quarta-feira, 19 de outubro de 2011

HABILIDADES POLÍTICAS EM SEIO DE MILITARES

Por interesse intelectual, intervenção cívica e gosto por aprender tenho, ao longo da vida, assistido a muitas conferências. Cheguei à conclusão que tenho que ponderar isto melhor.

As razões prendem-se com o facto de, no mais das vezes, se aprender pouco; apanho “secas”; oiço “generalidades e culatras” e, por vezes, alguns disparates graves. Acresce o facto de que em cerca de 90% dos casos, quando faço perguntas, ou não me respondem ou fogem ao assunto, o que vai dar ao mesmo.

E como não pode haver diálogo, quando algo importante é dito com o qual discordo, não posso replicar.

É um destes casos que quero trazer à colação e que se passou no último colóquio promovido pela Associação dos Oficiais das FAs, em 13 e 14 do corrente, subordinado ao tema “Os Militares e a Sociedade”. O orador em causa foi o Dr. Basílio Horta (BH).

O Dr. BH é um político experiente, com vasto currículo cívico e partidário. Tem o dom da palavra e aparenta dominar bem os assuntos de que trata. A sua exposição foi equilibrada e disse uma quantidade de coisas com as quais dificilmente se pode discordar – evidenciando, porém, a “facilidade” com que os políticos trocam de papel e de discurso, conforme estão no governo ou na oposição…

Num ponto se espalhou ao voltar ao chavão mais do que gasto, do “temos que decidir que modelo de FAs é que queremos”! Neste âmbito invectivei-o com alguma violência, afirmando estar cansado dessa frase, que já não posso ouvir por velha de 35 anos; que o Poder Político se farta de dar uma de personalidade, sempre a dizer que a Instituição Militar lhe está subordinada (querendo dizer, submetida) e que, portanto “eles” que definam o que querem em vez de todas as semanas cortarem na capacidade das tropas, mudarem constantemente de ideias e inviabilizarem qualquer planeamento sustentado.

Esta questão ficou resolvida após o conferencista ter concordado com o comentário.

Contudo uma questão houve, que não ficou arrumada e que foi esta: no entusiasmo da sua exposição, referindo-se à “crise”, BH afirmou não se dever andar à procura de “responsáveis ou culpados”, o que era necessário era “olhar para a frente e procurar coesão e consensos”. Até parecia o Dr. Almeida Santos a referir-se aos desastres da “Descolonização”, o que lá vai, lá vai…

Por não concordar, minimamente, com esta posição, foi isso que lhe disse, acrescentando ser da maior importância apurar-se responsabilidades.

O Dr.BH não fugiu à pergunta, honra lhe seja feita, mas limitou-se a responder “não ser fácil apurar responsabilidades”, além do que em “termos históricos as coisas complicam-se pois teríamos que ir apurar responsabilidades mais atrás” – e deu como exemplos, a maneira como se aderiu à CEE; o modo como se negociou o alargamento a leste; o 25/4, nomeadamente o 11/3, com as nacionalizações e a reforma agrária…

Ou seja, concluo eu, a culpa morre sempre solteira!

Como não pude dar réplica, na altura, vou fazê-lo agora começando por contar uma história passada poucos anos depois do dia florido de Abril.

No seu primeiro mandato como PR, o general Ramalho Eanes, acumulava o cargo de Chefe de Estado Maior das FAs. Nessa qualidade encarregou quatro oficiais, capitaneados pelo então TCor Riscado (já falecido), de elaborarem um relatório sobre os acontecimentos em Timor, que tinham levado à invasão indonésia.

Os oficiais desempenharam-se cabalmente da sua missão e produziram um grosso volume, então classificado de “secreto”. No fim o relatório apontava para responsabilidades directas nos eventos a uma vintena de pessoas, que iam do aspirante Lobato ao general Costa Gomes.

Na altura o Dr. Sá Carneiro, que exercia as funções de Primeiro-ministro, pediu um exemplar do relatório, o que lhe foi negado, possivelmente com alegações de secretismo. O então Brigadeiro Carlos Azeredo, que era o adjunto militar do PM, terá telefonado para Belém, afirmando que possuía uma cópia do relatório e que poderia dar a conhecê-lo (os termos não os sei ao certo). Um exemplar do relatório foi, então, enviado ao chefe do governo.

Quais eram, porém, as razões de Belém? Aparentemente eram estas: não querer “pendurar” na praça pública meia dúzia de indivíduos (e individualidades), quando a culpa de tudo o que se tinha passado em Timor era da Nação inteira, por acção ou omissão, e nenhum político estar em condições de julgar o País inteiro!

Como vê Dr. BH ainda há quem vá mais longe que o senhor…

Espero que entenda a falácia do argumento e se bem que o ditado português diga que “tanto é ladrão o que vai á vinha como o que fica a ver”, o tribunal só condena, normalmente, o que rouba. Dito por outras palavras, o grau de responsabilidade varia em função de quem pratica as acções e conforme os lugares que ocupam.

Ainda houve vozes, dentro das FAs, que defenderam a necessidade de se julgarem os militares envolvidos e condenar exemplarmente aqueles que se tivessem portado mal, para salvaguarda futura da Instituição Militar, no seu todo – uma questão, até, de simples bom senso – mas tal não fez vencimento. O resultado está à vista: ainda hoje as FAs e os militares estão longe de terem recuperado das asneiras e loucuras do PREC.

E, ao contrário do que se passou por causa do facto de não ter havido julgamento em tribunal, dos militares punidos (e dos louvados), após a invasão de Goa, Damão e Diu, com isto pouca gente se indignou…

Hoje em dia semelhante argumento poderia ser utilizado por BH, para dizer que a população é conivente com o plano inclinado que nos levou ao desfiladeiro onde penamos. Mas tal só seria válido se os 10,5 milhões de portugueses fossem, em simultâneo, réplicas do PR, do PM, ministros e deputados…

A sua argumentação só dá razão à minha tese de ser imprescindível apurar responsabilidades, do mesmo modo que se faz ao médico que erra, ao piloto que tem uma má decisão, ao engenheiro que calcula mal as vigas de suporte de uma obra, etc.

E sim, devia-se responsabilizar os autores dos erros nos exemplos apontados por BH, e muitos outros. E se assim se tivesse feito, em tempo, as coisas não se acumulariam durante anos, prescreviam, se esqueciam ou serviam de desculpa para os erros futuros…

Existem, até, vários tipos de responsabilização: política, criminal, histórica e técnica. Todas elas são importantes, como importante é, também, analisar-se as consequências das decisões, com o fito de acrescentar conhecimento e evitar erros futuros.

Meter a cabeça na areia como, no fundo, BH defendeu, só leva ao desastre, à injustiça e à iniquidade.

De todas as responsabilizações a mais significativa é aquela que envolve dolo, que deve obrigar a sanções duras, no âmbito criminal e, ou, administrativo e cívico, para poder servir de exemplo para o futuro e dissuadir comportamentos menos próprios; no mínimo a levarem as pessoas a pensar duas vezes antes de enveredarem por caminhos ínvios.

Só assim poderemos obter o tal consenso e complementaridade de esforços que nos permitam caminhar para um futuro que valha a pena.

Afirmou o Dr. BH ter avisado várias vezes o Eng. Sócrates que ia por maus caminhos, com vê não teve sucesso algum! Pense nisso.

E não queira enviar a culpa de tudo, para cima do corneteiro do D. Afonso Henriques.

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