sábado, 8 de outubro de 2016

O 57º ANIVERSÁRIO DA BASE AÉREA Nº 5

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Ocorreu no passado dia 4 de Outubro. Fui assistir.
 
Coincidiu também, com o facto de fazer 40 anos que lá me apresentei (os militares ainda se “apresentam”), pela primeira vez. Mas não estou a escrever por isso; apeteceu-me, simplesmente.
 
Assistir a uma cerimónia militar digna, é sempre um lenitivo para o espírito e um bálsamo para a alma, o que ajuda a retemperar o cada vez mais alquebrado corpo. Foi o caso.
 
Numa cerimónia militar tudo tem o seu significado e razão de ser, todos sabem o seu lugar e função, como estar e como fazer, e nada deve estar a mais ou a menos.
 
Existe ordem, tradição e cerimonial.
 
Entre cada acto cerimonial, marca-se a sua individualidade, intervalando-a por dois toques de “firme”; “sentido” e outros dois, de “descansar”; “á vontade”.
 
Não há atropelos nem confusões.
 
Tudo está previsto e não há lugar a improvisações. Tal também se aplica à assistência e os civis devem ser benevolamente educados pelos militares relativamente à parte da compostura que lhes cabe.

 
O dia ajudou no seu azul (Força Aérea) esplendoroso, e o silêncio que ecoava do “pinhal” - termo carinhoso como na gíria se apelida a Base - alternava com os acordes da banda (em que notei melhorias de performance), os discursos e as vozes de comando.
 
Qualquer cerimónia militar começa com a chegada da entidade que preside à mesma e respectivas honras militares.
 
É a maneira como os militares recebem as altas entidades que os visitam, reconhecem e preservam o princípio da hierarquia e dão as boas vindas.
 
Como na vida militar tudo tem um carácter biunívoco, a entidade retribui, correspondendo à continência; postando-se respeitosamente frente ao Guião da Unidade e passando em seguida revista às tropas, verificando o seu aprumo, uniformização e atavio. Esta revista não deve ser feita “à pressa” ou displicentemente, por motivos que julgo óbvios (o que se cumpriu).
 
A apresentação da entidade é apenas antecedida da chamada a “sentido”, aquando da chegada do oficial mais antigo presente, que já esteja retirada do serviço activo. É mais uma vez a preservação do princípio hierárquico, da afirmação da importância da antiguidade e uma demonstração de respeito por quem já não tendo funções de responsabilidade, serviu e continua a pertencer à Instituição e à grande família militar.
 
Segue-se a integração do Estandarte Nacional, à guarda da Base, na formatura, sem o que nenhuma cerimónia militar, neste âmbito, pode decorrer.
 
Vem acompanhado da respectiva escolta, que pode ser aumentada em ocasiões mais solenes, ou disponibilidade de efectivos.
 
É o momento patriótico por excelência. Fica o Estandarte numa posição central, à vista de todos, sendo recebido em “ombro arma”.
 
É o símbolo da Nação sublimada, em cuja defesa e por quem os militares combatem e morrem – não morrem (não devem morrer) por ideologias, regimes políticos, partidos ou interesses mercenários…
 
Apresentam-se armas e abatem-se espadas; a banda toca o hino e a formatura canta e a assistência também o vai fazendo.
 
É sempre bom relembrar o que somos, no que estamos e ao que vimos.
 
O Estandarte coloca-se, então, à cabeça das tropas como deve ser o seu lugar.
 
Pela alocução do Comandante ficámos a saber o que a unidade realizou no ano transacto, e não fez pouco, o que é notável face às dificuldades existentes e aos tempos de vacas magras que vivemos – que têm atingido a Instituição Militar numa proporção lamentavelmente muito superior à generalidade do país e sobretudo aos restantes organismos e instituições do Estado.
 
Dificuldades que, por pudor, contenção e sentido de Estado, são normalmente dissipadas nestes momentos de celebração. Mas “alguém”, ou muitos, têm de o dizer nas instâncias e ocasiões apropriadas, usando os métodos adequados às circunstâncias.
 
Sendo normalmente gasto 1/5 do tempo em agradecimentos às entidades presentes, protocolo “oblige”, o segredo de um bom discurso, segue o do sal na comida: nem de mais nem de menos; e a habilidade em dizer algumas coisas relevantes e passar mensagens de uma forma que não fira o disposto no artigo quarto do RDM [1]
 
Seguiu-se a rendição do Porta - Estandarte Nacional e do Porta - Guião da Unidade e respectivas escoltas.
 
A nomeação de Porta – Estandarte e do Porta - Guião recai, respectivamente, na figura do subalterno e sargento-ajudante mais condecorados, ou considerados com mérito para a honra da função.
 
Sim, porque a função deve ser encarada como uma honra, que não é despicienda.
 
A relevância do Porta - Estandarte ficou na memória e na tradição militar nacional, desde a Batalha de Toro, em 1/3/1476, em que o Alferes – Mor de D. Afonso V, Duarte de Almeida, que empunhava o Estandarte Real, no mais aceso da peleja se obstinou em defender o símbolo de todos, mesmo depois de lhe terem cortado ambas as mãos, à cutilada, agarrando – o com os cotos e os dentes.
 
Com a sua acção e mesmo depois de derrubado, permitiu que o estandarte fosse recuperado por Gonçalo Pires, e se salvasse.
 
Ficou para a História com o cognome de “o decepado”, tendo sido levado moribundo para um hospital em Castela, onde recuperou, tendo voltado ao reino mais tarde, depois de ter merecido o respeito e consideração dos seus captores.
 
A responsabilidade de um porta - estandarte é, pois, muita: ele pode morrer, mas as “cores nacionais” têm que ser salvas e preservadas…
 
O ponto alto da cerimónia ocorre a seguir: a homenagem aos mortos.

 
É o momento dos olhos húmidos e do nó na garganta.
 
É a homenagem aos que já partiram na sequência, que se pretende perene, com aqueles que os substituíram e a quem passaram o testemunho.
 
Inicia-se com o toque “de silêncio”, em “ombro arma”, que impõe a ausência de qualquer ruído no local, que é o ambiente que melhor quadra ao recolhimento; segue-se o toque “a mortos”, em apresentar armas (posição de máxima elevação cerimonial), em que num momento de interiorização se lembram os amigos e camaradas já desaparecidos, mas que, enquanto forem assim lembrados pertencem “àqueles em quem poder não teve a morte”; pelo meio o capelão profere uma oração alusiva e no caso da Força Aérea, uma esquadrilha de aviões sobrevoa o local, executando o n.º 4, a manobra do “missing man”.
 
Finalmente a banda toca a “marcha da alvorada”, novamente em “ombro arma”, que simboliza o porvir, a esperança no futuro, a vida que se reata.
 
É altura agora de nos congratularmos com o presente e destacar publicamente, os servidores da Instituição Militar que se distinguiram no cumprimento das suas missões e deveres.
 
É a cerimónia das condecorações e entrega de prémios.
 
O exemplo que se aponta a todos…
 
Aqui o que está em causa é a importância da condecoração e não o posto ou categoria, dos condecorados; por isso a sequência é ditada pela condecoração mais elevada, independentemente da hierarquia dos agraciados.
 
Representam as condecorações, uma distinção de mérito, um prémio à competência e às virtudes militares, que não tem expressão monetária – embora tenha influência na avaliação do mérito relativo para promoção – o que evidencia mais uma vez, a condição de servidores do bem público, atribuída aos militares.
 
Situação cada vez mais difícil de “entender” pela sociedade contemporânea…
 
A cerimónia termina com o desfile das forças em parada (infelizmente cada vez mais diminutas devido à falta de efectivos existente), onde só há uma maneira de fazer as coisas, que é bem, com garbo, queixo levantado e batimento forte.
 
Outra agradável constatação pois tudo saíu certinho e até com “souplesse”!
 
Desfile de meios aéreos em formação cerrada, ao passarem as últimas tropas, como é de boa tradição e num “timing” perfeito.
 
Foi o momento do “da pele de galinha”…
 
Este desfile aéreo não deve ser posto em causa por maiores que sejam as restrições orçamentais, pois é nos meios aéreos e suas tripulações, que está centrado o âmago do cumprimento da missão, para a qual todas as restantes especialidades e órgãos concorrem.
 
E não posso, para terminar, deixar de referir a missão primária e fundamental, da Base Aérea 5, consubstanciada nas Esquadras 201 e 301, que é a da Defesa do Espaço Aéreo Nacional, e que mais ninguém pode, ou está apto, a cumprir.[2]
 
Por via desta missão e do cunho inicial que lhe foi dado pelo primeiro pessoal que a guarneceu, a partir de 1959, esta base tem um “espírito” diferente de todas as outras bases e isso é transversal a oficiais, sargentos, praças e civis; bem como às diversas especialidades existentes, havendo um maior entrosamento entre o pessoal navegante e o restante para o cumprimento das missões operacionais. [3]
 
O que nada diminui as restantes bases existentes, a velhinha e aristocrática BA1, em Sintra; a vetusta e, na altura, pólo de força e modernidade, ex-Base Aérea nº 2, na Ota; a Base Aérea nº 3, em Tancos, que transitou (mal) para o Exército e devia ser a última Base Aérea a encerrar, se alguma vez chegássemos a tanto; a BA4, nas Lages, sentinela avançada no Atlântico; a BA6, no Montijo, construída de raiz para ser a melhor base da Antiga Aviação Naval; a extinta BA7, em Aveiro, berço de tantos pilotos e a BA11, em Beja, magnífica (senão a melhor) infraestrutura aeronáutica, do inventário, cuja construção herdámos dos alemães.

 
Mas é na BA5 que está centrada a missão mais importante (não direi nobre, pois todas as missões o são), por relevante e única, do Poder Aéreo: A defesa aérea consubstanciada na aviação de caça.
 
E serão eles, dada a natureza das coisas da guerra que, normalmente, primeiro entrarão em combate, caso essa situação se venha a verificar.
 
E não é todos os dias que assistimos a uma formação de sete F-16 em escalão para a direita, entre a “inicial” e a “ruptura”, seguido da aterragem. [4]
 
Confesso que ainda fazia uma perninha.



[1] RDM – Regulamento de Disciplina Militar.
[2] Esquadra 201, Falcões, lema “Guerra ou Paz, tanto nos faz”; Esquadra 301, Jaguares, lema “De nada a forte gente se temia”.
[3] Devia-se fazer um esforço em convidar o maior número de pessoal que lá prestou serviço, para assistirem ao dia da “sua” base!
[4] Espero que não tenham a triste ideia de venderem mais dos nossos…

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