sábado, 10 de julho de 2021

A CARTA DE MONIZ BARRETO E A ACTUAL REFORMA DAS FORÇAS ARMADAS

 


A CARTA DE MONIZ BARRETO E A ACTUAL REFORMA DAS FORÇAS ARMADAS

9/7/21

    Um extracto de carta que é muito mais que uma carta…[1]

    Ei-lo:

    Durante os três anos em que fui instrutor na Academia da Força Aérea, distribui-a aos cadetes, tentando explicar-lhes o fundamento, no âmbito das minhas atribuições. Não parece que tenha tido grande sucesso.

    “… Senhor, umas casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã a um toque de corneta se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da vontade fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a Morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza das suas acções é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar. Quando eles passam na rua juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares: eu cá lhes chamo padres.

    Padres de religião augusta, a única possível nos dias de hoje: a do civismo. Por essa divina humildade que os faz semelhantes a coisas eles se levantam acima dos outros homens. Corações mesquinhos lançam-lhe em rosto o pão que comem como se o cobre do pré pudesse pagara Liberdade e a Vida. Publicistas de vista curta acham-nos caros de mais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam guardando a nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço da sua sujeição eles compram a Liberdade para todos, e a defendem da invasão estranha e do jugo das paixões. Se a força das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o farão. E desde hoje, é como se o fizessem. Porque por definição o homem de guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha à sua esquerda vai a coragem e à sua direita a disciplina.

    E por isso vos direi: vire Vossa Majestade a sua cara para o soldado. É ainda o mais seguro e o mais barato. Quem sabe entender os políticos? Quem pode fartar os banqueiros? Mas o soldado a esse qualquer lhe fala. E com pouco se contenta. Um bocado de pão, umas fitas, quatro palavras ditas com alma e através das quais sinta que é amado. Naturalmente são leais. Não é preciso intrigar para os conduzir. A dissimulação, a mentira, a calúnia, que são a lei da concorrência activa e o suplício das almas nobres lançada ao tremedal da vida, nos quartéis tornam-se inúteis, e até danosas. O homem da guerra tem a veracidade do forte. E do forte tem também a fidelidade. Os soldados são constantes. Eles foram os únicos que não traíram Napoleão. Quem se apoiar nesse bordão, confiadamente pode fazê-lo. Nem receie que se quebre ou se converta em serpente.”

                        Extracto de uma carta escrita, em 1893, por Moniz Barreto, a El-Rei D. Carlos I.

    O Rei D. Carlos – que foi um grande monarca e estadista – enredado nos meandros da malfadada política dos Partidos Políticos do “Liberalismo” (política que tinha virado mole, desnacionalizada e corrupta), não quis, diria melhor, não conseguiu, seguir os conselhos de Moniz Barreto.

    Os resultados são conhecidos e terminaram com o infame assassinato do próprio Rei e do seu filho primogénito e, por pouco, da restante Família Real. Dois anos depois era a própria Monarquia que soçobrava pela acção deletéria, subversiva e muito pouco democrática, do Partido Republicano.

    Parte da Armada colaborou no derrube da Monarquia Portuguesa e o Exército (ambos infiltrados pela Carbonária), simplesmente deixou-a cair.

    Monarquia que o Exército e Armada (todos os seus membros) tinham jurado defender.

    Não admira, pois, que um militar como Mouzinho de Albuquerque tenha metido uma bala na cabeça, antes de a desgraça ter lugar...

    Antes tivesse metido a bala na cabeça de outrem. Talvez se tivesse salvado a si e ao país…

    Estas coisas vão acontecendo de quando em vez. Afinal, a nível do comportamento humano, raramente se aprende seja o que for.

    Parece que se vai começar a comemorar com grande antecedência e fita de tempo alongada, com escândalo vário, a perpetuidade de erros que nos são comuns nos últimos 200 anos (Refiro-me à aprovação da actual reforma da estrutura superior das Forças Armadas e à comemoração do jubileu do 25 A).

    É duro, é triste e é lamentável.

 

                                       João José Brandão Ferreira

                                       Oficial Piloto Aviador (Ref.)



[1] Guilherme Joaquim de Moniz Barreto (Goa, 1863 – Paris, 1896), foi um jornalista e crítico literário, que morreu precocemente (33 anos), tendo a sua obra dispersa, sido recolhida, mais tarde por Vitorino Nemésio (“Ensaios de Crítica Literária”) e por José Castelo-Branco Chaves (“Estudos Dispersos” – de onde o texto foi retirado). Considerado um analista arguto da realidade portuguesa de então, distinguiu-se por tentar introduzir uma via científica na crítica literária e uma abordagem positivista ao estudo da literatura portuguesa. Conviveu com algumas personalidades da chamada “geração de setenta”, cujos intentos e acções, bem conheceu e bem caracterizou em muitos dos seus escritos.

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