quinta-feira, 15 de novembro de 2018

OS AÇORES VISTOS DE FORA, CÁ DENTRO


                                                OS AÇORES VISTOS DE FORA, CÁ DENTRO
   10/11/18
                                                                                        
                        “Na África tem marítimos assentos,
                          É na Ásia mais que todas soberana,
                          Na quarta parte nova os campos ara
                          E se mais mundo houvera lá chegara”
                                                Camões
                                        Lusíadas, Canto VII,17.

   São Portugal no meio do Atlântico...
   A sua parcela em que repousa a maior pureza da matriz Lusitana. Lá está Miguel Arcanjo...
   O expoente maior da gesta do que resta da espantosa expansão de quatrocentos.
   Esta a síntese do retrato político.
   Do ponto de vista da Estratégia é vértice do chamado triângulo estratégico português, complementado pelo Continente e a Madeira. Triângulo que se deve apoiar mutuamente, que nos dá profundidade estratégica e em que o largo oceano não deve separar mas unir. É fronteira do “Espaço Estratégico de Interesse Nacional”, mas também o é, atenção, dos EUA, da França e da Espanha…
    E, noutro sentido, da Inglaterra e até do Brasil.
   Quanto à Religião é onde se verificam as maiores reminiscências do peculiar Cristianismo português de origem Templária, que se desenvolveu através do Culto do Espírito Santo, até a Contra Reforma lhe pôr um fim. Lá estão as festas do Senhor Santo Cristo, para lembrar grandezas de antanho.
    Economicamente olha-se para os Açores com optimismo: há potencialidades na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Pesca e indústrias associadas. E no Turismo, onde se deve procurar a qualidade e não ceder à tentação do lucro fácil, dos atentados à natureza e na multiplicação do betão, como já começou a acontecer.
    Vemos ainda boa investigação científica ligada à vida marinha.
    A sua posição geográfica também lhe trás algumas vantagens no campo espacial.
   Jóia ecológica que pode ser lapidada, mas sempre preservada...
   Geografia única, beleza natural, paz ambiente, descanso verde para os olhos e para a alma.
   E a alma gera cultura, afectos, resiliência. Reside nos Açores um pensamento telúrico português.
   Tudo isto vai na diáspora. Os Açorianos são embaixadores de Portugal por todo o mundo, não perdem o seu carácter, irradiam a portugalidade.
    Os Açores uma terra de futuro e com futuro.
    Nove ilhas, um oásis no Mundo.



                                                    João José Brandão Ferreira
                                                        Oficial Piloto Aviador

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A SAGA DO AEROPORTO DE LISBOA … + 1

A SAGA DO AEROPORTO DE LISBOA … + 1
07/11/18



“Olá coelhinho, por aqui tão cedo?
Vem cá, não tenhas medo, disse-lhe a raposa…”
Palavras cínicas, de Albino Forjaz Sampaio

            Resulta (a saga) de há 40 anos a esta parte pouco se fazer de uma forma estudada, integrada e com estratégias delineadas e faseadas no tempo. Sobretudo naquilo que é estruturante para o país.
            Existem, porém, sérias dúvidas de que queiramos ter ou pertencer a um país e a uma nacionalidade …
            De facto a saga vem de longe, pois não se tomaram decisões atempadas e quando se tomam, logo se volta à primeira forma, como foram os casos das “alternativas” Rio Frio, Ota e Alcochete. Gastaram-se no processo (isto é, desperdiçaram-se) muitos milhões de euros…
            A questão precipitou-se, agora, pelo grande aumento de tráfego no Aeroporto da Portela (recuso-me a chamá-lo de “Humberto Delgado”) – que não era suposto crescer tão depressa – e o fluxo de turistas ter ultrapassado todas as expectativas (o que pode também diminuir de repente, frustrando novas expectativas…).
            Uma súbita urgência tomou conta de governantes, políticos e comentadores. Só que agora não há dinheiro para uma obra destas; o grau de endividamento do país não “aconselha” novos empréstimos e uma nova infra-estrutura aeronáutica não se “improvisa” de um dia para o outro!
            Daí o actual Governo estar prestes a entregar-se nos braços de uma empresa privada (que por acaso não devia ter sido privatizada, a ex – ANA, agora Ana/Vinci, de capital francês) preparando-se para fazer um contrato leonino – para essa empresa que, lembra-se, só existe como tal, para ter lucros e já faz o que quer com o valor das taxas aeroportuárias – e tentar-se aproveitar uma infraestrutura já existente, tudo no sentido de economizar na tesouraria, no investimento, do “deficit” e no tempo que leva a ter uma nova opção operacional.
            Só que o assunto (parafraseando o Clémenceau) é demasiado sério para ser deixado apenas a políticos…
            E deve dizer-se que não há soluções boas e as menos más são assaz reduzidas, ou resumem-se a uma.
            A saga vem de longe e o principal responsável é o Rei, Senhor D. Afonso III!
            Não acreditam? Eu explico.
            Este nosso Rei vislumbrou que Lisboa era uma cidade cheia de potencial e não foi de intrigas, em 1255 mudou a capital do Reino – sita na altura em Coimbra – para a antiga Olissipo (parece que a burguesia do Porto é que, até hoje, não gostou nada da ideia…).[1]
            Ora, vai daí, desatou tudo a vir plantar-se na foz do Tejo levando Oliveira Martins a chamar a “Lisboa, cabeça de gigante em corpo de pigmeu”!
            Ora o campo aeronáutico não fugiu à regra.
            Reparem: começou com o primeiro aeródromo da novel Aeronáutica Militar em Vila Nova da Rainha (1916, encerrado em 1920); a primeira base da Aeronáutica Naval foi instalada no Bom Sucesso (1917, extinta em 1952); Em 1918 instalou-se em Alverca as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e o Depósito Geral de Material da Força Aérea (até ao presente mantém um aeródromo operacional); seguiu-se a Amadora, onde foi instalada o Grupo de Esquadrilhas de Aviação da República (1919, extinto em 1938); em Sintra (Granja do Marquês), foi criada a Base Aérea 1 (1920 até ao presente); Aeródromo de Cascais (Tires, 1964 até ao presente); Aeroporto da Portela (1942 até ao presente. Na mesma altura funcionou também um aeroporto em Cabo Ruivo para hidroaviões, que se manteve operacional até finais dos anos 50); a Base Aérea 6, Montijo (1953 até ao presente); o Campo de Tiro de Alcochete (CTA), (desde 1904; utilizado como carreira de tiro ar-chão, desde 1955).[2]
            Julgo que não me esqueci de nada, faltando referir a Base Aérea da Ota, desde 1940, e que deixou de ter actividade aérea nos anos 90 do século passado.[3]
            A piorar as coisas, sobretudo desde 1974, deixaram-se de cumprir as leis (estas, pelos vistos, são só para alguns e, ou, em algumas épocas), no caso vertente as leis de servidão aeronáutica.
            Quer isto dizer que se deixou construir habitações e outros equipamentos em locais indevidos à volta das infra-estruturas aeronáuticas – nomeadamente no prolongamento das pistas – o que levou ao aumento do risco, derivado da operação (e não da segurança, conceitos que não ficaram bem dilucidados no último programa “prós e contras”, sobre este tema), e tenha colocado enormes constrangimentos a eventuais necessidades de expansão dessas mesmas infra-estruturas aeronáuticas.
            E com toda esta multitude de “aeródromos” – vamos dizer assim para facilitar a linguagem – existe também uma natural complexidade quanto à gestão e controlo do espaço aéreo.
            Esta gestão e controlo do espaço aéreo têm de ser compatibilizado entre o tráfego militar e civil, neste último englobando, o transporte de passageiros; carga; a aviação executiva; a aviação geral e as escolas de pilotagem; o “trabalho aéreo” (fogos; emergência médica; cargas suspensas; agrícola, etc.).
            É muita coisa para uma área tão pequena.
            A geografia e o clima são, aliás, uns ditadores!...
            E também atrapalham (ou facilitam) as acessibilidades, que são outra dor de cabeça quando se pensa num aeroporto internacional moderno.
            Por tudo isto, os estudos mais bem elaborados (e que começaram no consulado do Professor Marcello Caetano) sempre apontaram para que a solução menos má, fosse Rio Frio (Alcochete).
            Todas as outras soluções perto de Lisboa e do tipo + 1 são assaz questionáveis, incluindo o Montijo, até porque se iria gastar muito dinheiro, numa solução parcial que, tudo indica estará esgotada meia dúzia de anos depois.
            E quanto a Rio Frio/Alcochete existem algumas questões muito penalizantes a saber: custos derivados do tipo de terreno existente e dos lençóis freáticos (o que também se coloca nos outros locais); milhares de hectares de terrenos com excelente aptidão agrícola e silvícola que ficariam para sempre desafectados do sector primário [4]; questões ambientais, sobretudo relacionadas com a fauna dos estuários do Tejo/Sado. Obrigaria, ainda, ao fim do Campo de Tiro de Alcochete, infra-estrutura fundamental para as Forças Armadas, sobretudo para a Força Aérea.
            Ora não há em todo o território nacional local que se lhe equipare e a solução possível já equacionada (uns terrenos perto de Mértola), fica descentrada, além de poder vir a custar uns bons 250 milhões de euros, fora o resto que se inventará.
            A não ser que se pense que ir fazer tiro ar-chão em Espanha ou Marrocos, seja uma solução melhor. (eu sei, eu sei, que a Força Aérea está reduzida à ínfima espécie e quando surgir a oportunidade fecham-na…).
            Apenas mais umas achas para a fogueira: convém pensar desde já, no possível esgotamento dos Aeroportos do Porto e de Faro; que o transporte aéreo deve entrosar, no marítimo, na ferrovia e na rede viária – neste âmbito fez-se um erro estratégico de base, que foi apostar no excesso de auto-estradas (isto é nos lobbies do “betão” e dos “TIR”) e não no caminho – de – ferro, e agora ainda estamos com o problema da bitola por resolver.
            Um erro que nos está a custar os olhos da cara e vai continuar a custar.
            Não se entende também qual é o “stress” em querer aumentar o transporte aéreo por via dos turistas, por exemplo.
            Já temos turistas a mais e mal distribuídos; a actividade varia com a altura do ano e pode decrescer em função de muitas variáveis que não dominamos. O turismo tem que ser sustentável e ser equilibrado. Neste momento está a gerar já, efeitos colaterais muito danosos, tais como excesso de pessoas em muitos locais (o que se vira contra o próprio turismo); degradação da qualidade de vida dos indígenas; especulação imobiliária desenfreada; aumento do custo de vida, com inflação dos preços; descaracterização da matriz urbana e cultural das zonas históricas; congestionamento de trânsito; ilusão na diminuição do desemprego, dada a sazonalidade e precariedade dos contratos, etc..
            As pessoas têm que deixar de ficar desvairadas com o simples cheiro do dinheiro…
            Por outro lado há situações em que os recursos são finitos, não dá para mais. Tem que haver quotas, restrições, etc..
            Não se pode meter o Rossio na rua da Betesga!

                                                                 *****
            Finalmente existe uma questão de que ninguém fala e ninguém quer falar: a questão da Defesa, num conceito alargado, a Segurança Nacional.
            As funções clássicas de um Estado – e nós ainda temos um, mauzinho, mas vamos tendo – são a Segurança, a Justiça e o Bem-estar.
            Por esta ordem, dado que a ordem dos termos não é arbitrária…
            Apesar de, na prática, apenas servir para cobrar impostos, subverter a Nação e tentar impor o “relativismo moral”.
            Vindo a Segurança à cabeça só se lembram dela, como de Santa Bárbara, quando troveja.
            Ora qualquer consideração ou estudo (que aparentemente, nunca é requisito – e devia, repito, vir á cabeça de tudo), do Ministério da Defesa, fica à esquerda de um arroto emitido por um qualquer grupo ecologista. O que é mais uma prova de que este ministério é virtual, não existe.
            Ora no âmbito aeronáutico só a Força Aérea (FA) tem fechado unidades e órgãos e diminuído as suas capacidades.
            No caso vertente, se o Montijo for transformado em aeroporto os custos para a FA (cuja posição – que devia ser do Conselho de Chefes Militares - sobre todo este assunto, se mantém confidencial), vão ser pesados, já que a sua actividade terá que ser redimensionada com custos muito elevados. E quem pagará esses custos? Já estamos habituados a que para os militares nunca há reforço de verbas (antes pelo contrário) e que, portanto, vão ter que se amanhar com o orçamento (não cativado) que lhes atribuírem.
            No Montijo existe a principal esquadra de helicópteros (a Esquadra 751, equipada com o “EH-101”) e que tem como uma das suas missões primárias a Busca e Salvamento. Ora por razões que se prendem com a sua área de operações, não convém que estejam longe de Lisboa.
            O mesmo se pode dizer da esquadrilha de helicópteros da Marinha, equipada com o “Linx”, sistema de armas que são orgânicos das fragatas.
            Ora como a Marinha está quase toda no Alfeite…
            Ouvi de um funcionário da NAV, numa reunião em que estive, no passado ano, que estas aeronaves iam para a BA1, em Sintra. Notem, foi ele que disse, não foi ninguém da Força Aérea…
            E disse mais, que a Esquadra 101, de instrução, equipada com “Epsilons”, que está em Sintra, iria para Beja (de onde nunca deviam ter saído, acrescento eu).
            Por acaso é lógico que assim aconteça, apesar de em Sintra, a meteorologia não ser das melhores e só uma pista estar equipada para permitir aterragens por instrumentos.
            Mas no Montijo ainda existe a Esquadra 502 equipada com o C-295, a Esquadra 501 equipada com o C-130 (a substituir pelo brasileiro KC-390) e a Esquadra 504 equipada com os aviões “Falcon”, aqueles que transportam os “Vips”.
            É escusado pensar, que se a solução da Portela + 1 for para a frente (o que Deus não permita) a FA tem de fechar a BA6, pois qualquer actividade sua será incompatível com o tráfego que irá existir.
            Ora recolocar as duas esquadras citadas, não é fácil de se fazer. Colocá-las na Ota, tem custos elevados e problemas de tráfego aéreo; colocá-las em Beja – o ignorante e pesporrente comentador Miguel Sousa Tavares opinou há pouco tempo, que a FA devia ir toda para Beja - é uma solução aceitável, embora tivessem que conviver com os “Epsilon” (a mudar para lá); a esquadra de P3P, lá existente e a Esquadra dos ALIII, em “fase out”, e que não se sabe ainda se irão ser substituídos [5]; para além do terminal civil, mono, de Beja, a que a edilidade local chama pomposamente de “aeroporto”.
            Uma última alternativa seria reactivar a Base Aérea 3, em Tancos, que, por razões que não vou explicitar, a Força Aérea nunca devia ter abandonado.
            Não vou sequer considerar a solução Monte Real pois para além de não haver instalações apropriadas para os aviões referidos, o tipo de operação e manutenção das aeronaves lá existentes (os F-16) ser muito distinta.
            E ainda se poderá considerar o Aeródromo de Manobra 1, em Ovar…
            Resta ainda resolver o destino a dar a algumas pequenas infraestruturas NATO, existentes no Montijo, que não será difícil desafectar e o Centro de Treino e Sobrevivência da FA, enfim que pode ser enviado para Sintra, a Ota, ou qualquer Base Aérea com vantagens e desvantagens várias.
            A melhor localização seria o Campo de Tiro de Alcochete, mas esta Unidade também não sobreviverá à solução Portela-Montijo, tão pouco à de Rio Frio/Alcochete.[6]
            Deslocalizar o CTA (a menos que se feche para a actividade aérea), além do que já foi dito, implica mudar um conjunto alargado de actividades que lá decorrem e que não vou especificar.
            Resta ainda resolver o problema do Aeródromo de Trânsito nº 1, sito na Portela e que funciona como “Terminal Aéreo de Estado”, dado que as instalações existentes na Portela irão possivelmente encerrar por via de necessidades de expansão aeroportuárias (diz-se). Enfim se a solução Montijo for para a frente (o que Deus não permita) poderá mudar para lá. Se a coisa borregar, ficam com esse menino nos braços. O mesmo acontece com a esquadra dos “Falcon” (que há muito deviam ter sido substituídos, por já estarem obsoletos), cuja operação está intimamente ligada a este terminal.
            Feito o balanço, com os dados que disponho – que não são muitos – parece que a solução menos má seria manter a Portela com os “updates” possíveis e construir o novo aeroporto em Rio Frio/Alcochete (os estudos estão feitos), faseadamente, quando a economia e as finanças nacionais o permitirem (garantindo a substituição da carreira de tiro de Alcochete, por outra).
            Quem não tem dinheiro não tem vícios.
            A não ser que se descubra um outro local a sul do Tejo que não tenha os inconvenientes de Rio Frio e não fique demasiado longe de Lisboa, o que obrigaria a novos estudos e novas despesas…
            Até lá dispensamos soluções, racionais e farroncas, preconizadas por políticos (e não só), que baseiam a sua actuação em palavras cínicas como as de Albino Forjaz Sampaio.



                                                         João José Brandão Ferreira
                                                              Oficial Piloto Aviador


             
           
           


[1] Todavia, o Rei Afonso III (e os seus descendentes) esqueceram-se de oficializar a mudança pelo que Coimbra continua a ser a capital oficial, de Portugal…
[2] É dito – embora não tenha a certeza - que o CTA, com os seus 7.539 hectares é a maior instalação militar da Europa.
[3] Existe ainda um conjunto de pequenas pistas relativamente perto da capital mas que à partida não conflituarão com o tráfego a que nos estamos a referir, mas cuja actividade necessita ser controlada, como são as situadas em Santa Cruz; Tojeira; Benavente; Santarém; Alqueidão e Pegões.
[4] Esta questão agrícola não é nada despicienda, pois nós sobrevivemos sem aviões, mas não sem água e comida e qualquer dia não há um metro quadrado onde plantar batatas…
[5] Se não forem a FA irá perder a capacidade (mais uma!) de formar pilotos de helicóptero.
[6] As soluções Alcochete e Rio Frio são quase idênticas, movendo-se o espaço físico apenas uns quilómetros.