Batista Pereira
“Directrizes de Rui Barbosa”, 1938
Instituto Superior de Estudos Militares, sala à pinha, imprensa escrita e falada, câmaras da televisão. Era dia 30 de Maio.
Esperava-se gente importante e outros apenas com funções importantes, que apareceram.
Estavam assim reunidos os ingredientes para haver impacto mediático se é que, fora do futebol, isso é possível…
Falaram o General Ramalho Eanes, que apresentou o livro e o autor. Dois bons discursos, se me é permitido opinar.
O principal objectivo do livro – explicar a necessidade de existência das Forças Armadas, numa linguagem (e também no preço e no número de páginas), acessível ao grande público – não deixa, outrossim, de ser uma boa ideia, embora tardia. Uns 25 anos tardia.
Não havendo pastel de bacalhau nem espirituoso dito de honra, cedo as tropas “recolheram a quartéis”.
Durante o “destroçar”, um senhor general, cujo nome não interessa referir, atirou-me “en passant”: “Quando é que você escreve um discurso destes?”
Não cogito a intenção da frase (o senhor general um dia mo dirá se assim o entender), mas achei curioso e fui ler os discursos.
De facto não escreveria nada daquilo, dadas as circunstâncias actuais, apesar de reafirmar a bondade dos textos e até de relevar a frase com que o autor do livro acabou a sua intervenção: “Até porque as crises financeiras e económicas conseguem levar-nos os anéis, mas as crises de segurança além dos anéis podem arrancar-nos os dedos…, quando não as próprias vidas”.
Por isso e apesar daquilo que nos vem sendo matraqueado, desde 1789, sobre a “igualdade”, nós somos todos diferentes (graças a Deus e não ao “supremo arquitecto”), o meu discurso seria diferente.
Uma das missões de um chefe militar, quiçá a principal, é a de preparar as suas tropas (e a Nação) para a “guerra que há-de vir”, e uma das razões fundamentais de muitos desastres militares, foi justamente esquecer este princípio, sendo o esforço feito no sentido de “combater melhor a guerra que passou”…
Ora o livro e os discursos não estando voltados para o passado vêm sobretudo falar da importância que as FAs devem ter numa sociedade (democrática), o que representa uma “guerra” em que se foram perdendo todas as batalhas, nos últimos 25 anos…
Por isso uma das opções do meu discurso seria tentar explicitar as razões e o porquê dessas derrotas, pois sem tal se perceber não poderemos obter sucesso no futuro, por mais livros que se escrevam e discursos que se façam…
Sobre este assunto já escrevi o suficiente para me fazer doer os dedos (e o espírito) pelo que sobre isso não me vou castigar e aos leitores, novamente.
Colocar na interrogativa algumas decisões, governamentais, tomadas sobre as FAs, nos últimos tempos, sem apontar opções claras, é uma questão de estilo que não discuto. Tem a ver com as tais idiossincrasias das desigualdades humanas.
Já na listagem resumida das “ameaças” foi deixada de fora aquela que tenho por mais importante de todas, pois se não a anularmos, essa ameaça impedirá, de per si, que possamos fazer face a qualquer outra.
Essa ameaça é representada pela classe política que tão mal tem (des)servido o País e o próprio sistema político que a permite. Ambos os factores são causa e efeito um do outro. Esta causa/efeito tende a perpetuar-se.
Deixando de lado incompetências várias, corrupções, negociatas, etc., que também são consequência da causa/efeito e têm que ser dirimidas pela acção política, pela polícia e pelos tribunais, existem dois eixos de orientação política, que se têm que considerar deliberados (pois caso contrário só uma demência avançada os poderia justificar).
Estamos a falar da desconstrução do Estado e da subversão da Nação (tendo presente que o estado é a nação politicamente organizada).
A principal razão para que tal suceda resulta de, em Portugal (e na Europa Ocidental), imperar a ideia “internacionalista” em detrimento do desiderato nacional.
Ora se as principais forças políticas (e quem lhes puxa os cordelinhos – seguramente, não o povo) defendem que o ideal a seguir é sermos cidadãos do mundo, até ver da “Europa” (seja lá o que isso for), o conceito de Nação passa a ser um formidável obstáculo a semelhante objectivo.
O corolário lógico é a sua destruição; o método é subverte-la.
O sucesso tem sido tão grande – podemos apresentar páginas de exemplos que o corroboram – que o país se está a suicidar lenta, mas literalmente. Basta atentar na “diluição” acelerada que a emigração e imigração, potencia, e que a demografia negativa exponencía.
Toda esta trama vai fazendo com que a soberania esteja a ser transferida dos órgãos nacionais que a representam, para as instituições internacionais representadas pela ONU, NATO, etc., e, principalmente a União Europeia.
Isto quer dizer que, se as funções tradicionais do Estado estão em alienação – não se devendo esquecer as privatizações, sem lei nem roque, que nos vão retirar as empresas a energia, a água, a terra, etc., até ficarmos sem nada em mãos portuguesas, para que é preciso o Estado?
Para já o que resta do Estado serve, fundamentalmente, para ser correia de transmissão de poderes exógenos, cobrar impostos e garantir os negócios necessários à sobrevivência de amigos e familiares.
Neste estádio as FAs além de serem desnecessárias (até haver umas “europeias”) são outrossim um perigo, pois guardam no seu “ADN” os genes da Nação.
Com isto dito, lembraria ao senhor PM e MDN presentes, que os políticos não foram mandatados para acabar com “aquilo” que Afonso Henriques começou e dura há quase 900 anos.
E lembraria à Instituição Militar e ao povo português, que o dever das FAs é defender a Nação – e não a República como, certamente por lapso, foi referido.
Estas seriam as vertentes principais do discurso que faria.
Pois, pelo andar da carruagem, não iremos ficar só sem os anéis, os dedos e, talvez a vida mas, também, sem a alma.
9 comentários:
Excelente artigo, Comandante!
O mesmo ocorre nas FAs brasileiras.
Estou divulgando seu blog entre militares do Brasil.
Excelente nível de postagens.
Como é bom ver o aristocrático patriotismo!
Cumprimentos de além-mar.
“tudo o que existe permanece e subsiste enquanto for uno, mas perece e é destruído quando deixar de o ser” (Boécio in Consolação da Filosofia).
Poucos duvidarão da veracidade desta asserção, a clareza de pensamento e a lógica nela contida facilmente nos conduzem ao discernimento de que nenhum ser vivo orgânico pode continuar a ser o mesmo se for privado das suas partes, pois deixará de ser o que era, e as suas limitações poderão significar a sua morte. Se, sem dificuldades percebemos que, no que respeita a um corpo vivo, o todo faz sentido com o conjunto de todas as suas partes unidas, o mesmo podemos inferir para um Estado e por analogia ao raciocínio que estamos a seguir, concluir que um Estado existe enquanto as forças que o compõem estão firmes e unidas e, desaparecerá aquando da divisão, da desunião ou da fragmentação das suas partes constituintes. Ora, as instituições, fragilizadas e esvaziadas de conteúdo, e o povo mais desunido que nunca, pela mais incrível e estapafúrdia panóplia de ideias em vigência, que todas juntas se reduzem à promoção da globalização, à instrução do pensamento único e à concentração de capitais, dão-nos a triste antevisão do fim do Estado.
O fim do Estado será inexoravelmente o fim do povo. O povo nunca esteve tão desunido como hoje, reina o salve-se quem puder, nada funciona bem, a dispersão de esforços nada produz, a falta de desígnios nacionais nada movimenta, a falta de esperança e o desânimo são visíveis por todo o lado. As forças políticas adversas à coesão nacional triunfaram, e infortunadamente, a fragmentação dos pilares do Estado conduzi-lo-á fatalmente à sua queda. Para as forças do politicamente correcto, para os internacionalistas, o fim do Estado-nação será aplaudido com veemência, para o povo português significará a escravidão e a extinção.
Desde há pouco,
Já li, aqui, o seu mui "a propósito"... , que apreciei e aplaudo, especialmente as seguintes tiradas (de que as demais decorrem):
- «Uma das opções do meu discurso seria tentar explicitar as razões e o porquê dessas derrotas, pois sem tal se perceber não poderemos obter sucesso no futuro, por mais livros que se escrevam e discursos que se façam…»
[...]
e tb
[...]
- «Os políticos não foram mandatados para acabar com “aquilo” que Afonso Henriques começou e dura há quase 900 anos.»
... mai'nada!
___
Sr. Tenente Coronel
Mais uma vez nos oferece um texto excelente, que nos proporciona vários temas de séria reflexão.
Para nosso mal, parece que tudo se encaminha para as conclusões que Daniel Estulin expõe nos livros que já publicou.
Haverá volta a dar?
Manuel Alves
Coronel,
Meus sinceros cumprimentos.
.
Deixo esta informação que certamente vai contribuir para esta luta tão excitante, tão vital :
http://hsacaduracabral.blogspot.pt/2012/06/uma-explicacao.html
Sr. Tenente Coronel
Não me canso de o ler.
Tudo que o Senhor diz é verdade e, por mais incultos que sejam os portugueses, todos sentem, bem lá no recôndito da sua alma, que esse será o "seu destino", mas... como têm tido na sua Pátria uma "mãe madrasta", vão-se confortando na esperança de que, sendo comandados por outrém, talvez, uma vez por todas, consigam ser - o povo - respeitados, como sabem ser tantos outros por esse mundo afora, aonde a palavra "cidadão" não é palavra vã.
Por acaso, no dia 30 fiz eu 68 anos... pelo que já "viajei" muito e percebo-o, plenamente.
Respeitosos Cumprimentos.
Uma vez mais os meus parabéns. Continue, precisamos, mais do que nunca, de HOMENS como o senhor. Abraço do Medina da Silva.
Como de costume o meu inteiro apoio ao seu comentario ao livro do General Loureiro dos Santos.
Pelo meu lado tentei fazer chegar ao Senhor General, aravés do editor,pois não disponho do seu endereço, uma observação motivada por, na pag. 99 do livro se afirmar:
« Temos de reconhecer que só depois da ligação de Portugal à NATO, em 1949, as coisas mudaram e até certo ponto se consolidaram no sentido positivo». O Autor, neste ponto, dá um salto dos tempos da 1ª República para 1949; penso que não pode ser ignorado todo o esforço iniciado nos anos 30 do século XX e mantido até à época da nossa adesão à NATO. Neste período poderei sintetiza-lo como segue:
a ) Exército - Reorganização e implementação de normas e hábitossérios. Rearmamento integral, mediante a aquisição de numeroso material de guerra, em especial para as armas de Infantaria e Artilharia.
b ) Aviação Militar ( à época a 5ª Arma do Exército )
Reorganização e aquisição de equipamento de vôo, como os trimotores JU52, bimotores JU86, caças Gloster Gladiator e Curtiss, aviões de combate Breda ( destruidos pela queda do hangar onde se recolhiam na Base de Sintra, por ocasião do ciclone de 1941. Construção da Base da Ota.
c ) Marinha de Guerra
Este ramo das FFAAtinha atingidono início dos anos 30 o estado que foi denominado de "zero naval". Para obviar a esta situação, com base no prama naval de 1933, procedeu-se à aquisição dos seguintes navios novos:
6 avisos, 5 contra torpedeiros, 3 submarinos, 6 vedetas de fiscalização, 1 petroleiro ( Portugal, como actualmente não dispunha de nenhum )1 navio hodrográfico, um total de 20 navios dos quais 12 ou 14 foram construídos em Portugal.
Durante a 2ª GM e quando da cedência de facilidades portuárias e aeroportuárias aos Aliados nos Açores, as FFAA, em especial o Exército e a Aviação Militar, receberam numeroso material de guerra, permitindo a motorização do Exército e o incremento das suas capacidades no domínio da artilharia, carros de combate Valentine e Centauro, etc; aviões em grande número, como Spitfire e Hurricane e muitos outros.
Estes dois períodos permitiram O GRAnde refORÇO das guarnições dos Açores e, em menor grau,da Madeira, Cabo Verde, Angola e Moçambique, e também a mobilização no Continente de um corpo de exército na previsão da possível invasão alemã.
Sem estes períodos de grande esforço não teria sido possível absorver as novas organização, materiais e equipamentos adquiridos quando da integração na OTAN. O signatário teve ocasião de o comprovar, pois quando da sua integração em 1954/1955 na divisão OTAN, constatou as dificuldades que, mesmo assim,se verificavam com a adaptação dos Oficiais do QP mais antigos, ás organização, métodos e doutrina que se praticavam. Parece-me assim de elementar justiça , não ignorar o período de 1930 a 1949, no estudo da evolução das FFAA Portugusas.
Tal "esquecimento" teve lugar, certamente por razões de ordem política.
Guilherme de Oliveira Martins
Exmo. Senhor,
Muito agradecemos o envio da sua mensagem, que nos mereceu a melhor atenção.
O assunto que coloca situa-se no âmbito das competências da Comissão
Parlamentar de Defesa Nacional, pelo que foi reencaminhada para essa
instância.
Com os melhores cumprimentos,
O GABPAR
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