Temos para nós que a actual crise económica e financeira, tanto em Portugal como no restante “Ocidente”, tem origem numa crise moral e de valores, servidas por vagas sucessivas de medíocres lideranças políticas, que dão corpo a um sistema político, tido por democrático, cheio de vulnerabilidades que não param de se agravar.
A superação das dificuldades do presente, que fazem prever ainda maiores dificuldades futuras, será primordialmente do âmbito político e depois estratégico.
As medidas que vierem a ser adoptadas terão que ter em conta as pessoas que as vão ter que implementar e sofrer. Ou seja toda a população. E o grau de sucesso vai depender muito de como a nação no seu todo, acreditar nas medidas, decidir arregaçar as mangas e passar a trabalhar, isto é a produzir (pode-se trabalhar muito e não produzir nada…), de preferência com algum entusiasmo e alegria. Vão ser precisas doses maciças de boa liderança para conseguir isto. Porquê? Porque as políticas dos últimos 30 anos acabaram por criar um clima social e uma psicologia individual, muito pouco propícias a que as pessoas queiram trabalhar. Muito menos com alegria.
Vamos tentar dilucidar, sucintamente, como chegámos a este ponto.
O 25 de Abril foi como que se tivessem rebentado com o paredão de uma barragem, a água jorrou e espalhou-se anarquicamente por onde calhou. Até hoje ainda não se conseguiu reconstruir os diques da “barragem”.
Cada um reivindicou o que quis e pode, as regras de convivência, quer sociais quer laborais, estilhaçaram-se, experimentou-se de tudo um pouco, atomizou-se o poder e fez-se tábua rasa da hierarquia.
E criou-se na mente das pessoas, muito imprudentemente, que toda a gente tem direito a tudo e não tem deveres a nada.
Instituiu-se, até, tal estado de coisas, na própria Constituição, pai e mãe de todas as leis. Nela, existe um capítulo enorme, que tem por título “Direitos, Liberdades, e Garantias”, que é um autêntico maná, como se a anunciação do céu, fosse garantia de o atingir. Mesmo quando falam em deveres (por ex. “direitos e deveres económicos, sociais e culturais”), só lá aparecem direitos…
Existem duas excepções: Deveres (dos deputados), art.º 159 “comparecer às reuniões do Plenário e às comissões a que pertençam; desempenhar os cargos na Assembleia…; participar nas votações” – e o país tem assistido a como isto tem sido cumprido; e o artº 276,1 “a defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses” – o que deixou de ser verdade por terem acabado com o serviço militar obrigatório.
A piorar as coisas, não se equilibrou o dito capítulo com outro, cujo título poderia ser “Responsabilidades, Deveres e Obrigações”…
A seguir restringiu-se a autoridade das forças de segurança, inundou-se o Direito de um excesso de cláusulas de salvaguarda de direitos que têm beneficiado objectivamente os que se portam mal e emperrado o sistema judicial; em vez de se procurar a harmonia entre “patrões” e “trabalhadores”, fomentou-se a conflitualidade, proibiu-se o “lockout”, mas facilitou-se a greve, dando ainda por cima, aos sindicatos um extenso conjunto de poderes e regalias.
Acabou-se com o serviço militar obrigatório e com qualquer espírito de serviço à Nação; a boa educação passou a ser excepção e a Honra um resquício pré-histórico, que só os tolos tinha em linha de conta. O único dever que restou foi o de pagar impostos!...
O trabalho deixou de ter um carácter nobre e passou a ser uma “chatice”, ao passo que a folgança passou a ter direitos de cidade.
Acabaram-se com as escolas técnicas e procurou-se que todo o mundo obtivesse uma licenciatura. Pior, incutiu-se a noção idiota, de que todo o cidadão tinha direito a uma. Resultou que ficámos com uma quantidade de encartados medíocres (até porque o facilitismo é mais que muito), encheu-se a sociedade de licenciados no desemprego e ficámos sem ninguém para uma quantidade enorme de ofícios. Importámos doses maciças de emigrantes para fazer o trabalho que ninguém quis passar a fazer…
Com a entrada para a CEE, aniquilou-se a agricultura, a pecuária, a pesca e as pequenas empresas. Pagou-se para as pessoas deixarem de trabalhar e espalharam-se subsídios a esmo que se esvaíram nos bolsos dos contribuintes, sem mais valia que se visse ou perspectivasse. Isto teve consequências desastrosas.
A seguir implantou-se na sociedade uma “ditadura” ideológica, misto de jacobinismo e de ideias serôdias derivadas do Maio de 68, em França, propagandeadas aos quatro ventos – qual lavagem ao cérebro! - pela generalidade da comunicação social, e que ganhou um momento de crescimento exponencial com a liberalização das televisões privadas. Nela abunda o relativismo moral, que virou as referências e o Norte de pernas para o ar; a teoria do bom selvagem, do Rousseau, que criou uma desresponsabilização colectiva e a ideia de não colocar todos os “ovos no mesmo cesto”, o que estilhaçou a autoridade e a capacidade de se obter resultantes na vida individual e colectiva. Em complemento fomentou-se um individualismo e egoísmo feroz, centrando-se a vida da sociedade e a própria existência, no “eu”, acompanhado de conceitos animalescos sobre a cultura do prazer. E, claro, de propaganda avassaladora relativa a consumismo.
Tudo isto teve um contraponto no desaparecimento dos conceitos de honradez, lealdade, necessidades colectivas, solidariedade, esforço, poupança, probidade, prudência, etc. Claramente também, no bom senso e na falta de vergonha.
Todos os aspectos aqui referenciados afectaram sobretudo a família e a educação, a instrução e a justiça. Também a vida nas empresas. Teve uma origem e desenvolvimento essencialmente político, mas para a sua resolução ou ultrapassagem, já não vão chegar as forças políticas – elas próprias agora condicionadas pelo “monstro” que geraram.
Vamos ter que apelar a todas as forças “telúricas” da Nação. Não vai ser fácil e nem vai durar dois dias.
1 comentário:
Bravo, Sr. Ten. Cor. Brandão Ferreira!
Sou leitor atento dos seus escritos, e subscrevo inteiramente.
Prestei serviço em África - Moçambique - como Alf. Mil. de Cavalaria, e sempre que tomo conhecimento destas aberrações por que passam as gloriosas Forças Armadas Portuguesas, revolvem-se-me as entranhas.
Até quando vamos continuar a suportar isto?
Um abraço.
Miguel Sanches
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