quinta-feira, 30 de março de 2017

QUEM ESTÁ LOUCO, O ERDOGAN OU OS EUROPEUS?



QUEM ESTÁ LOUCO, O ERDOGAN OU OS EUROPEUS?

28/3/17


“Muito honrado Capitão Paxá, bem vi as palavras da tua carta. Se em Rhodes tivessem estado os cavaleiros que estão aqui neste curral podes crer que não a terias tomado. Fica a saber que aqui estão portugueses acostumados a matar muitos mouros e têm por Capitão António da Silveira, que tem um par de tomates mais fortes que as balas dos teus canhões e que todos os portugueses aqui têm tomates e não temem quem não os tenha!”

Resposta que deu António da Silveira, Capitão de Diu, à carta que Suleimão Paxá, Comandante Turco (que era eunuco), que com 70 galés e 23.000 homens cercava a cidade, defendida por 600 portugueses.

Nessa carta, Suleimão prometia livre saída de pessoas e bens, desde que entregassem a fortaleza e as armas. E prometia esfolar vivos, todos os que não o fizessem, gabando-se de ter com ele muitos guerreiros que ajudaram na conquista de Belgrado, a Hungria e a Ilha de Rhodes. Perguntava no fim a Silveira, como se iria defender num “curral com tão pouco gado!”

Gaspar Correia, “Crónica dos Feitos da Índia”, Vol. IV, pág. 34-36.

            Recep Tayyip Erdogan, 63 anos, é o Chefe de Estado de um país chamado Turquia, membro da NATO, aspirante frustrado a membro da UE e herdeiro de um dos mais temíveis impérios existentes à face da terra, no segundo milénio da era de Nosso Senhor Jesus Cristo. Império que ganhou projecção mundial após conquistar Constantinopla em 1453, data que marca o fim do Império Romano do Oriente e tida como marco inicial para o que se convencionou chamar “Idade Moderna”.
            O Império Otomano (1299-1923), que tinha o seu núcleo original no Planalto da Anatólia, quis expandir-se em todas as direcções, nomeadamente para Oeste, tendo progredido perigosamente no Norte de África, nos Balcãs e no Mediterrâneo Oriental.
            Este império foi finalmente sustido no Norte de África, quando já estava em Argel (porventura a maior motivação para D. Sebastião ter querido ir a Larache, principal objectivo a preservar e que não incluía a surtida que acabou tragicamente em Alcácer Quibir); no Mediterrâneo Oriental foram derrotados na batalha naval de Lepanto, em 1571, mas nunca se conformaram - note-se que foi graças à esquadra portuguesa que foram batidos novamente em Matapão, em 19 de Julho de 1717, faz este ano 300 anos.
            Finalmente progrediram nos Balcãs, em direcção à Europa Central, até efectuarem dois terríveis cercos a Viena, coração do Império Austro-Húngaro, dos Habsburgo, em 1529 e 1683, data em que foram inexoravelmente derrotados.
            O “croissant”, massa folhada em forma de “crescente vermelho”, que se passou a comer ao pequeno-almoço e ao lanche, aí está a ilustrar a vitória. Ou seja, cada vez que se come um croissant, quer dizer que se “come” um turco ao pequeno-almoço…
            É possível que os turcos, desde então, não achem graça à coisa.
            No fim da I Guerra Mundial a Dinastia Otomana desapareceu e o seu império desagregou-se, tendo grande parte dos seus territórios ficado debaixo do controlo de potências ocidentais vencedoras da guerra, sob mandato da então Sociedade das Nações, nomeadamente a França e a Inglaterra.
            Mais tarde a maioria destes territórios veio a adquirir, sucessivamente, a independência.
            A criação do Estado de Israel, em 1948, veio baralhar e complicar ainda mais a complexa geopolítica da região.
            Em 1923, o General Mustafá Kemal Atatürk assumiu o cargo de primeiro Presidente da República da Turquia, até à sua morte em 10/11/1938, e transformou o país num estado laico, onde os militares tinham um peso desproporcionado.
            A necessidade de conter a URSS no início da Guerra-Fria, no fim da Segunda Guerra Mundial e arranjar um estado tampão mo Cáucaso e Oriente Médio, fez com que a Turquia fosse convidada a aderir à NATO, o que aconteceu em 1952.
            A Turquia apesar de tudo, dos problemas internos - onde se destaca a questão curda - e dos ódios figadais e seculares (por vezes milenares) entre todos os povos daquela região, teve um papel mais estabilizador do que o contrário.
            Seria ocioso explicitar tudo o que se passou.
            A Turquia tirou partido da sua participação na NATO, onde a quezília secular com a Grécia, agravada pelo conflito Cipriota, constituiu sempre uma dor de cabeça para a Aliança (e agora é também para a UE), recebeu armamento moderno, acesso a tácticas, doutrinas e logística, e permitiu trocas comerciais com os países do Ocidente, facilitando a emigração de largas massas de turcos e curdos para a Europa.
            O ovo da serpente começou a crescer desmesuradamente…
            E pertencer à NATO ajudava a conter um dos seus ancestrais inimigos, o Império Russo!
            Quando Erdogan chega a Chefe do Governo (2003-2014) e a Presidente, logo de seguida, tudo muda: cada vez há maior oposição na UE, nomeadamente em França (melhor dizendo, no Grande Oriente Francês…) relativamente à entrada da Turquia na UE. Chegaram inclusive, ao ponto de assumirem como “dogma de fé” que na Arménia tinha havido um genocídio de cristãos, feito pelos Otomanos, entre 1915 e 1923 (o que por acaso até é verdade). [1]
            Ankara, obviamente estrebuchou.
            Erdogan – que em 1994, proferiu uma frase algo premonitória, “a Democracia é um comboio: quando se chega ao nosso destino, saímos” – começou paulatinamente a por de lado a herança de Atatürk e a retirar poderes aos militares.
            A seguir entrou numa deriva islamita, torpedeando o laicismo e aproximando-se de tudo o que preconiza o Corão.
            Finalmente envolveu-se no conflito Sírio e ficou submerso de refugiados.
            Em 15/7/2016 deu-se um estranhíssimo caso de tentativa de golpe de estado.
            O que se passou parece um decalque do “11 de Março de 75”, português.
            Erdogan não perde tempo e parte à perseguição dos seus opositores.
            Prendeu-os e saneou-os, às dezenas de milhar e insiste para que os EUA extraditem um conterrâneo seu (de que ninguém ouvira falar até então), como suposto cabecilha do frustrado golpe de estado.
            O homem – Fethullah Gülen – ainda vive nos EUA, mas as principais potências ficaram quedas e mudas, a olharem para ontem, sem saberem o que fazer ou dizer.
            Erdogan tarda, mas arrecada.
            Com estes trunfos na mão, embala para mudar a Constituição a fim de reforçar o seu poder. Pelos vistos a eternizar-se nele.
            Estamos pois em vista de um potencial “Califa”, que a seu tempo ocupará o palácio de Topkapi. Só falta organizar o Serralho e o Regimento de Janízaros.
            Porém, para obter estes poderes necessita de votos para um referendo que quer fazer, prestes. Os turcos existentes nos seus domínios não lhe chegam e pretende catequizar a diáspora.
            E não se fez rogado: país onde houvesse comunidade que valesse a pena influenciar, seria “invadida” por comparsas seus, a começar por membros do seu próprio governo!
            Não sabemos exactamente o modo como informou os governos dos países visados ou sequer se deu ao trabalho de o fazer; queria ir e pronto!
            Quando os governos e as opiniões públicas de alguns dos países europeus visados souberam da trama, dispuseram-se a contestar tais desejos/ordens.
            O que espoletou a ira do putativo otomano e foi um ver se te avias de guerra de palavras, ameaças e despautérios.
            O que encontra amplos antecedentes nos devaneios democráticos e cobardia dos países europeus e da UE, a que têm o despautério de apelidar de “superioridade moral da democracia”!
            Chamam-lhe um figo…
            Os países europeus reagiram individualmente de um modo frouxo, cobardolas e apaziguador, o que denota o estado de degenerescência política, social e anímica, em que a Europa se encontra (para já não falar na incapacidade militar, que é consequência daquelas…).
            A UE como tal, não reagiu e por cá ouviram-se umas frases de circunstância circunspecta. Ou seja os europeus viraram uns verdadeiros eunucos…
            Entretanto o grão - turco profere ameaças e manda, filantropicamente – só pode – as famílias turcas emigradas, terem cinco filhos.
            Compreende-se: enquanto não têm balas, disparam rebentos.
            Como fazem cá falta os tomates do Capitão António da Silveira e dos cavaleiros que estavam com ele, em Diu.




                                                      João José Brandão Ferreira
                                                            Oficial Piloto Aviador


[1] Onde se estimam tenham perecido entre 800.000 a 1.800.000 pessoas.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Como fazem cá falta os tomates do Capitão António da Silveira e dos cavaleiros que estavam com ele em Diu"!Se dúvida existisse, mas não.Tempo complicado.

Anónimo disse...

"Os países europeus reagiram individualmente de um modo frouxo, cobardolas e apaziguador, o que denota o estado de degenerescência política, social e anímica, em que a Europa se encontra (para já não falar na incapacidade militar, que é consequência daquelas…)."----------------------------------Exactamente,só não me parece que possamos voltar ao século XVI(e qual "cereja no topo do bolo" há uma igreja fundada em Roma(Europa portanto)que agora promove a vinda dos islamicos para a Europa)-----------------------------Afonso Manuel

Manuel Álvares disse...

Os seus textos são sempre uma pérola de realidades curiosas.

Assim é a Europa... de um lado temos a Península Ibérica, retomada aos mouros e do outro, a Península Anatólica, tomada pelos mouros. Parece que a Europa desistiu de ser... paganizada, politizada, islamizada... Sinceramente isto revolta-me, mas fazer o quê? Para meter ordem na casa é preciso alguém que imponha respeito... em última instância se a Europa não o fizer, poderão muito bem vir a ser os russos e os chineses a fazê-lo, mas isto vai estar mesmo mal.