quinta-feira, 6 de junho de 2019

O DIA DOS PARAQUEDISTAS MILITARES

O DIA DOS PARAQUEDISTAS MILITARES
2/6/19



    Falámos no escrito anterior, na passagem dos Paraquedistas da Força Aérea para o Exército. Tal ocorreu em 31 de Dezembro de 1993, na sequência de duas fortes e emotivas cerimónias ocorridas no dia anterior, em Tancos (na então Base Escola de Tropas Paraquedistas). A primeira teve lugar na manhã desse dia com a presença do PR Mário Soares, que outorgou a Ordem Militar de Avis ao Estandarte Nacional do Corpo de Tropas Paraquedistas (CTP); de tarde ocorreu nova cerimónia, agora presidida pelo Ministro da Defesa Nacional, Fernando Nogueira, onde se arriou a bandeira da Força Aérea e se içou a do Exército. Assinale-se ainda que o CTP foi extinto e em sua substituição foi criado o Comando das Tropas Aerotransportadas (CTAT).
    Tal constituiu um evento inédito na antiga História das Forças Armadas Portuguesas, a qual se confunde com o início “de facto” da nacionalidade, ou seja a tarde de 24 de Junho de 1128, no Campo de S. Mamede. Inédito, pois nada se lhe pode comparar.
     Ainda se fosse por uma boa causa…
     Após o anúncio da medida, em 29 de Maio de 1991, pelo então MDN Nogueira (que não percebia nada do assunto), em Bruxelas (!), o que apanhou praticamente toda a gente de surpresa, escrevi no “Centurião – Jornal da Capelania-Mor, a cujo nascimento acompanhei de perto, com o seu fundador, o saudoso Padre Rui – o texto que abaixo se apresenta, o qual causou alguma incomodidade em muitas mentes, o que provavelmente voltará a repetir-se agora.
    Aqui fica na íntegra para memória futura, até porque muitos dos que se deviam ter batido contra esta medida política, infeliz e mal sustentada, ainda por aí andam como se nada lhes pesasse na consciência, quase de mãos dadas com os que, responsabilidade tiveram na mesma, laureados por afã que os desmereceu.


PONDERAR DECISÕES

“Vendo o demónio quão conforme vivíamos todos nove porque tudo o nosso era comum de todos e todos irmãmente repartíamos entre nós essa miséria que cada um tinha, ordenou semear entre dous de nós uma contenda assaz prejudicial para todos, nascida de uma certa vaidade que a nossa nação portuguesa tem consigo…”

        Fernão Mendes Pinto (in “Peregrinação”).

            A anunciada passagem dos pára-quedistas par ao Exército a fim de formarem uma Brigada Pára - Comando suscita alguma reflexão.
            Queremos desde já dizer, que a decisão, anunciada em Bruxelas[1] apresentando-se como política – já, talvez, para fugir a alguma contestação castrense, tem toda a legitimidade. O mesmo aconteceria, por exemplo, caso se tivesse decidido que a continência passaria a fazer-se com a mão esquerda…
            O problema não está, portanto, na legitimidade, mas sim na oportunidade, no “modus faciendi”, e na adequabilidade.
            A questão diga-se em abono da verdade, não é nova. De vem em quando, aparecia como pretensão do Exército mas, à boa maneira portuguesa, nunca se encarou o problema de frente, dissecando-o de modo a chegar-se a uma conclusão devidamente fundamentada.[2] E de repente, zás, decisão tomada e anunciada, sem que os Estados - Maiores soubessem, sem estudos feitos, nem sem sequer que os responsáveis pelas unidades visadas tivessem disso conhecimento, o que não sendo obrigatório, seria no mínimo ético! Andam, certamente, várias pessoas distraídas, no meio de tudo isto…
            O “modus faciendi” não foi, assim, o mais indicado por fugir às normas deontológicas e por se ter dado um salto no escuro. [3] Porém, o processo compreende-se: O segredo da decisão estava na surpresa de modo a apresentar um facto consumado e a evitar qualquer oposição. [4]
            Existe, ainda, uma explicação oficiosa: a de que as decisões tomadas desta maneira evitam que haja quem meta “areia na engrenagem”, nunca se chegando a conclusões e por isso à decisão. O argumento não deixa de ter um fundo de verdade, pois exemplos disso aconteceram em passado recente, mas não deixa também de ser uma maneira ínvia de resolver as questões, criando futurologia.
            Passemos a outro ponto, a oportunidade. Esta entende-se: estávamos e estamos, em tempo de discussão e aprovação da segunda Lei de Programação Militar (LPM) e, por isso, de afectação de recursos. Sabe-se como estes são escassos e, como para além disso, há falta de interesse, em gastar dinheiro com a Defesa. Daí à lógica da “guerra” por todas as migalhas, vai apenas um passo. [5]
            Por outro lado, sabe-se da reestruturação que corre no seio da NATO, do “Low Profile” mantido na Guerra do Golfo e na presidência portuguesa no Eurogrupo (a partir de 01JUN91). Nada melhor portanto, do que oferecer à NATO, a disponibilidade futura de uma Brigada de Pára - Comandos portuguesa, para integrar uma força multinacional, aliás, muito em moda. [6] Assim, se percebe melhor também, que a decisão tenha sido anunciada em Bruxelas. Por último, havia que aproveitar a janela de oportunidade, que a então debilitada chefia da Força Aérea oferecia. Passemos à adequabilidade.
            Uma decisão, seja ela qual for, deverá resultar de se acharem vantagens nela ou, no mínimo, em se encontrar mais vantagens do que inconvenientes. E, neste particular, é que se nos levantam muitas dúvidas. A argumentação vinda a lume fala-nos em redução de efectivos, aumento de operacionalidade e diminuição de custos. Uma trilogia destas tem o condão de embevecer políticos e contentar burgueses. [7] A mistura, convenhamos, é alquímica. Resta saber se quem a propõe acredita nela. A nós fica-nos um sorriso…
            Doutrinariamente, concedemos, que os pára-quedistas ficam melhor no Exército. É, aliás, assim na esmagadora maioria dos países, que possuem este tipo de tropas. No entanto, uma coisa é a teoria e outra a realidade das coisas. Os paraquedistas foram formados em 1955. A questão tinha sido levantada, a partir de 1950, pelo então Ministro da Defesa, Coronel Santos Costa. À data, o Exército Português opunha-se à criação de tropas especiais por não desejar no seu seio, unidades diferenciadas com estatuto, treino e privilégio específico. O assunto provocou grande celeuma. O ministro teimou. Em 1955, era Sub-Secretário de Estado da Aeronáutica o Coronel Kaúlza de Arriaga, grande adepto das tropas especiais e, não existindo na Força Aérea os pruridos existentes no Exército, naturalmente, incorporou os paraquedistas neste novo Ramo das Forças Armadas.[8]
            E, deste modo, se têm mantido e muito bem.
            A mistura resultou feliz. Criou-se uma simbiose, adequada que os impôs, logo desde o dia em que foram apresentados à Nação.
            Tiveram a sua prova de fogo durante os catorze anos que a guerra do Ultramar durou. Há a lamentar o “deslize” do “PREC”[9] – mas também muito poucos se podem gabar de o terem atravessado incólumes – e, após o 25/11/75, rapidamente recuperaram o seu estatuto de tropa de elite. Durante todo este tempo, criaram-se tradições, espírito de corpo e uma mística muito própria (à semelhança, aliás, do que se passou com as tropas “Comando”). Sabe-se, que estes aspectos são muito importantes na Instituição Militar, mas tornam-se fundamentais quando se trata de tropas especiais. É certo que existem algumas originalidades como sejam a dos oficiais do quadro permanente dos “Páras”, serem oriundos das Armas do Exército e os sargentos e oficiais do Serviço Geral pertencerem à Força Aérea, indo estes últimos frequentar o Curso Geral Guerra Aérea neste Ramo (promoção a oficial superior), enquanto os primeiros frequentam os cursos ministrados no Instituto Altos Estudos Militares. Mas nada disto alguma vez prejudicou a operacionalidade dos Páras transformados, a partir de 1975, em Corpo de Tropas Paraquedistas, com ampla autonomia dentro da FA.
            Ora, salvo melhor opinião, o Exército, que durante mais de uma década tem tentado levantar uma Brigada Mista [10], sem o conseguir na totalidade e que tem a maioria das suas Unidades reduzidas à ínfima espécie e sem valor operacional praticamente nenhum [11], não tem o mínimo de condições para garantir qualquer vantagem quanto à integração do CTP no seu seio. Os benefícios são de outra índole e prendem-se com o aumento do peso relativo em relação aos outros Ramos e com a resolução, de uma penada, do problema do quase extinto Regimento [12] de Comandos, cuja sobrevivência estava difícil de resolver. [13]
            É curioso notar que, falando-se tanto em reduzir e reorganizar, não se tenha aventado a hipótese de integrar também nos Pára - Comandos o Centro de Operações Especiais de Lamego…
            Por último, o argumento aduzido de que não faz sentido que uma tropa que se destina, fundamentalmente, a operar no terreno, pertença à FA, já que a Brigada de Pára-quedistas era reserva do Comandante - Chefe – o CEMGFA - além do que, hoje em dia, as forças que vão operar num dado teatro de operações ficam sobre o comando ou o controle operacional do Comandante de Teatro e este pode ser de qualquer Ramo e pode comandar quaisquer tipos de forças.
            Somos visceral e assumidamente contra, qualquer “Guerra de Ramos”, que consideramos estúpida, anti-patriótica e suicidária a prazo. Pensamos que a saída dos Paraquedistas da FA, nesta altura, por estas razões e nestas condições é um erro, não melhora a operacionalidade de coisa nenhuma e nem sequer constitui um problema entre os muitos existentes.
            Para terminar, não queremos deixar de dizer que nos parece bem melhor que cada Ramo se deva afirmar por si próprio ou solidariamente, mas nunca à custa do esforço alheio.
            O corsário, mais tarde Almirante, mais tarde “SIR”, mas sempre um pirata, Francis Drake, deve estar contente na sua tumba. A Rainha continua a piscar-lhe o olho…

            Publicado no “Centurião”, Outubro de 1991
                                                            *****
    A passagem dos “Páras” para o Exército lá aconteceu (ainda esteve para haver protesto público algures, o que não prevaleceu).
     A experiência de se juntarem aos “Comandos”, correu mal e a ideia da Brigada Para – Comando, morreu prestes.
     Quem viria a ser extinto foram os Comandos, para poucos anos depois renascerem, por aqui se avaliando alguma ligeireza com que decisões importantes têm sido tomadas…
      O Exército viu acrescentar, de um dia para o outro, cerca de 1900 homens, todos voluntários, uma quantidade de armamento, munições e material diverso, parte do qual não dispunham; três quarteis modernos e duas pistas com equipamentos vários. Tudo a custo zero.
    A carreira dos oficiais até melhorou, por acesso mais fácil ao generalato, mas a dos sargentos piorou, ficando algo estrangulada.
     A autonomia de que dispunham acabou passando a integrar-se na cadeia logística e administrativa do Exército.
    Era crítica corrente naquele Ramo, que os Páras tinham descurado a táctica convencional, de que estavam arredados há muito, pois sempre privilegiaram o “salto” e tinham parado técnica e tácticamente na guerra de guerrilha, em que, aliás, tinham sido mestres, nas últimas campanhas ultramarinas.
     Também aqui as críticas não parecem colher. É certo que o “salto” (em termos tácticos, o “envolvimento vertical”) foi e é, sempre usado como elemento diferenciador e factor de coesão, primordial mas, desde 1979, que o CTP se tinha voltado para a guerra convencional – como aliás decorria do nosso envolvimento na OTAN – como é demonstrado por toda a sua organização; escolha de armamento e equipamento, e treino, que culminava, anualmente, com um grande exercício conduzido pela Força Aérea, cujo nome de código era “Júpiter”. Participámos em vários.
    É natural que após a inserção no Exército, esta instrução tenha sido adaptada/actualizada, com os conhecimentos e tradições próprios daquele Ramo.
    Os Páras aguentaram, assim, todos os embates pois a sua instrução sempre foi dura e a sua coesão/moral é alto e nisso não terão sido beliscados (a não ser como referido, no PREC).
    Estão reduzidos à ínfima espécie, como de resto está o Exército e toda a força armada.
    O mesmo se passa com um país chamado Portugal. Mas isso já é outro “campeonato” dentro da mesma História.



                                                       João José Brandão Ferreira
                                                      Oficial Piloto Aviador (Ref.)


[1] Não há dúvida de que a soberania e está a afastar a olhos vistos de Lisboa…
[2] Excepção feita para um Grupo de Trabalho que funcionou em 1982 e concluiu pela vantagem da permanência dos Paras na FA.
[3] A não ser que haja entidades que andam a fazer estudos às escondidas das outras…
[4] Sabe-se, por exemplo, da rejeição “genética” que os “Paras” têm em integrar-se no Exército.
[5] Isto vai afectar-nos a todos, a médio prazo, mas isso é outra história. Além de que quem vier a seguir que apague as luzes e feche a porta!
[6] Note-se que se ofereceu uma coisa que ainda não existe, ao passo que a actual Brigada de Pára-quedistas existe e está operacional!... Não queremos acreditar na eventualidade desta oferta não ter resultado de iniciativa própria e tenha resultado de pressões externas, o que seria pouco menos de inadmissível e, no caso vertente, escusado.
[7] Muito em especial, os que são mais conhecidos.
[8] Que tinha sido criada há pouco tempo, exactamente em 01JUL1952.
[9] “Processo Revolucionário em Curso” – 11MAR75 a 25NOV75.
[10] Tipo de Unidade que, também, não existe em lado nenhum. As brigadas são motorizadas, mecanizadas ou blindadas.
[11] Tirando a Brigada Mista, cada Região Militar se conseguiu juntar um Batalhão por inteiro, já é muito bom.
[12] Leia - se, “menos, menos”.
[13] E vamos ver o que o futuro nos reserve em termos de nos cobiçarem outras coisas. Note-se, que normalmente, quando se junta uma coisa boa com uma coisa má, não resultam duas coisas boas. Resultam duas coisas más!

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