quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Carta aberta - Guerra do Ultramar

          Esta "carta aberta" corre na "Net", mas desconheço a origem. Entendo que está bem escrita e tudo o que lá está é verdade, mesmo assim não resisti a tecer alguns comentários à mesma, que junto em anexo.

   BF






CARTA ABERTA

GUERRA DO ULTRAMAR

1. Especialistas ingleses e norte-americanos estudaram comparativamente o esforço das Nações envolvidas em vários conflitos em simultâneo, principalmente no que respeita à gestão desses mesmos conflitos, nos campos da logística geral, do pessoal, das economias que os suportam e dos resultados obtidos.

Um deles, o americano John P. Cann, aquele que mais escreveu sobre o esforço de guerra português num estudo financiado pelo Kings College de Londres, chegou a várias conclusões.

Assim chegou à conclusão que em todo o Mundo só havia 2 Países que mantiveram 3 Teatros de Operações de Guerra em simultâneo: a poderosa GRÃ BRETANHA, com frentes na Malásia (a 9.300 Kms de 1948 a 1960 -12 anos); no Quénia (a 5.700 Kms de 1952 a 1956 -4 anos); e em Chipre (a 3.000 Kms de 1954 a 1959 –5 anos), e o pequenino PORTUGAL, com frentes na Guiné (a 3.400 Kms), Angola (a 7.300 Kms) e Moçambique (a 10.300 Kms) de 1961 a 1974 (13 anos seguidos).

Estes especialistas chegaram à conclusão que PORTUGAL dadas as premissas económicas, os seus recursos, a sua pequenez, as dificuldades logísticas para abastecer as 3 frentes, bem como a sua distância, a vastidão dos territórios em causa, e a enormidade das suas fronteiras, foi aquele que melhores resultados obteve.

Consideraram por último, que as performances obtidas por PORTUGAL, se devem sobretudo à capacidade de adaptação e sofrimento dos seus recursos humanos, à sobrecarga que foi possível exigir a um grupo reduzido de quadros dos 3 Ramos das Forças Armadas, comissão atrás de comissão, com intervalos exíguos de recuperação física e psicológica e às centenas de milhares de jovens que durante 13 anos combaterem naqueles territórios.

Isto são observadores internacionais a afirmá-lo.

Estes homens que serviram durante 13 anos na Guerra do Ultramar, nos 3 Teatros de Operações, só pelo facto de aguentarem este esforço sobre-humano que se reflecte necessariamente em debilidades de saúde precoces, mazelas para toda a vida, invalidez total ou parcial, e morte, tudo ao serviço da Pátria, merecem o reconhecimento da Nação, que jamais lhes foi dado.

2. Em todo o mundo civilizado, e não só em Países Ricos, cidadãos protagonistas dos grandes conflitos e catástrofes com eles relacionados, vencedores ou vencidos, receberam e recebem por parte dos seus Governos, tratamentos diferenciados do comum dos cidadãos, sobretudo nos capítulos sociais da assistência na doença, na educação, na velhice, e na morte, como preito de homenagem da Nação àqueles que lutaram pela Pátria, com exposição da própria vida.

Por todo o Mundo se veneram, recordam, imortalizam e se homenageiam os soldados que combateram em teatros de guerras, sejam eles vencedores ou vencidos. São às centenas os memoriais, as estátuas e os cemitérios onde repousam os que morreram em combate.

Seria fastidioso citar todos as regiões planetárias onde isso acontece.

Muitos dos nossos mortos foram abandonados nos territórios africanos, pelos sucessivos governos pós 25 de Abril e encontram-se sepultados aqui e ali como se de animais se tratassem.

Em PORTUGAL???

Somos os únicos que não seguem os exemplos generalizados do tratamento diferenciado aos que serviram a Pátria em combate. E pior ainda. O cúmulo dos cúmulos. Quem combateu é censurado, vilependiado e ostracizado. Pelo contrário os traidores/desertores, muitos dos quais fugiram e foram viver com mordomias de príncipes e outros que ainda hoje pululam no sistema político vigente, apelavam à morte dos soldados portugueses.

SÓ MESMO EM PORTUGAL. POR ISSO ESTAMOS SEMPRE NA CAUDA DO DESENVOLVIMENTO E PROSPERIDADE DA EUROPA. É SIMPLESMENTE UMA VERGONHA!





                         COMENTÁRIO À “CARTA ABERTA – GUERRA DO ULTRAMAR”

9/2/21

                                                     “Tal há - de ser quem quer, co’ o dom de Marte

                                                      Imitar os ilustres e igualá-los:

                                                      Voar co’ o pensamento a toda a parte,

                                                      Adivinhar perigos e evitá-los

                                                      Com militar engenho e sotil arte

                                                      Entender os inimigos e enganá-los

                                                      Crer em tudo, enfim, que nunca louvarei

                                                      O Capitão que diga: “Não cuidei”.

                                                       Luís de Camões

                                                       “Os Lusíadas”, Canto VIII, LXXXIX.

     Já se sabe isto há muito tempo e é tudo verdade!

     Simplesmente as queixas agora expressas nesta “carta aberta”, que corre na “Net” (dirigida a quem, e qual a razão porque não está assinada?), existem por ter sido uma pequena parte das Forças Armadas - talvez cerca de 1% dos oficiais do QP (os sargentos não entraram no golpe), com a oposição de uns quantos (nunca quantificados) e a complacência da maioria, que derrubaram o Governo e as estruturas do Estado existentes a 25 de Abril de 1974, por causa de um decreto-lei mal parido, que os prejudicava na carreira. Tudo isto efectuado no meio de um longo conflito militar que a grande maioria da Nação Portuguesa (do Minho a Timor) suportava com sacrifício e estoicismo ímpares.

     Ao fazerem um golpe de estado, não pensaram no dia seguinte (e se pensaram daquela maneira ainda é mais grave), e deixaram o Poder cair na rua, ao mesmo tempo que se prendiam e saneavam de um modo alarve, destruindo a hierarquia e a disciplina e com isso provocando o desmoronamento do dispositivo militar em todas as frentes de guerra, oferecendo de bandeja a vitória ao inimigo, já maltrapilho e à beira do colapso.

       Parecia a queda da frente russa em 1917…

    Ao mesmo tempo deixaram regressar ao país umas dezenas largas de refugiados ou emigrados políticos, ao Regime e à guerra (que era justa e de Direito para Portugal, representado pelos seus órgãos de soberania), muitos desertores e alguns cujas acções configuravam crimes de traição à Pátria, não os julgaram, promoveram-nos a postos e funções na estrutura do Estado, dando até estatuto de quase heróis a alguns.

     Permitiram ainda que forças políticas diminutas, ao serviço de potências estrangeiras, inimigas de Portugal e servidas por ideologias totalitárias, anti - naturais, anti - patrióticas, desastrosas em termos económicos e sociais e malignas na sua actuação – como amplamente demonstrado em décadas anteriores de exercício do Poder, em diversas partes do mundo – tomassem conta da rua, da maioria dos órgãos de comunicação social, das grande empresas e do próprio Governo e Parlamento (tendo a nova Constituição sido aprovada sob sequestro e nunca referendada), gerando-se um enorme caos; prisões arbitrárias; saneamentos selvagens; ocupação e destruição de propriedade; campanhas de intimidação social e psicológica, etc., que provocaram a completa disrupção da vida nacional, em todos os territórios onde flutuava a Bandeira das Quinas, espalhados pelo mundo. Sobretudo em Angola, Moçambique, Guiné e Timor, o que levou à maior derrota política e militar, que os portugueses sofreram desde o início da nacionalidade!

      E não só à maior derrota jamais havida, mas à mais vergonhosa de todas (e muitas derrotas que tivemos no passado foram derrotas dignas!).

     Em pouco mais de um ano a Nação viu-se amputada de 95% do seu território e de 60% da sua população, de uma forma verdadeiramente atrabiliária, desonesta e infame.

     Ora não há desculpa nem perdão para isto.[1]

     O descalabro total foi evitado, “in extremis”, a 25 de Novembro de 1975, com o país que restava, à beira da guerra civil (que prosseguia no ex-Ultramar). Ora as forças vitoriosas em 26/11, não souberam, quiseram, e, ou, tiveram força, para retirar as devidas ilações de tudo o que se tinha passado, deixando o país inquinado e meio subvertido, até hoje.

     E tanto foi assim, que 40 e poucos anos depois, as forças derrotadas em 25/11/75, voltaram ao Poder e a data deixou sequer de ser evocada. Volatizou-se…

      Não é por acaso, que o ensino e divulgação da História quase desapareceu e quando é feito é-o, no mais das vezes, parcial, escamoteada, vilipendiada e mentirosamente.

      Por tudo isto, não é de estranhar os lamentos da “Carta Aberta” – que não estando assinada, perde a sua força e legitimidade - que os combatentes não sejam bem tratados; a Instituição Militar – que saiu de todo este período de mal consigo própria e com a Nação e esta com ela, e até hoje nunca fez uma autorreflexão que lhe permita ultrapassar o trauma – está desconsiderada e em vias de extinção. E o País sem rumo, moralmente corrupto e falido.

       Como nos “Lusíadas”, houve capitães que não cuidaram. Mas estes foram louvados.

       Não se pode resolver o que está a jusante sem tratar do que está a montante… E também se sabe que em Portugal, raramente se atacam as causas dos problemas, quanto muito os seus efeitos. Varrem-se, como o lixo, para debaixo da carpete…

     Mas, é claro, tudo isto só existe na minha imaginação.

 

                                      João José Brandão Ferreira

                                        Oficial Piloto Aviador (Ref.)



[1] O General Ramalho Eanes, então PR e CEMGFA, terá informado a sua Casa Militar, não querer julgar os responsáveis pelo que se passou em Timor, indicados no relatório (entregue em 1977) sobre os dramáticos acontecimentos que levaram à proclamação unilateral da independência pela FRETILIM (em 25/11/75) e subsequente invasão do território pela Indonésia (uma página A4 com nomes que iam do Aspirante Lobato ao General Costa Gomes, mais tarde feito Marechal) – relatório, que nem sequer queria entregar ao então Primeiro-Ministro Sá Carneiro – com a racional de que para o fazer “teria de julgar todo o País, e não haver político nenhum que se pudesse atrever a tal”. Pois era exactamente isso, que era preciso ter havido a coragem de ter sido feito…      

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