Provérbio algarvio
Não que eu tenha de contar episódios da minha vida privada nem os leitores terão, porventura, qualquer interesse neles. Mas para escrever esta “crónica de viagem”, tenho de confessar ter ido a banhos às terras que o preclaro Rei D. Afonso III conquistou, definitivamente, para a coroa portuguesa, em 1249. Fiquei-me pelo Barlavento.
Eis, em súmula, as impressões que a retina captou e a massa encefálica, processou.
Em primeiro lugar gostaria de vos dar conta da frase mais omnipresente e que é muito significativa: “vende-se ou aluga-se”!
Comecemos por Sagres, em que a visita à fortaleza é um desconsolo que não justifica o preço do bilhete. O Promontório devia, juntamente com mais uma dúzia de lugares/monumentos simbólicos, ser considerado como um local sagrado da História de Portugal (Sagres, também do mundo). Todos os alunos das escolas portuguesas lá deveriam ir em visita de estudo, mas em vez disso parece que são encorajados a irem para a desbunda numa localidade perto de Barcelona…
Digamos simplesmente, para não alongar o texto que, em Sagres, está quase tudo por fazer.
Lagos, por seu lado, têm evoluído muito bem; a arquitectura mantém certa harmonia e não se vislumbram aberrações ambientais.
Ao contrário, Armação de Pêra continua um desastre urbanístico, salvando-se o passeio marítimo, entretanto melhorado. Portimão, idem, e já não tem salvação, com um centro degradado e sem beleza e a jóia da coroa (a Praia da Rocha), cercada de betão. E com festivais da sardinha ao preço/qualidade a que está, só se irá afundar mais.
Faro é uma pena. A cidade é harmoniosa, tem belezas naturais envolventes e alguma burguesia e vida indígena. Mas todo o centro, a começar na zona amuralhada – que tem condições únicas para o turismo e para a interacção entre habitabilidade e actividades culturais está praticamente morta – está degradado, com imensas casas a ameaçar ruína e muitas lojas fechadas.
Finalmente, muni-me de passaporte e consegui entrar numa zona indefinida que, em tempos, gozou da fama de ser uma simpática vila piscatória, com o nome de Albufeira. Aquilo não é Albufeira, não é Algarve, não é Portugal, não é nada. Parece um amontoado “kitsch” com luzes e sons feéricos, cheio de palavrões em várias línguas e muita bugiganga à venda no meio das ruas. Salva-se a nova marina, construída para lá do extremo ocidental da cidade, que aparenta representar, para além de uma mais-valia muito necessária (desde que não seja para o contrabando…), uma notável obra de engenharia.
Pelo meio das cidades, existem umas quantas vilas e aldeias, ainda não estragadas pelas “modernices”, mas com muitas casas em lenta destruição e outras mal cuidadas, habitadas por gente maioritariamente envelhecida e estrangeiros; um campo de futebol herdado do Euro 2004 e um autódromo mais ambicioso do que o do Estoril, encontram-se às moscas.
O mais desolador, porém, é a visão de milhares de hectares, com apetência agrícola e silvícola, completamente abandonados, desde a serra ao litoral! E em muitos quilómetros feitos só consegui vislumbrar um rebanho de ovelhas e uns poucos equídeos.
Como notas positivas temos a referir uma baixa generalizada dos preços e uma melhoria na simpatia do atendimento.
Agora o aspecto mais curioso e perigoso de toda esta equação: uma parte substancial (diria, até, a maioria), das pessoas que se vêem a trabalhar são imigrantes, sobretudo brasileiros e de leste - enquanto o continente africano “exporta”, sobretudo, vendedores ambulantes. Onde estão os portugueses que se queixam da crise e do desemprego?
O mais espantoso é que muitos dos que trabalham são cidadãos estrangeiros residentes no Algarve e com negócios montados: têm restaurantes, explorações agrícolas, hortícolas, projectos turísticos, galerias de arte, etc. Não é raro ver-se, também, holandeses, ingleses e alemães a venderem géneros em mercados públicos!
Ora se os estrangeiros montam negócios que são rentáveis, porque é que os nacionais não fazem o mesmo?
Os estrangeiros residentes vão dos mais ricos aos mais pobres, têm bom e mau aspecto e estão espalhados por todo o lado, e tal nota-se muito nos locais mais pequenos. Naturalmente irão criar laços de solidariedade e de comunicação próprios.
A população portuguesa residente aparenta viver em harmonia com toda esta gente e é necessário que assim continue. Mas, um dia destes, ficará em minoria, a sua vitalidade tende a decrescer por via da demografia negativa e arrisca-se a ficar “entalada” entre os estrangeiros que passaram a donos e os assalariados estrangeiros que trabalham… Uma espécie de ”dupla colonização”.
Tudo vive de equilíbrios que não devem ser rotos.
Duvidamos, ainda, que as autoridades nacionais tenham um “cadastro” minimamente completo do que se passa no Algarve, no âmbito tratado, ao que convinha acrescentar a prevenção do estabelecimento/trânsito de associações criminosas ou de grupos políticos expatriados.
Em termos de meios de soberania o Estado Português dispõe de muito pouco na região: cerca de 150 agentes da PJ e pessoal de apoio técnico (que também têm jurisdição sobre o distrito de Beja); 30 a 50 agentes do SEF; cerca de 600 militares da GNR e 450 agentes da PSP (normalmente reforçados na época alta do turismo); a dezena de comarcas existentes (os tribunais são orgãos de soberania), atulhados que estão em processos, empecilham tudo mais do que resolvem. A Armada está presente com seis capitanias de Porto, com 90 elementos da Policia Marítima e três lanchas de fiscalização, em permanência; a Força Aérea dispõe de uma estação de radar de vigilância do espaço aéreo, em Fóia, com cerca de 30 a 40 militares para a manter e guardar, e o Exército está reduzido a um Centro de Recrutamento em Faro, seguramente com menos de 20 elementos e o Regimento de Infantaria 1, transladado para Tavira, que de regimento só tem o nome, pois alberga apenas uns cem militares em permanência, que apoiam uma companhia em instrução, de outras unidades que por lá rodam. Este quartel, que em tempos foi escola de sargentos, foi reactivada para gorar o apetite autárquico em se apoderar das instalações (uma constante do Minho ao Corvo), e não deixar todo o Algarve sem uma única unidade.
Aliás, o terço do território nacional que se situa a sul do Tejo está, praticamente, despido de meios militares…
Uma última reflexão: sendo o Turismo a principal “indústria” do país e, nomeadamente, do Algarve, natural seria potenciar o “negócio” e aqui voltamos à questão do sector primário. Vamos supor que no fim de um ano o “superavit” da actividade turística é de “x” milhões de euros, ou seja a diferença entre o que se investiu e pagou e as receitas conseguidas pelo sector. Ora, partindo do princípio que os turistas não comem a relva dos campos de golfe, nós temos que arranjar comida para os alimentar; como não produzimos sequer metade do que consumimos, quer dizer que temos que importar uma quantidade apreciável de bens agrícolas, pescado e carnes, para alimentar os turistas, pois a única coisa que temos em abundância para lhes dar é vinho!
Quer-me pois parecer, mas devo estar pouco acompanhado no raciocínio, que se aumentássemos a produção de bens no sector primário (que a UE nos tem pago para abandonarmos – e os nossos políticos diligentemente apoiaram), que a receita no turismo seria bem mais elevada (só para referir este ponto). Ou não seria?
Por isso, ao desconsolo em ver os campos abandonados, cheios de ruínas, as árvores desfeitas e muita erva daninha, junta-se a incompreensão e revolta, por tanta idiotice feita.
Israel, com 20770 Km2 – dos quais apenas cerca de 15% é terra arável e desta somente 2.250 Km2, é irrigada, consegue albergar 7.5 milhões de habitantes. Porém, não deixa construir em terrenos de aptidão agrícola e desenvolveu ao máximo a tecnologia na agricultura, produzindo laranjas, por ex.,que são hoje mais afamadas no mundo, do que as produzidas no Algarve, já apreciadas desde a ocupação muçulmana, mas que agora jazem no chão por não ser rentável apanhá-las!
O Algarve, com 5412 Km2 e uma população residente de cerca de 450.000 almas (cerca de 40000 estrangeiros, sendo 38% de leste, 35% da EU e 27% PALOP e Brasil a maior representação relativa em todas as províncias portuguesas, mais de 6%); com um dos melhores climas do mundo; consideráveis recursos hidrológicos; uma costa farta em recursos marinhos e boas condições para a aquacultura; milhares de hectares (mais do que Israel), com apetência agrícola, florícola e silvícola, perfeitamente compatíveis com explorações pecuárias complementares, está no estado de que apenas demos uma ténue imagem.
Em Israel as dificuldades aguçaram o engenho; no Algarve, aparentemente, a abundância fez o “gado burro”.
3 comentários:
Muita pena... lamentavelmente, é aquilo em nos transformaram, com golpadas militares, truques e magia politiqueira num elaborado cenário de embuste social.
Não acredito que a história, algum dia, venha a relatar, com verdade, a vilania dos autores desta nossa incontornável desgraça.
Respeitosos cumprimentos
Meu caro Ten.Coronel.
Onde é que o meu caro amigo viveu os últimos cinquenta anos?
Na lua ou em marte?
Na terra não deve ter vivido, e muito menos em Portugal.
Então você não sabe que só os camelos e os burros é que vão de férias p´ró Algarve?
A malta agora vai é para as Caraíbas...que apesar dos tufões estão bem mais conservadas que o Algarve.
Manuel J.M.Talhinhas
Ai AMIGO... se fossem só os burros... o pior são os presidentes e a outra canalha que por ali foi ficando!
Um abraço fraterno
js
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