domingo, 23 de maio de 2021

FORÇAS ARMADAS... VALE MAIS TARDE DO QUE NUNCA?

 

FORÇAS ARMADAS... VALE MAIS TARDE DO QUE NUNCA?

 

 

“Não se pode ter razão antes de tempo”, costuma dizer-se.

E depois do tempo ter passado também não. Digo eu.

 Do abaixo – assinado.

 

O Governo não tem razão alguma sobre o que pretende levar a cabo, sobre a projectada reforma da estrutura superior das Forças Armadas (FA), pelas razões que têm sido amplamente relatadas (Documento do GREI; Documento do Conselho Deontológico da AOFA; Documento assinado por 28 ex-chefes de Estado-Maior ainda vivos; algumas vozes isoladas, de que destaco os generais José Nico, Cabrita e Carlos Branco).

O Governo (acolitado pelo PSD) preparou tudo de um modo ínvio; nada transparente e pouco institucional o que, aliás, é a norma em qualquer governo quando se trata de assuntos relacionados com as FA. O que bastaria para demonstrar a falta de boa intenção com que se fazem as coisas.

E tal ocorre desde que foi decretada a Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das FA.

Até ao I Governo do Professor Cavaco Silva - que agora aparece indignado com o que se pretende fazer, mas cujos governos fizeram muito mal às FA – o Poder Político não se sentiu com “autoridade” suficiente para tentar interferir com o que estava legislado e organizado, limitando-se a fazer resistência passiva com qualquer iniciativa que partisse das chefias militares e a controlar o mais possível os meios financeiros postos à disposição dos Ramos e EMGFA.

A partir daquela data tudo mudou e o “assalto” às FA e à Instituição Militar (IM) (que não é a mesma coisa) cavalgou por décadas, sendo liderado pelo PS e PSD, com a ajuda do CDS/PP e a aceitação tácita das restantes forças partidárias.

As razões para que tudo se tenha passado assim são muitas, mas são sempre escamoteadas, como se vivêssemos num teatro de sombras. Não as vou apontar agora, pois já as referi inúmeras vezes.

As chefias militares por razões várias - que, pela mesma razão, também não vou aduzir - nunca conseguiram ou souberam (algumas vezes foram até coniventes), contrariar. As Chefias dos Ramos raramente se entenderam e os Conselhos Superiores dos mesmos muito ficaram a dever à coesão. E raramente se conseguiu antecipar problemas ou andar à frente dos acontecimentos.

O descrédito em que a Instituição Militar saiu dos anos conturbados de 1974/5/6, não ajudou seja o que for a coisa alguma.

Tal nunca foi digerido, arrumado e assumido.

A actual iniciativa cuja origem e “timing” ainda não foi publicamente divulgada, tem seguramente a ver com a recondução do CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro - que estava aparentemente de candeias às avessas com o MDN, desde que tinha dado uma entrevista a dizer que a situação nas FA era insustentável (e era, mas pelos vistos deixou de ser); não estaria nos melhores termos com o próprio PR - que o recebeu na altura - não por discordar da entrevista, mas porque esta não tinha sido previamente “ajustada” com ele...; o CEMGFA, dizia, outrossim, para quem o queria ouvir, que não estava agarrado ao cargo e estava já a negociar ir dar aulas para a Universidade Católica - feita em cima do termo do seu mandato que ocorreu no pretérito dia 1 de Março.

Não é de excluir também, que a substituição do Chefe da Casa Militar da Presidência da República, por um Almirante, tenha a ver com esta projectada mudança de estrutura.

A única coisa, porém, mais substantiva que é adiantada pelos defensores da reforma é que a maioria dos países (leia-se, da União Europeia) já efectuou reformas semelhantes.

Bom, isto é no mínimo perigoso e provinciano.

Para já estamos a falar de uma minoria de países e que são 900 anos diferentes de nós...

Depois, porque tenho para mim, que um dos problemas maiores em toda a nossa História foi justamente o de importarmos modelos estrangeiros que pouco têm a ver connosco e que de um modo geral, só copiamos o que menos interessa. Falta-nos sentido crítico e falta de confiança na inteligência nacional, talvez porque temos uma dificuldade muito grande em nos entendermos e na escolha das lideranças...

A coisa começou em força no reinado de D. João III (não vou adiantar porquê) continuou com o “Absolutismo” e prolongou-se sobretudo no século XIX; Foi travada no “Estado Novo” e tem sido o delírio após 1974.

Mas se agora se tem tanta apetência em copiar este modelo alheio porque não se adoptam outras coisas do mesmo, como sejam a estrutura dos vencimentos; o investimento em equipamentos, armamento, munições, etc.; a dignidade institucional e muitas outras coisas que ficaram de fora? Ou só se quer implementar o que interessa, pontual ou circunstancialmente?

A actuação política de todos os governos com a conivência de todos os Partidos, com alguma excepção do PCP, que é o único que sabe o que anda a fazer (e merece uma análise à parte), tem sido de tal modo desbragada e nefasta, relativamente às FA, que nos últimos 30 anos não há uma única coisa que se possa considerar verdadeiramente positiva, chegando-se à situação de hoje, em que as Forças Militares estão reduzidas à ínfima espécie (e como há cem anos atrás, no quase zero naval, zero terrestre e zero aéreo), perfeitamente asfixiadas em termos financeiros, administrativos e em pessoal e desconsideradas.

Contam menos no País do que qualquer Direcção - Geral de um Ministério menor. Estão até, à “esquerda” de qualquer grupo ecologista ou outro defensor dos direitos dos “gay” (não é por acaso que o “nosso primeiro”, conhecido na gíria por “Tó Caril” resolveu, ele próprio, hastear a bandeira dos invertidos, ao lado da Bandeira Nacional na sua residência oficial, atitude que nem me atrevo a qualificar publicamente).

É seguramente por termos chegado à situação descrita que, numa atitude inédita, todos os generais de quatro estrelas vivos e fora do serviço activo, à excepção de um - o General Valença Pinto que presta assessoria ao MDN e ainda não se manifestou publicamente sobre as suas razões - vieram manifestar o seu incómodo e repulsa, perante mais esta investida que nada tem a ver com qualquer melhoria seja em que campo for, relativamente às força militares (num ministério que gasta cerca de 0,8% do PIB, mas por norma aldraba os números arredondando para 1% ou 1,2%, pedindo emprestado os custos da GNR...). Uma quantia irrisória.

Mas aqui chegados cabe perguntar se parte, ou grande parte, da responsabilidade da situação diria, penosa, agonizante e de vexame em que as FA e a IM se encontram, também não lhes pertencerá.

É que vislumbro várias páginas A4 cheias de “itens” importantes, sobre os quais se deviam, em devido tempo, atravessado e não o fizeram!

Vou dar apenas alguns exemplos.

A verdadeira ofensiva contra as FA começou quando, em 1995, se mudou, de uma forma gravosa, o modo de escolher, politicamente, as chefias militares. Estariam distraídos na altura?

Que dizer das sucessivas leis que reintegraram nas FA, a esmo e a eito, os militares que tinham sido “saneados”, à esquerda, à direita, ao centro, etc., ou que por qualquer motivo abandonaram as fileiras, durante o período que se seguiu ao 25 de Abril de 74? Um processo altamente vergonhoso e lesivo para a imagem, justiça relativa e funcionamento das FA, onde as promoções iam até Coronel e Sargento-Chefe, muitas vezes com direito a retroactivos?

Como classificar a aceitação, quase sem um pio de protesto, da ridícula e inacreditável diminuição do Serviço Militar Obrigatório para quatro meses e posterior alteração da Constituição da República para colocar um ponto final no mesmo (em tempo de paz), que se pode considerar quase como um crime de lesa - Pátria?

Será que estavam distraídos, também, quando os Tribunais Militares foram extintos e as razões que a tal levaram?

Ou quando nos “roubaram” o IASFA e assucataram a ADM (assistência na doença aos militares)?

Nunca se envergonharam de como lhes foi sendo retirada autoridade e competências, ao ponto de hoje um Chefe de Estado-Maior não poder promover um soldado?

Nunca se interrogaram porque se deixou esfrangalhar os Sistemas de Saúde Militar e respectivo apoio sanitário de retaguarda, extensivo às famílias? Que, aliás, nunca tiveram coragem de tentar reformar a tempo e horas?

O facto de os governos terem sempre andado a brincar às Leis de Programação Militar, nunca permitindo que nenhuma fosse cumprida na sua plenitude (fora as “trapalhadas dos concursos públicos para a aquisição de armamento, munições e equipamentos); não haver um sistema de mobilização ou reservas de guerra seja do que fôr e da única munição que se produz no país serem cartuchos de caça (e não são todos), por exemplo, nunca ter sido considerado como factor de preocupação e de protesto veemente?

As constantes desconsiderações públicas; a humilhação de vários chefes militares; rebaixamentos protocolares; interferências de “boys e girls” ineptos; criação indiscriminada de grupos de trabalho paralelos, etc. (querem que dê exemplos?), nunca foi de molde a causar algum rubor facial e concomitante reacção? E que dizer da falta de solidariedade dos pares?

Por acaso nunca se deram conta que a última revisão do RDM - documento dos mais bem concebidos desde as Ordenações Afonsinas - lhe retirou substancialmente a eficácia e feriu gravemente a doutrina que o enformava?

E a questão do aproveitamento da “troika” se passear no Terreiro do Paço, como o Duque de Olivares, jamais se atreveu, para o governo ter congelado as promoções e passar a fazê-las a conta-gotas e quando entende, não afectou o equilíbrio psicossomático de ninguém?

Acaso tal atitude não foi, e é, cem vezes mais gravosa do que o Decreto-lei 373/73, que espoletou o Golpe de Estado, em 25 de Abril de 1974?

Finalmente, estes últimos despachos ministeriais da Defesa, inqualificáveis num giro de 360º, sobre a igualdade de género; a insistência no recrutamento feminino; o incentivo à delação sobre eventuais assédios sexuais; a tentativa de impor linguagem estereotipada nos antípodas da tradição e costumes nacionais e castrenses, tudo isto e sabe-se lá que mais, não lhes suscitou, porventura, requebros de nojo e vómito? Pois deviam.

Mas enfim, vale mais tarde do que nunca e um bom cristão pode arrepender-se até à hora da morte.

Mas lá que é tarde é, e ou me engano muito, ou o Parlamento e a maioria das diferentes forças políticas vão tentar humilhar, mais uma vez, os militares (e infelizmente só pararão quando embaterem num qualquer muro...).

De resto “os militares” já disseram que, no fim, obedecerão ao que for decidido pelo Parlamento.

Parlamento que vai iniciar as comemorações do 25 de Abril, três anos antes do jubileu, pois essa foi a única data em que os militares tiveram (à posteriori) autorização (e cravos) para se revoltarem.

E não deixa de ser curioso notar (para não irmos mais atrás), que a República foi implantada por cabos e sargentos (que a Carbonária tinha cooptado); o 28 de Maio foi sustentado sobretudo por tenentes (por acaso maltratados numa incursão “democrática” na então “Escola Militar”, em 1915), tendo, finalmente, os capitães deitado o regime abaixo (com a ajuda do Professor Marcello, amigo do actual Professor Marcelo, que se rendeu), por irem receber uma machadada brutal nas suas eventuais promoções e carreira (bom, e a alguns já não lhes apetecer muito irem combater).

Parece que os generais, nomeadamente os mais graduados, estiveram ausentes disto tudo.

Pelos vistos nunca se aperceberam de nada.

 

 

 

 

                                               João José Brandão Ferreira 

                                              Oficial Piloto Aviador (Ref.)

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