A PARTIDOCRACIA E
A INSTITUIÇÃO MILITAR (II PARTE)[1]
1/5/19
“Quando aqueles que comandam
Perderam a vergonha, os que obedecem
Perdem o respeito”.
“Nada persuade tanto as pessoas de pouco
Juízo,
quanto o que elas não entendem”.
Na
sequência do artigo anterior, vamos agora tratar de um assunto da maior
importância no relacionamento político-militar: a definição de competências de
cada parte e a não interferência na esfera própria de cada um.
A
causa principal que levou ao pedido de demissão do General Jerónimo de Chefe de
Estado-Maior do Exército (CEME) tem a ver justamente com isto.
É
certo e sabido que os políticos (e, pelos vistos não escapa um) têm demonstrado
uma ignorância militante e falta de jeito crónica, para lidar com as Forças
Armadas (FA) e os militares.
Mas
não é só ignorância e incompetência que têm demonstrado; há muita demagogia,
deslealdade, malandrice e aleijões ideológicos à mistura. E de “burros”,
normalmente, não têm nada. Ou seja não há aqui lugar a falsas virgens…
As
acções dos políticos pautam-se sempre no sentido de limitar as competências e a
autoridade da hierarquia militar; cercear âmbitos de actuação, inventar
constantemente constrangimentos administrativos, legais e financeiros e tentar
influir no dia dos Ramos e EMGFA. E têm demonstrado também, ser vingativos.
Tudo
começou com a publicação da Lei 29/82, Lei de Defesa Nacional e das FA e,
sobretudo, após a mudança do modo como se efectuava a escolha das chefias
militares, ao tempo do I Governo do Professor Cavaco Silva, em que o MDN era o
célebre “cabo - de - guerra” Nogueira, acolitado por um major, eterno candidato
a político, de apelido Chaves.
Vários
casos têm, ultimamente (mas com muitos antecedentes), ilustrado o que acabamos
de dizer.
Comecemos
– e vamos deixar muita coisa de fora - pelo caso de Tancos, que é um caso do
“outro mundo”. Resumindo: o roubo era um caso “grave” até o nosso “primeiro”
vir das suas férias, em Maiorca; a partir daí entrou-se em processo de negação,
relegando-se o que se passou (que ainda ninguém sabe ao certo o que foi) para o
campo das coisas de somenos e empurrando-se o então CEMGFA, General Pina
Monteiro para a frente das câmaras (e este prestou-se ao engodo) menorizando o
ocorrido mas, em simultâneo, comparando-a com um “murro no estomago”, ficando o
PM e o MDN, com a chamada cara de “fim de colon”, a tentar esconder-se atrás do
general, exercício deveras difícil dada a sua (dele general) baixa estatura…
A
partir daqui foi o fim da picada com o anterior CEME a ficar, aparentemente,
cativo do ministro Azeredo Lopes (e vice-versa), o qual pelo modo como se
comportou, nunca soube bem o que por lá andou a fazer.
Em
tudo isto – e num registo lateral – vieram ao de cima as gravíssimas
consequências de terem acabado com os Tribunais Militares (em tempo de paz) e,
na prática, terem destruído a Justiça Militar.
Vai
ainda demorar muito tempo – apesar dos apelos do PR e parece que, neste âmbito,
ninguém lhe liga peva – até saber o que se passou exactamente com o “roubo das
armas”, como o filme do inquérito parlamentar demonstra.
E
ouvindo o que lá se tem dito é de nos benzermos eternamente…
Razão
principal de tudo o que aconteceu, que ninguém quer assumir? Pois o estado de
miserabilismo a que se deixou chegar o Exército e as FA em geral!
Escolheu-se
um novo CEME, mas antes teve o actual MDN a seguinte atitude para com o
anterior Vice CEME, General Serafino, que chegou a aguentar o Exército durante
meses quando, na prática, era o único general que restava no activo: “o senhor
é a pessoa que todos pensam ser a mais capaz para ser o novo CEME, mas tem de
compreender que não tenho condições políticas para o propor”.
Escolheram
então outro, mas pediram ao “ultrapassado” para ir para o Instituto de Acção Social
das FA (um presente envenenado).
Aquele
aceita ir meter-se num “buraco de cerca de 90 milhões de euros provocado pelos
políticos com a conivência (que havemos de dizer?) dos que lá têm estado e a
falta de comparência a jogo (que havemos de dizer?) da hierarquia militar.
O
novo CEME, o General Fonseca – oficial com uma boa folha de serviços - toma
posse e a seguir escolhe para seu Vice o Tenente-General Coias Ferreira;
escolha que não agradou ao senhor ministro. Este chama o CEME e diz-lhe que
esse não, pois está ligado ao que se passou no Colégio Militar (coisas que
vinham de trás e que se agudizaram ao tempo do ministro Aguiar - Branco, mas
nestas coisas a malta dos partidos está sempre unida contra os militares; os
meus camaradas que fizeram o 25 de Abril é que julgavam que eram os outros…).
O
CEME que podia passar à História como sucessor de Cambronne, ouviu, calou e
aceitou o “dicktat”.[3]
O
General Coias Ferreira pediu de imediato a passagem à reserva. Mas a seguir
aceitou ficar à frente do Conselho Superior de Disciplina do Exército. É que já
nem sequer há generais para as funções existentes!...
Será
que tudo isto vai dar origem a um argumento para o próximo filme candidato ao
“Fantas Porto”?
Pergunta-se,
como é daqui para a frente o General CEME se vai relacionar com o MDN?
O
moral da história colhe-se num exemplo clássico de comando e liderança: quando
um militar passa por um superior e não lhe faz continência e este finge que não
vê, é um bocadinho da sua autoridade que se foi e não volta mais…
Estas
atitudes dos políticos têm que se cortar cerce, à primeira vez que acontecem. E
jamais podem passar da segunda. Senão perdem -nos o respeito, melhor dizendo o
receio, vulgo medo, pois duvido que saibam o que é respeitar seja o que for, e
ficam com o freio nos dentes.
Foi
o que aconteceu, com a ribaldaria da contagem do tempo de serviço (e tudo o que
teve a ver com as promoções, ainda na sequência da intervenção da Troika; o
anuncio da “chapelada” das creches e das novas medidas do recrutamento, que
foram anunciadas em primeiro lugar às Associações Militares, do que à
hierarquia militar ou não foram de todo.[4]
Estes
“gestores da coisa pública” ou são irresponsáveis ou não têm a noção do mal que
fazem. Mas não podem ser inimputáveis!
Casos
de interferência na esfera alheia também têm acontecido no Ministério da
Administração Interna no âmbito das Forças de Segurança, nomeadamente a GNR
(que tem estatuto militar), como foram os casos da promoção do Major General
Rui Moura e da recente exoneração do Comandante da Escola da Guarda, em
Portalegre.
Os
políticos têm destas actuações e atitudes porque acham que a Marinha, o
Exército e a Força Aérea são (ou devem ser) uma espécie de Direcção - Geral,
onde “eles” interferem a seu bel - prazer, e a “tropa”, como pejorativamente se
referem ao Corpo Militar da Nação, é um bocado de plasticina que eles podem
moldar segundo os interesses de momento.
E não faltará muito tempo para
que queiram ser eles a nomear os Comandantes das unidades, fazer as promoções
sabe-se lá com que critérios, etc..
Têm
demonstrado não terem a menor noção (nem lhes interessar) das necessidades e
especificidades de um Exército – no sentido de FA – instituição sedimentada por
séculos de conhecimento, experiência e tradição; senhor de uma cultura e praxis
própria, que se confunde com a Nação e que é fundamental para a sua
sobrevivência, segurança e bem-estar. Que tem princípios, doutrina, moral,
hierarquia, organização, disciplina e deontologia.
Têm até o estranho hábito, PM
incluído, de raramente ouvirem os seus assessores militares…
Sendo
a hierarquia o esteio de tudo, a mesma tem de ser preservada, respeitada, sem
deixar de ser responsabilizada.
Como
podem querer os políticos responsabilizar os chefes militares (a que, por
norma, chamam (mal) o “controlo democrático” sobre as FA, se querem interferir
na sua esfera de autoridade?
Como
querem que a Força se mantenha coesa e disciplinada se dão exemplos destes?
Como
podem querer interferir no mundo militar se nunca foram, nem ao de leve,
preparados para tal (nem sequer cumpriram o serviço militar) numa
especificidade que não entra por “osmose” e cuja missão última se destina a
actuar na mais difícil e complexa actividade humana, que é comandar um campo de
batalha? Será que não se enxergam?
Infelizmente
enxergam-se, mas não se importam, e estão já a fazer reverter a situação actual
para aquela vivida durante a I República, numa época em que o Exército e a
Armada estavam completamente vandalizados pelos Partidos Políticos, pela
Maçonaria e pela Carbonária, chegando-se ao ponto de haver, em plena I Grande
Guerra, onde combatemos em quatro “frentes”, interferências constantes da
política na condução da guerra, fora do âmbito político, e na montagem de uma
hierarquia paralela de oficiais de confiança política, que pouco ficaram a
dever aos comissários políticos dos Soviéticos!
Ora
estando no governo a ala esquerda do PS (o que não é a mesma coisa que estar o
PS no governo) – que se diz herdeiro do Partido Democrático do apoplético
Afonso Costa – significativamente apoiada nos “anarcas” do BE e nos
revolucionários leninistas do “partido controla o fúsil” (conhecido por PCP),
há a esperar o pior de tudo. [5]
A tal realidade que ultrapassa a
ficção…
Será
que ninguém aprende a ponta de um corno com o passar do tempo?
Pelos
vistos não.
Ora
a actual equipa ministerial da Defesa está aparentemente a importar para o MDN
a cultura do MNE que não é a mais apropriada para o MDN (não quer dizer que
seja má, quer dizer que são realidades diferentes).
O
MDN está seguramente a fazer um “frete” ao PM, pois a área da Defesa não será
certamente, área do seu interesse (e, pelos vistos, também ao inefável Sousa
Tavares, pois “é alto e assim pode olhar os militares de cima para baixo”…); a
Secretária de Estado tem aparentemente uma agenda feminista, igualitarista e
outros “istas”, perfeitamente desajustada ao meio e aos problemas existentes, e
o chefe de gabinete não parece nutrir especial apreço pela Instituição Militar
e pelos seus servidores.
Pelos
vistos tem experiência no lugar pois já acolitou o então Ministro Portas como
assessor diplomático, mas a sua relação com ele não terá terminado muito bem;
idem com o Ministro Amado, em 2005 e também no consulado seguinte, em 2006.
Apareceram,
entretanto nos jornais, umas notícias de que estará a ser investigado no âmbito
dos "vistos gold" e nas contas do consulado, enquanto nas funções de
cônsul em S. Paulo, de onde transitou, a convite do actual MDN, para o Restelo.
Veremos, a ser verdade, no que dá.
Não
se pode dizer que não goste da função. Talvez queira vir a subir a nota, dado
não ter sido promovido (para já) na sua carreira no MNE.
No
entanto o facto de ter publicado no “caralivro” (facebook, no original), um
bife grelhado, a ilustrar uma frase em que se referia ao Ministério da Defesa,
como “casa fidalga”, não augura nada que vá ter êxito no putativo propósito.
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto Aviador (Ref.)
[1]
Ou como a realidade ultrapassa sempre a ficção…
[2]
Jean-François Paul de Gondi, religioso e escritor francês, Montmiral,20/9/1613
– Parigi, 24/8/1679.
[3]
Pierre Jacques Étienne Cambronne, 26/12/1770 – 29/1/1842; general do Império
Francês. Famoso pelo que supostamente disse, antes de se render em Waterloo…
[4]
O que nem sequer é novidade (creches), pois já existe uma no Alfeite e existiu
uma outra, na base Aérea 2, na Ota.
[5]
O ódio a este político, de má memória, era tal, que havia bacios coma cara dele
pintada no fundo…
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