado no DR, I Série nº 217/X/1-19-11-2009).

            O pedido de adesão foi depositado em Washington, a 29 de Janeiro de 2010.

A Geopolítica e a Geoestratégia
“Não existem mais Alaskas à venda no mundo de hoje”
Cor. Walter Bischoff (Brasil)

            Vamos tentar dilucidar, em termos breves, os principais elementos que evidenciam a importância geopolítica e geoestratégica da Antárctida.    

1.      Em termos Físicos

a.       A Antárctida situa-se no Hemisfério Sul. Este hemisfério é considerado o hemisfério marítimo já que apenas contém 14,5% de terras emersas (ao contrário do Hemisfério Norte onde residem os restantes 85,7%. Por outro lado, os oceanos cobrem cerca de 81% da sua superfície. Tanto o Índico, o Atlântico e o Pacífico têm grandes constrangimentos geográficos a norte, mas para sul são extremamente abertos, sem qualquer limite geográfico definido até ao distante litoral da Antárctida. Daí que, em muitos casos, nem sequer se refere a existência do oceano antárctico. As águas que circulam em redor da Antárctida, formam a Corrente Circum Polar Antárctica. Estas águas movem-se segundo o sentido do ponteiro do relógio (visto do pólo sul) e vão tocando as correntes das águas temperadas dos oceanos referidos em latitudes que variam entre os 50º e 60º Sul, formando uma linha mais ou menos regular designada por Convergência Antárctica. Esta linha é uma zona de grandes temporais que dificultam a navegação. Deste modo, se quisermos definir o oceano Antárctico podemos considerar a convergência Antárctica como sua fronteira. A corrente circumpolar Antárctica sofre apenas um pequeno estreitamento entre a Terra do Fogo e a Península Antárctica, mas mesmo aqui a passagem de Drake tem 1000 km de extensão.

b.      É pois no centro deste autêntico “deserto” de água, que se encontra o Continente Antárctico. Este continente representa uma massa terrestre quase circular com um diâmetro médio de 4000 km. Representa 9,6% das terras emersas do nosso planeta, com uma área de 14.245.000 Km2, bastante superior à Europa (9.700.000 Km2). Daquele território apenas 2 a 3% não é coberto por neve, mas no Inverno o oceano gelado chega a estender-se por 800 milhas isolando o continente e duplicando-lhe a extensão. A altitude média é de 4000 m e o ponto mais alto chega aos 5150 m.

c.       A Antárctida dista 1000 km da América do Sul; 2500 km da Ilha da Tasmânia (junto à Austrália) e 4000 km da África do Sul. O Pólo Sul não fica no centro da massa continental mas mais próximo do istmo da Península Antárctica. A temperatura média do continente, é de -25º C, mas a estação russa de Vostok já registou temperatura de -88º C.O continente está dividido em Antárctida Ocidental e Oriental. Os gelos têm uma espessura média de 2000 m, chegando a 2400 m, nalguns pontos. Apesar disso no Pólo Sul apenas caem seis centímetros de neve por ano. A mil metros de profundidade, por exemplo, os gelos contam 1000 anos. Porém, na Península Antárctica chegam a cair dois metros de neve por dia. Se os gelos por acaso derretessem totalmente, calcula-se que o nível dos oceanos subiria 60 metros. Na Antárctida não há vegetação (apenas poucos líquenes e musgos) e todos os seres vivos alimentam-se exclusivamente no mar e do mar, que é dos mais ricos do globo.


2.      Recursos Naturais

a.       O maior recurso natural da Antárctida é, sem dúvida, a água. O continente possui 90% da neve e dos gelos do globo e 10% das reservas de água doce. Existe, inclusive, conhecimento de enormes lagos em profundidade, em temperaturas mais amenas.

b.      O segundo recurso mais importante é o peixe, os cetáceos e o krill - uma espécie de camarão pequeno que existe em grandes quantidades e que é um elemento fundamental em toda a cadeia alimentar. Possui alto valor económico e já é intensivamente explorado pela Rússia, Japão, Polónia e Chile. Algumas das aves existentes, são comestíveis.

c.       Finalmente, temos que referir os hidrocarbonetos e os minerais. Já se sabe que existem e têm valor comercial, mas está-se ainda longe de saber a totalidade das reservas existentes. À medida que o tempo passa e melhora a tecnologia existente e aumenta a necessidade destes produtos, tal irá, certamente, aumentar as cobiças e o desejo de explorar estes recursos o que, para já, está proibido por tratado. Para se ter uma ideia, já foram referenciados cerca de 200 minerais entre os quais ouro, urânio, prata, ferro, carvão, mica e manganês. Existem apreciáveis lençóis de gás natural e petróleo e isto apenas tendo sido feitas pesquisas nas regiões costeiras e na plataforma continental. Existem ainda algas com valor comercial e que já são exploradas pelo Chile e Tasmânia.


3.      Instrumentos Jurídicos

a.       O que de principal se passa na Antárctida é regulado pelo Tratado da Antárctida, de 1 de Dezembro de 1959, sendo doze os países signatários. Entretanto associaram-se ao Tratado como membros consultivos mais 16 estados, elevando o total para 28. Com o estatuto de não consultivos, existem 21 estados que ratificaram o tratado, o penúltimo dos quais foi Portugal, e o último a Malásia. Este é o primeiro estado muçulmano a fazê-lo. Basicamente o tratado obriga:

·         À desmilitarização da Antárctida e o seu uso unicamente para fins pacíficos;

·         À promoção da cooperação científica internacional (a qual é livre);

·         Ao congelamento das reivindicações territoriais em termos soberanos, existentes;

·         À afirmação do território como zona desnuclearizada e de protecção ambiental.

b.      Independentemente do congelamento das reivindicações territoriais, estas não foram abandonadas e constituem uma realidade que não pode ser escamoteada.

c.       O Protocolo de Madrid, de 1991.

Este protocolo proíbe a exploração de minérios na Antárctida por um período de 50 anos.
Existem alguns convénios relativos à preservação ambiental.

d.      O SCAR (Scientific Committee on Antartic Research – Comissão para a Investigação na Antárctida).

      Foi criada em 1971 e representa uma sociedade científica do Conselho Internacional das Uniões Científicas, que procura organizar um programa global de investigação e de divulgação de resultados obtidos. Existem actualmente cerca de 60 estações científicas da responsabilidade de 29 países diferentes.                                

e.       ONU.

      De quando em vez diferentes países têm levantado a questão da Antárctida na ONU, pretendendo que esta organização aumente a sua intervenção relativamente ao que se passa no “Continente gelado”. A maioria dos países signatários do Tratado de Washington tem, contudo, feito oposição a tais desideratos. Sem embargo, em 1990, foi decidido criar uma estação científica da ONU na Antárctida e estabelecer um programa de reavaliação ambiental no continente.


4.      Aspectos Estratégicos

a.    O tratado da Antárctida foi o primeiro tratado a definir uma zona do globo   livre de qualquer tipo de armas ou de qualquer utilização militar. Proíbe ainda experiências ou explosões nucleares, mesmo para fins pacíficos, bem como o depósito de resíduos radioactivos. Até hoje tudo isto foi respeitado.

b.   Da Antárctida pode-se controlar os estreitos de Drake e de Magalhães e exercer algum controle, embora remoto sobre a Rota do Cabo. Estes “choke points” são tão mais importantes, quanto a vulnerabilidade dos Canais do Suez e do Panamá, aumentarem. Com meios militares, logísticos e tecnológicos apropriados pode ser feito o controlo das rotas marítimas entre os oceanos Atlântico, Pacifico, e Indico.

c.    Os mares antárcticos têm constituído em diferentes conflitos, além de área de trânsito, excelentes refúgios para navios, nomeadamente aqueles empenhados em guerra de corso. Hoje em dia, a detecção por satélite, diminuiu muito essa importância, que se mantém válida para os submarinos, já que os mares continuam a ser opacos às ondas electromagnéticas e os satélites ainda não detectam objectos submersos. Lembra-se que os submarinos ingleses, durante a guerra das Malvinas, nunca foram detectados.

d.   A regulação futura da extensão da plataforma continental antárctica também deve ser acautelada para prevenir conflitos.

e.    A teoria da “Defrontação” desenvolvida pela escola de geopolítica brasileira, onde pontificou Theresinha de Castro, pode vir a criar novas tensões (como já criou), caso não seja harmonizada com o Tratado de Washington.

f.    A contestação da soberania inglesa sobre o Arquipélago das Falkland, por parte da Argentina, manter-se-á como um foco de tensão na região. O mesmo se aplica às reivindicações territoriais originais, da Inglaterra, Chile e Argentina, na península Antárctica, e que se sobrepõem umas às outras.

g.   Conforme a evolução futura, pode vir a levantar-se também, um conflito entre a Alemanha e a Noruega, dado que esta passou a reivindicar território, antes ocupado por aquela.

h. As rotas aéreas polares representam uma significativa economia para as ligações entre a América do Sul e até do Sul de África, a Austrália e restante Oceânia. Por exemplo na ligação entre Buenos Aires e Auckland, uma redução de 17.400 para 6.000 milhas.


5.   Âmbito Militar

Apenas para relembrar conflitos passados.

Já se referiu que durante as I e II Guerras Mundiais os mares antárcticos foram excelentes áreas de refúgio.

      Nestas duas guerras, as primeiras batalhas navais foram travadas entre navios que cruzavam os mares do Sul dos Continentes Americano e Africano: as batalhas de Coronel, em 1 de Novembro de 1914; Rio de Prata, em 13 de Dezembro de 1939. Durante o conflito das Falkland entre a Argentina e o Reino Unido, a importância estratégica do arquipélago esteve sempre presente.


6.      Diversos

a.    Climatologia

A Antárctida constitui um observatório privilegiado para a observação e estudo do clima. Alterações no clima desta zona do globo podem vir a afectar a restante superfície da terra.

      Eventuais experiências para se poder utilizar as alterações climáticas como uma arma devem ser cuidadosamente vigiadas. Para além do clima e dos fenómenos meteorológicos a Antárctida revelou-se ser um laboratório precioso para estudos oceanográficos, ionosféricos, cósmicos, magnéticos, etc.

b.   Turismo

      O turismo na Antárctida é uma actividade em expansão na última década e o seu interesse comercial tenderá a aumentar (já desembarcam por ano, cerca de 10.000 turistas na Península Antárctica).

      Esta actividade terá que ser regulamentada antes de vir a criar eventuais tensões entre Estados e, também, para prevenir e tratar os seus efeitos sobre o ambiente. Recorda-se, como exemplo, que em 1989 um navio turístico e abastecedor argentino naufragou e, durante dois anos, foi vertendo 680 mil litros de fuel.

d.      Em todas as considerações e análises sobre a Antárctida existem quatro considerações que devem estar sempre presentes:

- A distância e o isolamento;

- As condições extremamente agrestes para a sobrevivência humana;

- A adequação e as adaptações que são necessário fazer para garantir o funcionamento de todo e qualquer material e equipamento em tão extremas condições:

- O elevadíssimo custo de qualquer operação.

Tudo isto representa um extraordinário conjunto de desafios e limitações, que não podem ser encarados de ânimo leve.

A Posição de Portugal
“Não temos de fiarmos de outras potências mas sim de nós próprios”
D. João V

            Com as devidas distâncias e proporções a “corrida” ao Continente Antárctico assemelha-se à corrida a África no Século XIX, e o Tratado de Washington, configura a Conferência de Berlim de 1884/5.

            Ora já em Berlim nós fomos amplamente prejudicados quando os direitos de “ocupação efectiva” se sobrepuseram aos direitos históricos. Quer isto dizer, no âmbito tratado, que para se poder usufruir de algo é preciso estar e desenvolver capacidades.

            Portugal esteve fora deste “corrida” até 2010. Como se deve posicionar daqui para a frente?

            Vejamos, em primeiro lugar, que interesses poderemos ter lá:

            - Não ficar de fora da exploração, conhecimento e usufruto de uma das últimas “fronteiras” da Terra; ou seja projectar poder (mostrar a bandeira) e interesses, marcar posição. Prever é uma função de qualquer liderança esclarecida;

            - Investigação científica;

            - Riquezas do subsolo;

            - Recursos piscícolas;

            - Acesso a reservas de água doce (nunca se sabe...). A água tende a ser mais preciosa, no futuro, do que o petróleo.

            Ora tudo isto parece, ou pareceu, uma aventura para além das nossas possibilidades. Devo dizer que os portugueses só se dão bem com objectivos que aparentemente os ultrapassam.

            Mas, de facto, não nos devemos, nem podemos, partir para o paralelo 60 Sul sozinhos. Aliás, mesmo antes de aderirmos ao Tratado da Antárctida se procurou fazer acordos e parcerias com vários países para projectos científicos. O maior de todos foi efectuado com a vizinha Espanha, na citada Conferência de Zamora.

            Devemos procurar ter as melhores relações com o país (único) vizinho e não devemos fechar as portas a acordos que nos sejam favoráveis. Mas a História e a Geopolítica não aconselham a que se façam acordos de âmbito estratégico com a Espanha, por razões que me dispenso de enumerar.

            Tão pouco se deve, na Europa, ir além de cooperação científica, acesso a conhecimento de ponta e eventuais financiamentos específicos. E isto na base de acordos bilaterais e não no âmbito de Bruxelas, pois acreditamos numa de duas coisas: ou Bruxelas se despedaça ou avança no caminho federativo. Ambas as soluções são péssimas para Portugal, embora a segunda seja pior que a primeira.

            A grande alternativa de Portugal neste âmbito, como em outros, deve ser o Brasil e, por extensão, a CPLP. É aqui que deve residir a nossa grande aposta estratégica e a sinergia de acções.

            Neste particular nós devemos utilizar uma postura semelhante à que a Inglaterra tem com os EUA: estes têm os recursos, a tecnologia avançada, a dimensão; os ingleses dão a doutrina. É nesta mais - valia e mestria que nós temos que desenvolver e apostar. A partir daqui é necessário envolver Angola e Moçambique que estão de certo modo projectados geograficamente para o Continente “Branco”, e depois cada um dos outros.

            Esta política seria boa para todas as partes, aumentaria a influência de Portugal no âmbito europeu e mundial e, especificamente, na Conferência Ibero-Americana.

            O programa polar brasileiro iniciou-se em 1984 e nada deve ao espanhol que se iniciou quatro anos depois. Não tenho tempo para me debruçar sobre cada um deles.

            Sendo de louvar todo o esforço que tem sido feito pelos cientistas portugueses até agora, deveremos tentar fazê-lo convergir para o desenvolvimento da economia nacional, prioritizando a afectação de recursos, que são escassos.

            Os interesses nacionais passam ainda pela complementaridade dos estudos na Antárctida e a extensão da Plataforma Continental Portuguesa, acrescida da extensão das plataformas continentais dos outros países da CPLP.

            E, até, da complementaridade do desenvolvimento da tecnologia de satélites, que Portugal infelizmente abandonou, com o POSAT1, e onde deve entrar, novamente, o Brasil e a CPLP.

            Finalmente devemos tentar constituir uma base de dados sobre a Antárctida e garantir a formação de núcleos de cientistas e de especialistas em Direito e na Geopolítica da Antárctida, que nos permita dominar os assuntos no âmbito tratado, estar presente nos “fora” relacionados e trocar “serviços”.

            Quando já tiverem sido criadas um mínimo de capacidades e houver recursos financeiros, deve ser adquirido um navio oceanográfico especialmente concebido para os mares antárcticos (de preferência em estaleiros nacionais) a ser operado pela Armada e que permita melhor concretizar os projectos aprovados.

Conclusão
“Não há vento favorável para aquele que não sabe para onde vai”
Séneca

            Face ao exposto, aparenta ser pertinente montar uma estrutura ao nível adequado do Governo, para organizar, coordenar e tornar operacional um plano português para a Antárctida e que trabalhe em função do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, definido.

            Torna-se necessário manter um nexo político que privilegie a Segurança, já que não há desenvolvimento sem segurança. É necessário harmonizar toda a investigação científica e restantes actividades relativamente aos objectivos definidos e às estratégias traçadas. Não deve haver actividade deletéria na investigação já que não faz sentido fazer-se investigação pela investigação.

            Os recursos são escassos e há que os aproveitar criteriosamente.

            Na Antárctida tem, felizmente, prevalecido uma convivência única, na História da Humanidade, entre todas as nações que têm visitado e estabelecido na região. Mas todos devemos ter a consciência que este equilíbrio se pode romper em qualquer momento.

            Vale o pensamento deixado por um viajante, no livro de visitas da Base Uruguaia de Artigas:
Talvez a novidade de que os ventos antárcticos levarão ao mundo não seja o fruto das nossas pesquisas, senão a da nossa vida em harmonia com a natureza e a convivência fraterna entre os povos. Cremos que as gerações futuras, com espírito mais sereno, valorização a riqueza do descobrimento da paz

A Alemanha e a Antárctida

            Reservei ainda cinco minutos para vos falar de um assunto controverso e de contornos mal definidos: as reivindicações alemãs sobre a Antárctida, na IIGM.  

            O início da exploração alemã da Antárctida remete-nos para o ano de 1873, quando a Sociedade Alemã de Pesquisa Polar, enviou uma expedição com um navio – o Grönland – o 1º navio a vapor em águas polares – chefiada por Eduard Dallmann Esta expedição descobriu numerosas novas regiões incluindo as ilhas Kaiser Wilhem.

            Outras expedições se seguiram, das quais se destacam a comandada por Wilhelm Fichtner, em 1910, e a dirigida pelo Dr. Albert Metz, em 1925.      

            Durante o governo nacional – socialista, foi tomada a decisão de enviar uma grande expedição, em 1938, sob o comando do Capitão Alfred Ritcher, com o intuito de anexar o território que pudessem reivindicar e inclui-lo na soberania alemã.

            A expedição partiu de Hamburgo, uma semana antes do Natal de 1938 e chegou ao continente branco a 19/1/1939.

            O navio utilizado foi o “Schwabenland” que haveria de dar origem ao nome dado ao novo território “Neu-schwabenland”.

            Este navio estava colocado na ilha do Faial, Açores, dando apoio aos hidroaviões da Lufthansa que faziam o percurso entre Berlim e Nova York.

            Após receber ordem secreta da Alemanha, o navio abandonou os Açores a 19 de Outubro de 1938 e dirigiu-se para Hamburgo a fim de ser rapidamente preparado para rumar à Antártida com 82 homens a bordo, alguns deles altamente qualificados e dois hidroaviões pesados, que eram directamente catapultados do convés do navio.

            Esta expedição reivindicou a posse de 600.000 km2 de território na parte atlântica da Antárctida, depois de terem explorado, cartografado, fotografado, medido e delimitado tudo o que puderam, numa área maior do que a Península Ibérica.

            O navio estava de volta à Alemanha, em 11 de Abril de 1939.

            Esse território foi reivindicado pelo Governo Alemão, da altura.

            Uma segunda expedição civil gorou-se por via do início da II GM.

           Neste ponto acaba aquilo que é oficialmente admitido, embora escondido.

            O que vou dizer a seguir são hipóteses não confirmadas, para alimentar a vossa curiosidade intelectual e a ter em conta em eventuais investigações/desenvolvimentos futuros.

            Como poucos saberão ou recordarão, a Alemanha é o único país contra quem as potências aliadas lutaram na II GM que, até hoje, não teve tratado de Paz.

            Tal deveu-se, provavelmente, ao facto do Almirante Doenitz, nomeado chefe do governo alemão, após o desaparecimento de Hitler, ter ordenado a rendição de todas as forças militares alemãs, sob o seu comando. O que se deu pela assinatura do General Jodl, na frente leste, relativamente aos soviéticos e pelo Marechal Keitel, na frente ocidental relativamente a americanos, ingleses e franceses.

            Este procedimento foi corrigido, relativamente à guerra na Pacífico, onde se obteve a rendição incondicional do Japão e não apenas das suas FAs.

            O que é que isto terá a ver com a Antárctida perguntarão? Tem isto: na possibilidade do governo alemão ter preparado a sua sobrevivência em caso do território europeu alemão, ser ocupado.

             A base, eventualmente, construída em Neu-Schwabenland, teria o nome de código “Base 211”, para onde teriam sido transportadas pessoas e materiais, durante a guerra.

            Estão oficialmente contabilizados 1153 submarinos construídos pelos alemães, na IIGM, em 11 cidades e 27 estaleiros. Destes foram destruídos 764, tendo morrido 30.003 homens! No fim da guerra foram autodestruídos 238 submarinos. Os restantes ter-se-ão rendido. São números impressionantes!

           Existem, porém, suspeitas de que muitos destes submarinos, ou outros não contabilizados, possam ter desaparecido sem deixar rasto.

            Ninguém sabia disto até que, em 15/1/1947, uma grande expedição militar americana, comandada pelo Almirante Byrd – célebre explorador dos pólos - a operação Hihg Jump, que compreendia 13 navios e 4.700 homens e muitas aeronaves, chegou à Antárctica, perto da costa oeste da Neu-Schwabenland.

            Ao fim de poucas semanas (fim de Fevereiro de 1947) as forças retiraram, quando estava previsto permanecerem seis meses. Oficialmente tratou-se de uma expedição científica e para construir a base de “Little América IV”; oficiosamente conhecida pela “guerra dos pinguins”, já que apenas existem pinguins na Antártida…

            Em 1955 os americanos voltaram à Antárctida com uma task force de 12 navios, 3000 homens, 200 aviões e 300 veículos. Operação “Deep Freeze I e II”, tendo construído várias bases.

    Existem notícias de que, em 1958 (em Ago/Set.), os EUA dispararam três mísseis com ogivas nucleares no Atlântico Sul (operação “Argus”), entre os paralelos 38º e 50º S, na longitude da República da África do Sul, o que tem sido negado oficialmente (e pode estar na origem do “buraco” de ozono).

            A República Federal Alemã que, recordo, é uma criação da Comissão de Controle dos Aliados, em 1949, que é uma “estrutura provisória sem Constituição, apenas com uma Lei - Base, aderiu ao Tratado da Antárctida, em 5/2/1979, como membro consultivo. Possui actualmente, desde 1981, uma estação científica – a estação Neumayer – no antigo território da Nova Suábia.

          O programa de desnazificação posto em prática na Alemanha, após o termo oficial da IIGM, confiscou todas as publicações relativas aos eventos antárcticos alemães, no período considerado. E silenciou o assunto.

          Quem na Alemanha, hoje em dia, falar sobre este tema arrisca-se a ser preso.

          E disse.

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Bibliografia
Bischoff, Valter - “Antárctica”, trabalho de pesquisa apresentado Colégio Interamericano de Defesa, Washington, DC, Maio de 1996.
Daenhardt, Rainer - “Dos Açores à Antárctida”, Publicações Quipu, Lisboa, 1998.
Gaspar, Pedro J. da Mata - “As reivindicações Territoriais na Antárctida”, Mar de Letras Editora, Ericeira, Outubro de 2010.
Almeida, Valente de Políbio  - “Ensaios de Geopolítica”, ISCSP, Lisboa, 1994.

Revistas
Chacón, Manuel Trigo - “Presencia de La Armada Espanola en La Antárctida – antecedentes Históricos. La Naturaleza Jurídica de La Antárctida”, Revista General de Marina, Maio de 2011.
Sachetti, António E. - “Os Mares Antárcticos”, Anais do Clube Militar, Vol. CXXIV, Abril/Junho, 1994, pág. 245-346.
Ferreira, João J. Brandão - “Os Espaços Estratégicos de Interesse para Portugal”, Revista Militar, n.º 2510 e 2511, Março e Abril de 2011.
            - “Capacidade e Vulnerabilidades no Âmbito da Estratégia Militar, Revista Militar, Maio de 1995.
Sousa, José E, Borges de - “O Brasil na Antárctida – o Programa Antárctico Brasileiro “Proentar”, Revista de Marinha, Out/Nov 2009.
Centro de Comunicação Social da Marinha. “Poder Naval” – A Marinha do “Brasil”, Action Editora, Rio de Janeiro, 2006.

Conferências
Afonso, Paulo Manuel J. - “Antárctida – Uma Estratégia para Portugal”, Escola Naval, 25 a 29 de Novembro de 2002.

Documentos Oficiais
Tratado da Antárctida - Diário da República, 1ª Série Nº 217 de 9 Novembro de 2009.
Protocolo Adicional ao Tratado da Antárctida – Tratado de Madrid de 1991.
Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da República Portuguesa e o Ministério da ciência e Inovação do Reino de Espanha, para a participação conjunta em investigação polar, 22/11/2009.
Ministério dos Negócios Estrangeiros (1985). Convenção da Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Biblioteca Diplomática, série C, 1985, Lisboa.

Internet

2 comentários:

José Baptista Evaristo disse...

Tive a oportunidade de assistir à apresentação sobre um tema interessante.
Na parte final, levantas a ponta do véu sobre uma questão que me interessou há cerca de vinte anos, mas que acabei por abandonar.
Vou revisitar o assunto outra vez.
De parabéns está a Sociedade de Geografia de Lisboa pela realização de mais uma excelente iniciativa.

José Baptista Evaristo
Coronel de Engenharia na Reserva

Zé Quintão disse...

Aprendi que a Geografia tinha sido inventada pelos militares fazerem a guerra.Hoje em dia, quando se fala em militares em certos meios,nomeadamente nos académicos civis, invariávelmente estes,são repudiados. Na verdade os militares parecem não estar na moda, talvez reflexo da própria decadência de valores nesta sociedade. Assisti com muito interesse ao colóquio sobre o tema Antártida, especialmente porque conheço as posições dos dois principais palestrantes.A investigação desenvolvida pelo professor Gonçalo Vieira é de enaltecer, mas lamento e conforme o TCor/Brandão referiu, o facto da " a carroça andar à frente dos bois", mas isto não deverá ser fruto do acaso. Na verdade os civis parecem ter a primazia nestas coisas da geografia e não deveria ser. Os militares tal como os empresários deveriam ter ligações convenientes e estratégicas com as Universidades. Percebi que na cátedra da Geografia da UL se desvalorizou ramos desta ciência,abrindo um nicho de oportunidade para certas faculdades criarem cursos que abordam contéudos desta ciência, aparecendo por aí ofertas várias, onde se inclui Relações Internacionais.
Os militares por sua vez, também se desviaram dos seus objectivos e deixaram de acarinhar a Geografia, agora parecem aprender relações internacionais, muitas vezes sem entenderem afinal, o que é a geopolitica, geoeconomia e a estratégia, quando tudo o que se assiste no mundo, não é mais do que uma luta por recursos nos espaços. Com algumas excepções, percebo que a maioria dos militares está arredado desta ciência e não devia, porque quanto menos geografia souber, mais dificil se torna explicar a sua missão e mesmo ganhar a guerra. A realidade que conheço diz-me que o Exército está mais próximo deste objectivo, quando se sabe que na Força Aérea a ciência foi banida sendo substituida por filosofia. Na academia a coisa parece ficar-se pelas relações Internacionais.
Antes de mais, um militar deveria ser um geografo, o geógrafo é aquele que olhando a paisagem, a descodifica e assim terá mais probabilidade de ter sucesso e sobreviver.
A tese da geopolitica explicada pelo orador TCOR Brandão tem muita pertinência e importância e deveria ter mais atenção dos nossos governantes. Claro, há aqueles que percebendo pouco, dizem que não há interesse na Antártida pelos portugueses, porque o peixe ficava muito caro com o transporte, mas alheando-nos desses, urgem fazer parcerias estratégicas entre entidades civis e militares em prol dos interesses de Portugal e seus parceiros em termos de futuro. O futuro é feito agora.
Parabéns à Sociedade de Geografia de Lisboa por esta iniciativa; a de colocar frente a frente a sociedade civil e militar.