A DESASTRADA SAGA
DA TAP
7/7/20
“ – Olha, há
aqui um buraco.
- Queres que o TAP?"
Do anedotário nacional.
A
TAP (Transportes Aéreos Portugueses) nasceu bem, no já recuado ano de 1945 (a
14 de Março), com gente capaz, gestão equilibrada, objectivos adequados e
exploração sustentada.
Criou
uma boa escola na selecção e preparação das tripulações; o serviço era
simpático, profissional e competente; a manutenção era boa e mantinham-se
elevados padrões de segurança, tendo o primeiro acidente sério, apenas ocorrido
em 19 de Novembro de 1977.[1]
Começou
a criar nome e este passou a ser uma imagem de marca do país.
O
último ano em que a TAP gerou lucros com equilíbrio orçamental, foi, creio, em
1974, durante a Administração Vaz Pinto.
É
certo que a TAP tinha uma grande preponderância sobre a então Direcção - Geral
de Aeronáutica Civil (a concorrência era diminuta e a actividade aérea civil
alargava-se apenas a meia dúzia de aeroclubes) e na gestão do espaço aéreo
nacional, bem como gozava de alguma protecção em regime de monopólio,
nomeadamente nas carreiras para os territórios ultramarinos portugueses.
No
âmbito da Defesa dominava a Aeronáutica Militar e Naval e depois a Força Aérea.
Os
problemas da TAP começaram em 1974 após a situação que derivou do golpe de
estado, alçado a revolução, em 25 de Abril de 1974.
Como,
aliás, praticamente todos os problemas que passámos a ter.
Para
ilustrar o ponto lembro o que escrevi num número da Revista “Mais Alto”, em
1986, onde provei, fazendo umas contas simples, que só o subsídio de almoço dos
funcionários da TAP (calculados nessa época em cerca de 10.000 em Portugal e 2.000
no estrangeiro), custava ao erário público mais do que o orçamento da Brigada
Ligeira de Paraquedistas que tinha então cerca de 3.100 homens…[2]
Naqueles
tempos conturbados que ficaram para a História (até esta ser reescrita…) como
os da implantação da “Liberdade” e da “Democracia”, o país foi atravessado por
uma onda de anarquia que destruiu e, ou, prejudicou todo o tecido produtivo
nacional.
Quando
as coisas começaram a estabilizar (levou 10 anos), a TAP ficou inundada de
“boys e girls” dos diferentes partidos políticos entretanto formados, bem como
ao despontar de inúmeros sindicatos, o mais poderoso dos quais se veio a
revelar ser o dos pilotos e que, até hoje, nunca deixou de ser, verdadeiramente
e apenas, o sindicato dos pilotos da TAP e não dos pilotos portugueses.
Sendo
a TAP do Estado (“nossa”, dizem eles!) assistiu-se a esta coisa única: passou a
viver-se simultaneamente, a dualidade da incompetência – pelo menos nenhuma
administração conseguiu endireitar a empresa – e o despesismo das diferentes
administrações (que vogavam ao sabor dos Partidos e suas conveniências) e à
ditadura dos sindicatos, a quem as administrações sempre se vergaram (ajoelharam),
para evitar conflitos internos e paralisações, sempre custosas, resultando num
contínuo aumento das remunerações e benefícios vários, muito acima da linha
média nacional. Os benefícios estendiam-se aos reformados, bastando dizer que
uma boa refeição no refeitório da TAP custava uma quantia irrisória. Desconheço
como está agora.
A
operacionalidade também passou muito a desejar, com poucas horas de trabalho e
excesso de períodos de descanso, sobretudo nas rotas de longo curso e com
número excessivo de tripulações por aeronave. Quanto à manutenção, estive (era
comandante do avião), por exemplo, mais de uma hora à espera de uma equipa de
manutenção, que interrompeu o seu trabalho para ir jantar, sendo o contrato de
outra companhia que não a TAP.
Pelo
meio houve a tentativa mal sucedida da criação da “Air Atlantis”, para operações
“charter”, e da “LAR”, linhas aéreas regionais, em 1985; tentou-se uma fusão, com
a “Swissair”, que resultou em nada e alguns prejuízos e uma aproximação com a
Ibéria que deu “bluff”; fez-se um contrato ruinoso com uma companhia de
manutenção brasileira, em 2006; mandou-se várias vezes pessoal para casa com
reformas antecipadas, para passados poucos meses, já lá terem mais outra
catrefada de “colaboradores” e arranjou-se maneira de haver um conflito com os
pilotos para se reformarem aos 60 anos (um erro crasso) para a seguir novamente
passar para os 65 anos.
Nem a adesão à “Star Alliance”,
em 2005, tirou a TAP do vermelho.
Fora
o muito que fica por dizer.
Com
tudo isto só por milagre qualquer empresa conseguiria gerar lucro, mesmo se a
operação fosse muito lucrativa.
Deste
modo a TAP só teve, aparentemente um ano de contas positivas uma única vez
desde 1974, tendo acumulado dívidas sucessivas que nunca conseguiu pagar. Tão
pouco gerou dividendos (a não ser para as administrações!) que permitissem
renovar a frota, sendo esta feita à custa de mais dívida.
Nunca
houve coragem, saber e querer, para fechar a TAP um dia e reabri-la no dia
seguinte, com regras completamente novas. A situação foi-se deteriorando até
que um governo PSD/CDS, que teve que fazer frente a uma bancarrota do País e
com os “capatazes” da “Troika” a vigiá-los, resolveu acabar com o “cancro” em
que a TAP se tornara (como tantas outras empresas) e intentou privatizar a companhia
- o que já tinha sido tentado do anterior sem sucesso. Desta vez a tentativa
não só resultou como, aparentemente, foi a melhor privatização feita durante
esta malfadada III República. Tudo feito no meio dos protestos das carpideiras do
costume que, até hoje, pouco fizeram para sanear devidamente qualquer empresa
nem apurar responsabilidades sobre má gestão.
O
governo insistiu mas, nas eleições seguintes, tendo-as ganho, perdeu o Governo.
Originalidades portuguesas…
O
novo executivo (da “geringonça”) dando voz e corpo às tais carpideiras (de
lágrimas de crocodilo), foram – se aos então sócios maioritários da TAP e
negociaram com eles uma retrocessão do acordado, ficando então o Estado com 50%
do capital, mas não tendo direito a interferir na gestão operacional da empresa…
Mais
uma originalidade (trapalhada) portuguesa, que deve ser única no mundo.
E
agora chegou-se à situação de não querendo deixar de ver a companhia desaparecer
numa vergonhosa falência – atirada ao tapete pela epidemia do Covid 19, mas já
com graves problemas do anterior - vai-se optar por a salvar precariamente, à
custa de vários artifícios e, claro, injectando uma palete de dinheiro retirado
dos fundos públicos. A receita (suicidária) e costumeira, agora capitaneada por
um ministro com laivos de arruaceiro meio histérico. E que ainda teve o despautério
de afirmar que se iria contratar uma empresa a fim de esta descobrir os
melhores gestores a nível do mercado internacional para virem gerir o que vai
emergir deste conjunto de cacos…
Aposto
desde já, o que quiserem, que daqui a dois ou três anos, vai estar tudo de
pantanas novamente.
Por
isso bem podem vir aqueles que se dizem “Tapistas” a gritarem bem alto que a
empresa gera um negócio de muitos milhões; dá emprego a muita gente; é um
grande factor de exportação e importação (afinal os termos equiparam-se?);
carreia turistas; “vende” a imagem de Portugal, etc.. A TAP desde 1974 que não
se sustém a si própria, é um foco de destabilização social e uma vaca com
muitas tetas, que tem alimentado muitos gulosos. E deixou de ser desde aquela
data, uma história de sucesso apesar dos vários galardões com que foi
distinguida.
Os
braços da balança estão irremediavelmente inclinados para a insustentabilidade,
seguindo-se o modelo e objectivos que até agora vigoraram, o que fere gravemente
o interesse nacional, que todos os filhos d’algo evocam e sempre desprezam.
Também tenho pena (e revolta) naquilo em que a
TAP se tornou, que é um dos espelhos em que o nosso (?) desgraçado país se
transformou.
A
TAP é apenas mais um episódio do desmantelamento do país em curso: a alienação
de soberania; a almoeda a patacos do patriotismo nacional; a prostituição da
nacionalidade; a venda da finança (e não só) aos espanhóis; a crise da Igreja;
a corrupção dos costumes e dos negócios; a destruição da Instituição Militar e
da Diplomacia; a propalação de mentiras históricas; a destruição da matriz
cultural portuguesa; o descalabro criminoso do ensino; o caótico sistema de
justiça; a falsa segurança interna, o erro sistémico do regime político e da
Constituição; o desregramento (falta de uma Ideia e um Plano) da Economia; o
desprezo pela Estratégica e pela Geopolítica; a subversão da Autoridade sem a
qual nada se pode realizar.
Não
há uma que se aproveite, nem problema que se resolva.
Minto,
há o vinho, a sua qualidade e até o preço, recomendam-se.
É
curto, mas vai dando para andarmos alegretes, ou já nem isso.
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto Aviador (Ref.)
Comandante
de Linha Aérea (Ref.)
[1] Se excluirmos a perda de
um C-47, com três tripulantes a bordo, no Monte da Caparica, em 27/1/1948.
[2] “Regalias e Outras Coisas
Mais”, Mais Alto, nº 241, Mai/Jun. 1986.
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