“Porque será que uma junta de
bois são dois, e uma junta de médicos são três?”
Questão magna que preocupa, desde
tempos imemoriais, o “jornal da caserna”. E que, obviamente, nunca deve ser colocada
a um clínico…
Com o final catastrófico e
militarmente indecoroso, das últimas operações ultramarinas em que defendemos
as gentes e o território nacional, no “além-mar” – onde os Serviços de Saúde
Militar (SSM) cumpriram muito bem e prestaram relevantes serviços à Pátria [1]- que se perdeu,
paulatinamente, a noção de que a razão principal e primária para a existência
de serviços específicos de saúde militar, tem a ver com a necessidade de apoio
sanitário às tropas em operações.[2]
E como razão secundária a necessidade
de triagem médica nas fases de seleção, recrutamento e treino; no tratamento e
recuperação de feridos na retaguarda e todo um âmbito de actividades
relacionadas.
Cada Ramo das Forças Armadas tem,
por sua vez, necessidades e especificidades próprias, que devem ser garantidas,
seja qual for o modelo organizacional que se queira implementar.
É em todo este âmbito que existem
hospitais de retaguarda.[3]
É nestes que o pessoal médico e
de enfermagem têm contacto e praticam as técnicas da sua especialidade de modo
a manterem uma proficiência e actualização adequada.
Para além disto os hospitais
militares têm a importante missão de apoio à família militar, fundamental para
o Moral e Bem-Estar dos profissionais das armas e suas famílias, o que, aliás,
constitui um direito consignado em lei.
Um dos direitos - dos
pouquíssimos que restam – em compensação dos especiais deveres impostos pela
“condição militar”.
Condição militar, note-se, que é
indispensável para o correcto funcionamento de qualquer força armada civilizada,
e sem a qual as FA estarão, à partida, derrotadas; e da qual os bons militares
se orgulham e aceitam, e a que não deixam de estar sujeitos.
Com isto dito, vamos tentar
sintetizar os problemas de sempre (embora agudizados pela vivência das últimas
décadas), relativos aos SSM.
É assim:
A generalidade dos oficiais
generais não percebe nada de saúde (mas têm à sua disposição os meios
necessários para equacionar devidamente o problema) e a grande maioria dos
médicos não percebe nada de assuntos militares, nem quer perceber (alguns até
têm raiva a quem sabe). Ora pôr a funcionar SSM nestas condições não parece ser
nada fácil…
Dois exemplos simples ilustram o
que digo; desde sempre o médico de uma unidade fazia parte (a que se deve
juntar o capelão) do chamado “estado-maior” do comandante. Sem embargo ofereço
um doce a quem tenha, nos últimos 35 anos, visto ou almoçado com o médico da
unidade, na mesa de comando. E, que se saiba, a 2ª refeição é (ou era?) um acto
de serviço…[4]
Por sua vez sabe-se da
dificuldade em nomear um médico para um teatro de operações fora do território
nacional; até para os Açores, às vezes, simplesmente, para fora de Lisboa…
Tal facto ocorre depois da
Fazenda Nacional ter gasto uma nota preta na sua formação e não poucas vezes
origina o pedido imediato do abandono do serviço activo.
A segunda síntese reza assim:
“não haver nenhum senhor general ou almirante que não tenha que vir a mostrar o
seu republicano cóccix, a um ou mais médico. É uma questão de tempo.
Ora acreditem ou não, este último
postulado tem grandes hipóteses de interferir com o principal problema
existente com o pessoal relacionado com o Serviço de Saúde (sobretudo médicos)
e que é este: a dificuldade que existe em que eles cumpram o horário normal de
serviço.[5]
O que configura um problema de
funcionamento e disciplinar básico.[6]
Piora as coisas quando as
inteligências que nos têm governado decidiram apoucar a Instituição Militar,
destruindo a Justiça Militar e tornando a Disciplina Militar numa caricatura,
após a última alteração ao respectivo regulamento.
*****
Serve o acima exposto, como
introito para alguns comentários que o mais recente despacho do ex-candidato
vencido à Assembleia Municipal da Camara da Invicta – que logo desistiu da sua
participação em tão distinto areópago – e que nas horas vagas passa por um
gabinete destinado a ser ocupado por uma figura que ostenta o título de MDN.
O despacho é o 160/MDN/2013, em
que S. Exª nomeou um general da FA, na reforma (!), como gestor de projecto
para a expansão do HFAR/PL.[7]
Ou seja mais um GT fora da
estrutura organizativa legalmente constituída para resolver estes assuntos…
Porque se fez isto?
Simples, arranjaram um nó górdio
de tal maneira surrealista e intrincado que agora ninguém o sabe desatar.[8]
Resumindo, por despacho
“superior” determinaram-se coisas de qualquer maneira (porque sim!) sem haver o
mínimo de consenso entre as partes envolvidas; sem estudos exaustivos; sem se
terem comtemplado as questões orçamentais; sem se preverem verbas para as
mudanças previstas – raramente, aliás, as alminhas responsáveis se preocupam
com os investimentos iniciais sempre fundamentais em qualquer reestruturação
séria.[9]
De seguida em vez de serem os
Estados – Maiores dos Ramos – que vão passar serviços e pessoal para o novo
órgão – e o EMGFA - que os vai receber e, posteriormente chefiar o HFAR – a
tratar o assunto, como seria natural, curial e de bom senso, passou a ser o MDN
a tratar de tudo.
Ou seja para além das chefias, pouco
rodadas em assuntos de saúde e dos médicos pouco versados em questões
militares, colocaram no circuito uns quantos civis, que não sabem nada nem de
uma coisa nem de outra, a mandar nesta trapalhada toda![10]
Acresce ainda, que a FA dispõe de
outros órgãos e unidades na Base do Lumiar – entretanto rebaptizada de “Campus
da Saúde”[11]
– como sejam a Banda de Música, os alojamentos para o pessoal em trânsito e a
Direcção do Serviço de Saúde, que têm que ser reinstalados; O Centro de
Medicina Aeronáutica, o Centro de Psicologia da FA e o Centro de Recrutamento,
que lá vão ficar; prevê-se a instalação do Centro de Medicina Subaquática e
Hiperbárica (transferido do Hospital de Marinha) e a criação da Junta de Saúde
para os três Ramos, além da implementação da unidade de apoio a todo o complexo
como era feito pela antiga Base do Lumiar (a extinguir).
Em sequência estão previstas
obras de ampliação do “novo” hospital, tidas por necessárias já que com o HFAR
se pretende substituir aos quatro hospitais militares existentes na área de
Lisboa.[12]
Este conjunto de acções está
previsto num outro documento, o Despacho nº 7002/2013, do MDN, que cria o
HFAR/PL e mais dois grupos de trabalho, a saber: a Comissão de Acompanhamento
(mais uma) e um segundo “para a definição do modelo organizacional para os
cuidados continuados no âmbito do HFAR”.
Para a confusão ser maior ninguém
sabe quem paga o quê, a quem e quando!
Ou seja, arranjaram um granel
indiscritível, fora de todas as regras militares, sem linhas claras de
autoridade, com os níveis de decisão baralhados e sem hipóteses de coordenação
horizontal.
Em vez de repensarem toda esta
meada de disparates consecutivos e colocarem as coisas no são, como sugerido
acima, insiste-se em atamancar as coisas criando outro grupo de trabalho, indo
buscar pessoas à reserva e reforma, quando se destruíram as carreiras pelo
congelamento das promoções (fazendo-se às pinguinhas sabe-se lá por que
critérios) e se aventa constantemente com o espantalho do “pessoal a mais”.
No meio disto tudo só espanta
como a generalidade das pessoas que lá trabalha continue a prestar tão bons
cuidados de saúde.
Mistério a que nem uma “Junta de
médicos” (três) saberá responder.
[1]
Como, de resto, toda a logística, que não funcionava tão bem desde que o João
da Nova comandou a terceira Armada (1500 homens, do melhor que tínhamos)
enviada à India, em 1501!
[2]
Talvez por isso, ainda não se tenha ouvido falar neste pressuposto, em toda a
discussão que, nos últimos anos, tem existido à volta da “reforma da saúde
militar”. E era por aqui que se devia ter começado…
[3]
Também existem hospitais de campanha para apoio directo das tropas em
operações, cujos meios e dimensões estão dependentes do escalão das unidades
empregues e da distância à frente de combate.
[4]
Não digo que tal não tenha existido, sobretudo em quarteis mais isoladas. E a
maioria das vezes tal ocorria com médicos civis (avençados) que tinham
desenvolvido uma ligação especial, até de carinho, com uma dada unidade.
Cheguei a conhecer alguns.
[5]
Para os menos habituados às lides militares esclarece-se que uma das
consequências da tal “condição militar” é o facto de os militares não terem
(ainda) “horário de serviço”, mas apenas um “horário normal de serviço” pois
por definição “estão sempre ao serviço”, isto é, trabalham quando é preciso e
descansam quando podem…
E assim é que está correcto.
[6]
Um outro problema que nunca foi devidamente resolvido é o da compatibilização
da “carreira” técnica médica (agora também de enfermagem), com as funções
inerentes aos diferentes postos. E não é nada fácil resolver.
[7]
Lê-se Hospital das Forças Armadas/Polo de Lisboa.
[8]
Deve, em abono da verdade, afirmar-se que as coisas só chegaram a este cumulo
porque os Chefes Militares não se conseguem entender sobre coisa alguma –
normalmente por questões corporativas – e, no mais das vezes, mostram-se
incapazes de travar a equipa ministerial nos disparates que intentam fazer.
[9]
Parafraseando o cronista “num esquecimento muito bem alembrado…”
[10]
Chegaram até ao ponto de inocular uma espécie de “comissário político” civil,
na estrutura superior do HFAR, para tratar de questões logísticas, numa atitude
abusiva – diria mesmo ilegal – à revelia da organização militar, além de
passarem mais um atestado de incompetência, de gozação mesmo, às Forças
Armadas. Já não consigo imaginar o que terá que acontecer para que as chefias
militares tenham um assomo de dignidade e vergonha e digam um “basta”!
[11]
Não há paciência, será que o Senhor Ministro ainda julga que se passeia na
Universidade de Coimbra, enquanto estudante?
[12]
O da Marinha, sito em S. Clara; e dois do Exército, o de Belém e o da Estrela
(este último com três polos separados); e o da Força Aérea, no Lumiar, que foi
o escolhido para albergar tudo. Assim como quem tenta meter o Rossio na rua da
Betesga…
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