quarta-feira, 18 de julho de 2012

CRISE, ORÇAMENTO E TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (TC)

O recente acórdão do TC tornando inconstitucional o articulado da Lei do Orçamento que permite os cortes dos subsídios de férias e de Natal, que foi promulgado pelo PR, tem levantado o maior dos sururus.

O fundamento principal deste acórdão baseia-se no facto de ter sido ferido o princípio da igualdade, isto é os cortes apenas se aplicarem aos trabalhadores da função pública e não a todos os cidadãos.

Devo começar por dizer que considero o TC uma inutilidade dispendiosa; uma espécie de pendericalho de novos - ricos. Em primeiro lugar porque a Constituição da República (CR) – que deveria chamar-se Constituição de Portugal, ou da Nação Portuguesa – devia conter apenas princípios fundamentais, ser simples e clara, o necessário, para tornar qualquer dúvida de constitucionalidade um episódio raro; depois porque não se justifica a sua existência, já que um dos Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal de Justiça poderia ter uma “secção” especializada nesta matéria.

Finalmente, porque tendo a nomeação dos titulares, organização e funcionamento do TC, uma tónica eminentemente política, a independência dos seus juízes fica, desde logo, prejudicada.

Não sendo as coisas assim tão claras e face à contestação e controvérsia verificada, no caso vertente, só parece haver uma solução lógica para ultrapassar o imbróglio: a de criar mais um TC, este de 2ª instância, quiçá um Supremo TC!…

Bom, mas o que é um facto é que o TC existe, e existindo deve ser respeitado. Ora o próprio acórdão em apreço, contém os germes do desrespeito que o TC infligiu a si mesmo.

De facto não faz sentido que o TC decida que o corte dos subsídios é ilegal mas que, dado o “adiantado da hora”, essa ilegalidade só deve entrar em vigor em 2013… Qualquer assembleia de pastores dos baldios da Serra da Estrela conseguia, seguramente, lavrar uma sentença de melhor siso![1]

E para o provar basta atentar no que diz o nº 1 do artigo 282º da CR:
Artigo 282
(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1.       A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

Por outro lado, e com o mesmo critério, o TC deveria tornar inconstitucional, os cortes nos vencimentos da função pública. Porque não o fez? É a pedido?

E as vergonhosas excepções que se foram fazendo aos citados cortes, nalgumas instituições do Sector Empresarial do Estado, respeitarão o princípio da igualdade?

Ou será que o acórdão do TC (o que Deus não queira…), se destina apenas a facilitar a vida ao governo, de modo a mais facilmente poder cortar, no futuro o 13º e 14º mês ao sector privado?

Alega o TC que o Orçamento do Estado já levava seis meses de execução e que se a inconstitucionalidade vigorasse já para este ano, tal iria prejudicar muitíssimo os compromissos assumidos pelo Governo. É verdade, mas não foi isso que se lhes perguntou, nem vai evitar que o prejuízo não tenha que ser colmatado mais tarde.

E tudo não deixa de representar uma incongruência e uma trapalhada, justamente num processo em que, o que se pretendia era clareza, transparência e racionalidade.

Existe aqui, também, um problema de “timing”. O PR deveria ter exercido o poder que lhe é concedido pela CR e pedido a apreciação preventiva de constitucionalidade. Acresce, ainda, que os Senhores Juízes do TC deveriam habituar-se a ser mais expeditos na lavra dos seus acórdãos.

Averiguem, por ex., junto dos oficiais do Estado-Maior que preparou a última hipotética intervenção militar na Guiné, quantas horas é que dormiram a menos, durante largos dias…

Finalmente dois pontos devem, ainda, ser ponderados. Se verificarmos que o articulado da CR (partindo do princípio que ela é necessária), já não está ajustado às realidades actuais, a mesma deve ser revista.

Porém, os mecanismos que regulam a revisão da CR, se bem que tenham a sua lógica, tornam quase impossível revê-la (muito menos com celeridade) nos aspectos que envolvam controvérsia política.

Ou seja, a CR tem um ferrolho a guardá-la (a excepção dá-se quando existe um acordo, digamos que “por baixo da mesa”, dos partidos do “centrão” político, para adoptarem uma determinada imposição. Caso da dignidade e hierarquia concedidas às normativas oriundas de Bruxelas, que vigoram directamente na ordem interna portuguesa e que surgiu na última revisão ao modificar o artigo 8. Aspecto da maior gravidade que devia ter sido objecto de amplo debate e consenso e que só um referendo poderia legitimar.

O segundo ponto tem a ver com a excepcionalidade da situação existente, causada pela “crise financeira e económica” (que nos limita fortemente a soberania), reclamada em coro, por todos os actores políticos, sociais e económicos.

Bom, se a situação é de excepção (creio, até, que é muito mais grave do que isso), então porque não se toma medidas verdadeiramente de excepção, como seriam a declaração do estado de emergência ou de sítio?

Estaríamos, ainda, no campo constitucional e o PR (enfim, teria que ser outro), ficaria com a legitimidade para tomar as medidas que se imponham, sem um conjunto enorme de condicionantes, que estão a arrastar o país para o abismo.

Porém, nem estas me parecem que se possam aplicar, já que:

O estado de emergência, só pode ser declarado “quando se verifiquem situações de maior gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública”; e o estado de sítio é “declarado quando se verifiquem ou estejam eminentes actos de forças ou insurreição que ponham em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional democrática e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na Constituição e na Lei”.

Porque, de facto, nós estamos a fazer muito pouco para sair da “crise”, apenas nos limitamos a tomar medidas para adiar a queda no precipício…

Uma pergunta para terminar: será inteligente cogitar/acreditar, que os elementos da actual classe política e seus métodos, que nos guiaram ao presente desastre, podem ser os mesmos que nos poderão fazer emergir dele?

[1] E parece que também se terá enganado, ao considerar o corte do 14º mês só para o ano que vem, já que o subsídio de férias é referente ao ano anterior… Apenas o abono do 13º mês diz respeito ao ano em curso.

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