“Os diferentes partidos não são mais do que escolas
de imoralidade e, portanto, companhias de comércio ilícito, onde as diferentes
lutas, que promovem, não são mais do que o modo de realizarem o escambo das
consciências, o sacrifício dos amigos e o bem do País e, por conseguinte, o
modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postos em almoeda as opiniões
(…). A classe dos malfeitores é a que mais tem ganho com as garantias
constitucionais”.
Luz Soriano
(Sobre a Política do seu tempo)
Fui
ouvir, recentemente, num conceituado Instituto, sito na área de Lisboa, uma
palestra – sobre a “crise”- por parte de uma conhecida política com experiência
governativa.
Casa
cheia, reflexo da expectativa com que a audiência aguardava a exposição da
reputada personalidade. Até porque não encaixa no estereótipo do “político
palavroso e oco”, que por aí abunda, pela reconhecida competência na sua área
profissional e por, sobre a sua probidade, não impender qualquer sombra.
Infelizmente seja por estar cansada, não ter usado apontamentos e, ou,
desconhecer a audiência, não esteve, desta vez, particularmente feliz.
Acontece.
Dos
múltiplos aspectos que se poderiam comentar, existe um que merece ser tratado,
pois a sua importância extravasa, em muito, o âmbito em que foi tratado.
A questão
surtiu assim:
No início
da sua exposição a oradora disse haver consenso, na sociedade, sobre quais as
causas que nos levaram à actual crise financeira, pelo que nos deveríamos
concentrar nas soluções.
No
período de “perguntas e respostas” veio a ser confrontada com a opinião de que
o consenso não devia excluir ou impedir, que as responsabilidades fossem
apuradas e que os responsáveis devessem reconhecer e assumir os eventuais erros
e ilícitos, que tenham praticado.
E, até,
pedir desculpa pelos mais gravosos, acrescentamos agora.
A
palestrante não concordou com as afirmações feitas dizendo “que em Democracia a
responsabilização é feita nas eleições seguintes, votando-se noutros
candidatos” e que “isso era muito perigoso pois se formos responsabilizar os
políticos pelas decisões que tomam, passando-lhes multas, por ex., ninguém ia
querer vir para a política, e já há pouca gente a vir para a Política”.[1]
Pareceu-me, ainda, entender concordância vária, pela sala, a esta
resposta.
Estas
afirmações não devem ficar sem contraditório, mesmo descontando alguma
“ingenuidade”, que a ilustre convidada já não tem idade nem estatuto para
exibir.
É por
demais evidente que os políticos têm e devem ser responsabilizados. E a vários
níveis. Até os Juízes caracterizados pelos quatro “Is” (independentes,
irresponsáveis, inamovíveis e imparciais) devem ser responsabilizados![2]
Os políticos
devem ser responsabilizados, politica, criminal e socialmente.
Politicamente, através das eleições, mas também através da confiança do
PR, caso dos governantes e outros que dependam dele; e das próprias direcções
dos Partidos Políticos, se estes funcionassem com o mínimo de organização e
decoro. Todos, através da “vigilância parlamentar”, o que implica haver
deputados com independência de espirito e não “animais amestrados” de
lideranças flutuantes, tendências ou “lóbis” estranhos à sua função.
Devem ser
responsabilizados criminalmente quando cometem dolo, na sua actuação, o que
parece ser o caso relativamente ao buraco financeiro em que nos meteram (há até
um artigo no Código Penal que prevê isto, o 235º), pois é perfeitamente
inconcebível, como sucessivas gerações de políticos podem ser tão
irresponsáveis e incompetentes, durante tanto tempo.[3]
Aqui não
há subjectividades, nem boas ou más intenções a atender: é factual, objectivo,
incontornável!
Tudo
configura um crime de lesa - cidadão e de lesa - Pátria!
E aquilo
que parece, e parece muito – e em política o que parece é – é que é que os
membros da classe política, de um modo geral, se tapam uns aos outros! E a
resposta que deu não nos tranquiliza nada, neste âmbito.
E quanto
à responsabilização criminal porque é que ela não é exercida? É por não se
conhecerem casos?
Não, não
é, toda a gente sabe que não é: os casos e as suspeitas que têm vindo a público
são às dúzias, nas últimas quase quatro décadas e foram mediatizados pelo país
inteiro (e alguns, no estrangeiro).
Raríssimos foram os julgamentos que chegaram ao fim e houve condenações.
E a
experiente política não pode deixar de saber porquê: Porque, aparentemente, se
encobrem uns aos outros (quem tem telhados de vidro…); a teia de leis
existente, consubstanciadas no Código Penal e no respectivo Processo, são um
novelo inextrincável; a organização judicial não presta contas a quase ninguém;
a investigação judicial criminal está longe de ser independente; a macro
organização da Justiça está concebida para se equilibrar e contender, mas não
para funcionar. Etc.
E quem
tem a responsabilidade e a última palavra a dizer nisto tudo? Exactamente, os
políticos!
Por isso
não há como dar a volta, a coisa está bloqueada e bem bloqueada.
Defendeu
a excelente senhora, que os eleitores castigarão os políticos nas eleições
seguintes. Ora cara doutora, balelas! Será que acredita mesmo no que disse?
Vejamos:
Para não
ir mais atrás, a seguir a uma das várias revoltas, golpes de estado, insubordinações,
etc., protagonizados pelo Senhor Duque de Saldanha, aquela de 1851, veio a
inaugurar o que se convencionou chamar de “Rotativismo”.
Surgiram
os Partidos Regenerador e o Progressista, um mais à “direita” e o outro mais à
“esquerda”, que se alternavam no Poder [4]; na I República apareceram
o Partido Evolucionista, o Unionista e, sobretudo o Democrático, do ferocíssimo
Dr. Afonso Costa, que tendo mais caceteiros do que os outros, lograva conseguir
mais tempo no Poder. Havia mais uns apêndices.
Todos
sabemos – embora pouco conscientes – das desgraças em que tudo isto terminou.
Agora
roda entre o PS e o PSD (o CDS ora está com um, ora com outro) e é tudo à
“esquerda” – sim, porque não há “direita” no Parlamento. Os outros dois que
restam (o BE e o PCP) gozam de pouca “simpatia” eleitoral, além de que são
“anti - sistema” (e, convenhamos, que os modelos que preconizam, quando foram
aplicados noutros países, deram resultados, catastróficos e escabrosos).
Ao fim de
35 anos de “vira o disco e toca o mesmo” – com os resultados conhecidos – que
alternativa resta, não me dirá?
E terá a
Senhora coragem para afirmar que a possibilidade formal, existente, de surgirem
outros partidos, tem alguma hipótese de vingar?
Aliás o
“sistema” está de tal modo “blindado” e é tão surrealista que, há alguns anos a
esta parte, passámos a ter mini - governos de comentadores políticos em todos
os jornais, rádios e, sobretudo, televisões!
E, vai-se
a ver, são quase todos ex-governantes, ou políticos altamente colocados!
Mas
alguém consegue trabalhar no meio deste granel e deste ruído?
Por fim,
os políticos devem ser responsabilizados socialmente: devem perder direitos
políticos (de cidadania) quando se portam mal; devem ter portas fechadas no
Estado e, também, serem submetidos a censura social.
Para que,
por ex., o Sr. Sócrates não possa vir, impante, com uma falta de vergonha do
tamanho do mundo, mentir compulsivamente para a televisão dita pública; ou o
Sr. Relvas não se coíba de vir cantar a “Grândola” para a porta de São Bento,
quando o “Tó Zé” lá habitar, não por ter alguma ideia na tola, mas por o
eleitorado ir, eventualmente, “castigar” os actuais inquilinos, pela boa
prestação que andam a ter.
Como a oradora muito bem sabe.
É por
tudo isto que os eleitores já não têm o mínimo respeito pelos políticos. Eles,
também, nem sequer se dão ao respeito.
A
palestrante mostrou, ainda, a sua preocupação por a eventual responsabilização
dos ditos cujos, poder afastar as pessoas da política. Desculpará, mas esta
frase não liga bem com a sua capacidade intelectual.
Na sala
estavam muitos oficiais de Marinha. Experimente perguntar-lhes o que lhes
aconteceria, sendo comandantes, se encalhassem um navio! Ora não parece haver
falta de candidatos à Escola Naval por causa disso… (não falo da Escola Náutica
pois os seus colegas da política acabaram com a Marinha Mercante).
Alguns
aviadores cometem erros e morrem; não creio que alguma vez houvesse falta de
candidatos a pilotos.
Os médicos
quando cometem erros, mesmo involuntariamente, podem causar graves danos aos
doentes e, até, a morte. Arriscam um processo em tribunal e podem não recuperar
a sua carreira; pois não há memória de haver quebra de frequência nas
Faculdades de Medicina e, tão pouco, os doentes deixaram de ir ao médico…
Os
exemplos podiam continuar.
Então só
com os políticos – alguns dos quais é-lhes outorgada autoridade que lhes
permite tomar decisões que afectam toda uma Nação – é que as coisas têm de ser
diferentes? Não podem ser responsabilizados?
Não
podem, uma ova!
Ponha os
olhos no Engenheiro Guterres, ele ao menos aprendeu por si e apanhou um “calor”
tal que se eclipsou para a ONU, onde se tenta redimir, fazendo o bem aos refugiados.
É a vida.
Perceba a
ilustre oradora que nós não precisamos sequer, de muitos políticos, mas sim de
bons políticos.
Políticos
que queiram vir para servir a Polis, não para arranjar tacho. Por isso a gente
deve-lhes impor regras e responsabilizá-los.
Já basta
– outra coisa a corrigir, ontem – que ser político, representa a única
actividade para a qual não existe um curso específico, habilitações
profissionais mínimas, nem exame de coisa alguma – a não ser as sacrossantas
eleições depois de um período mais ou menos extenso de venda de banha – da -
cobra – nem obrigue a um tirocínio que vá para além do transportar a pasta ao
chefe; dar-se bem com o “Sr. Valente Cunha” e na afirmação expedita do “são as
horas que V. Exª quiser que sejam”!
A
palestrante não quer responsabilizar os políticos?
Responsabilizar os políticos não é apenas uma medida de higiene e de bom
senso, é a única maneira de podermos atrair gente honesta e competente
para a sua prática!
E sobre o
erro de perspectiva, que resulta no engano da defesa da permanência de Portugal
no Euro, falaremos noutra altura.
Queira
aceitar os melhores cumprimentos.
[1]
Não é “ipsis verba”, mas a ideia é esta.
[2] Lei 21/85, de 30 de Julho.
[3] Veja-se, nem a propósito, o recente escândalo dos “Swaps”!
[4] Daí se chamar “Rotativismo” – uma tentativa frustre de se imitar o parlamentarismo britânico, devidamente moldada ao caciquismo “tuga”
[2] Lei 21/85, de 30 de Julho.
[3] Veja-se, nem a propósito, o recente escândalo dos “Swaps”!
[4] Daí se chamar “Rotativismo” – uma tentativa frustre de se imitar o parlamentarismo britânico, devidamente moldada ao caciquismo “tuga”
2 comentários:
Para reforçar o que o excelente texto do Sr. TC Brandão Ferreira disse, aqui fica outra análise lúcidíssima sobre o mesmo assunto:
"A NECESSIDADE DE RESPONSABILIZAR OS POLÍTICOS
PELOS ESTRAGOS QUE CAUSAM COM AS SUAS ACÇÕES
Qualquer automobilista é responsabilizado pelas suas acções no trânsito.Um restaurante é responsabilizado pelo que serve à mesa.Um médico é responsabilizado pela sua conduta profissional.Então, por que razão, nenhum político é responsabilizado pelos seus actos?Instalou-se mundialmente um sistema de intocabilidade religiosa em dois meios fortemente interligados, que são o financeiro e o político.
O pior que pode acontecer a um financeiro ou a um político é não ser reeleito para o seu cargo. As desgraças que as suas actuações causam a tanta gente são consideradas irrelevantes.Isto está profundamente errado!Procurar vestígios de corrupção, para ver se algum banqueiro ou governante acumulou fortunas pessoais de forma ilegal, é apenas um levantar de uma cortina de fumo, para não mostrar a verdadeira gravidade da situação.Os seus comportamentos devem ser vistos, individualmente, como as origens das feridas, que as suas acções causaram, com efeitos nefastos, ao povo e à pátria, que supostamente deviam defender.Proponho que pessoas qualificadas "avaliem a performance" (permito-me, neste caso específico, a usar a terminologia dos próprios), de todos os políticos, que ocuparam cargos no pós-25 de Abril de 1974.
Apoderaram-se de uma nação, que existia em harmonia desde da Ilha do Corvo até Macau.O que fizeram dela?Deve-se calcular, em números, os prejuízos, que suas actuações causaram, não apenas à metrópole, mas também aos povos ultramarinos.Deve-se criar um escalão onde se atribua as percentagens de peso nas decisões, que correspondam a cada lugar governamental e por dia de ocupação.De seguida, deve-se procurar saber quais foram as pessoas que ocuparam estes lugares e qual o montante de estragos por elas causados.Logicamente, devem ser responsabilizados pessoalmente; a igualdade de direitos e deveres com todas as outras profissões a isto obriga.Não existe fundamento lógico que justifique que os governantes não possam ser chamados à responsabilidade. Qualquer taxista, talhante, dentista ou educador é responsabilizado pelos seus actos.Um julgamento público, devidamente transmitido pelos média, é suficiente para acabar com o assassinato da identidade nacional e conseguir o reestabelecimento imediato da soberania!
Qualquer um dos políticos responsabilizados devem ter direito de defesa e explicação do porquê das suas acções.A justiça e a ordem pública têm de prevalecer!Se as suas acções forem consideradas justificáveis perante o povo e a pátria, será absolvido.Se as suas acções forem causadoras de endividamento da nação, do empobrecimento (espiritual ou monetário) do povo, terá que tentar indemnizar a nação e o povo. Caso não tenha bens suficientes para fazer face ao peso dos danos, terão que responder todas as pessoas, firmas ( incluindo os seus accionistas), ou instituições, que lucraram com as suas decisões e responder dentro dos montantes por eles indevidamente recebidos, para que se reponha o estado da Nação ao nível da data da sua tomada de posse.Este julgamento terá, como consequência imediata, a dissuação do aparecimento de novos caçadores de fortunas fáceis na governação.Isto, por sua vez, será a vassourada de limpeza ética que uma profissão (que devia ser merecedora de respeito) necessita urgentemente."
Continua...
"Quando o Dr. António de Oliveira Salazar assumiu a sua longa caminhada para tirar a pátria do endividamento estrangeiro e a criação de uma das mais fortes e respeitadas moedas então existentes, totalmente coberta por reserva de ouro, apenas pediu que lhe fosse pago o mesmo ordenado, que recebia, enquanto era professor da Universidade. Nunca aceitou mais um tostão. Nunca possuiu um grão de areia que fosse numa conta off-shore, nem desviou fortunas para familiares seus.
Um verdadeiro GOVERNANTE tem de ser RESPONSÁVEL pelas suas acções, como qualquer cidadão comum.Já assim era no tempo de Viriato e no futuro terá de o ser de novo!" (Rainer Daehnhardt, In revista Finis Mundi, nº1, págs. 209/211).
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