Era uma vez um órgão do Estado. Neste particular o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA), assim chamado. O GPIAA, herdeiro de outros órgãos semelhantes que o antecederam, foi criado pelo DL318/99. As suas funções são as de investigar os acidentes e incidentes com aeronaves ocorridos no território nacional – e colaborar, quando necessário, nas investigações de acidentes/incidentes com aeronaves nacionais ocorridos no estrangeiro – e, também, o de elaborar recomendações que possam prevenir futuras ocorrências.
Tudo isto representa uma “obrigação” do Estado Português desde que assinou a Convenção Aérea de Chicago, em 1944, a que se junta toda a legislação europeia mais recente, existente no mesmo âmbito e de que Portugal é subscritor.
Depois de vicissitudes várias o GPIAA chegou a 2010 com nove funcionários (um director, dois administrativos, um técnico superior, um motorista e três investigadores, mais um equiparado), o que para uma estrutura do Estado, normalmente “assaltadas” pela partidocracia infrene e dominante, se pode considerar um oásis de contenção, em termos de pessoal, parafernália e custos.
O GPIAA é um órgão independente e depende directamente do Secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações, e assim deve ficar para se poder garantir a isenção da investigação, a qual visa determinar, frisa-se, causas e não culpados. Para isso existe o âmbito disciplinar e criminal.
Este organismo tem investigado uma média de 36 processos/ano o que dá uma média de 10 a 12, por investigador, o que é um número aceitável em termos de países civilizados (embora haja processos e processos…).
Até há cerca de quatro anos, pelas vicissitudes aludidas, os processos encontravam-se com cinco anos de atraso, tendo esse lapso de tempo sido, entretanto, encurtado para um ano, o que parece ser também aceitável (lembra-se a grande complexidade que, por vezes, existe na investigação e a necessidade de exames periciais complexos e caros).
Estando as coisas neste pé terminou, em Novembro do ano passado, o contrato a dois dos investigadores, caducando um terceiro no inicio do ano em que agora estamos. Ora trabalhando o GPIAA com o mínimo de investigadores possível e prevendo ficar-se a curto prazo reduzidos apenas a um, estabeleceram-se contactos com a tutela para se desbloquear esta questão, que põe em causa a própria existência do serviço – para os menos correntes nestas matérias deve acrescentar-se que uma verdadeira equipa de investigação de acidentes com aeronaves deve dispor de, pelo menos, meia dúzia de técnicos de várias especialidades e poder recorrer a outros, quando necessário.
Sem embargo a resposta demorava.
Eis senão quando ocorreu o acidente com o B777 da TAAG (6/2/10), que largou peças sobre Almada. Na emergência foram chamar os investigadores cujo contrato tinha terminado e estes, na sua boa fé e na esperança de que a sua situação fosse rapidamente esclarecida, apresentaram-se ao serviço e começaram a tratar do caso.
No dia 29/12/10, porém, foi publicado o DL que proíbe a todo o funcionário público acumular vencimentos quando trabalharem para o Estado (e os políticos?). Isto vai abranger também, no âmbito aeronáutico todos os militares e civis, abrangidos, que trabalham no INAC, ANA, EMA, etc.
Vejamos a irracionalidade da medida aplicada ao cargo que estamos a tratar.
As especialidades de segurança de voo e de investigador de acidentes com aeronaves, só são passíveis de serem obtidas na Força Aérea. Não existem cursos para tal em nenhuma universidade ou escola portuguesa. Mesmo as grandes companhias aéreas, quando precisam de especializar alguém nesta área, enviam elementos seus ao estrangeiro.
Não se pode falar, por outro lado, em nenhuma “carreira” de investigador ou de prevenção de acidentes, isto independentemente do facto de todas as companhias aéreas, escolas de pilotagem e aeroclubes deverem, por lei ou bom senso, disporem de um órgão que se ocupe da segurança de voo/terra.
Ou seja, para o Estado Português poder cumprir os seus compromissos internacionais, só pode lançar mão de profissionais, normalmente em fim de carreira ou já reformados de suas antigas profissões, para poderem ocupar as funções de que estamos a tratar. E a quem pagavam – no caso de serem funcionários públicos ou equiparados, até agora, apenas um terço do vencimento, para além da reforma usufruída. No caso analisado a média rondava os 650 euros.
Ora como é duvidoso que alguém fique a trabalhar de borla, o Estado vai perder todos os funcionários que se encontram nas condições descritas. E o mais curioso é que para os substituir – se não quiser entrar em incumprimento internacional ou ter que passar pelo incómodo do “outsourcing”, vai ter que encontrar gente disponível no mercado, formá-los de raiz e esperar anos para que saibam fazer razoavelmente uma tarefa que leva muito tempo de experiência a aprender. Ou pagar a outros que venham do privado e estejam habilitados. Em qualquer dos casos vai trazer custos mais elevados tanto em dinheiro como em continuidade do serviço.
O país vai parando aos bocadinhos…
Este é o resultado de se fazerem leis de aplicação “cega”, ou não maturadas convenientemente por causa de constrangimentos temporais ou políticos, ou ainda por falta de preparação/conhecimento do legislador.
Agora imaginem o que pode resultar quando todas estas circunstâncias se reunirem em simultâneo. Parece, até, ser o caso.
1 comentário:
Sr. TCOR / Brandão, não posso estar mais de acordo com o que acaba de aqui explanar.
Vamos ver até quando "nos" vamos manter cegos no que respeita a assuntos como este, da Segurança de Voo, e outros.
Sempre a considerá-lo.
Gama Caldeira
(seu aluno em T-37C)
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