segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SUBSTITUIÇÃO DA G-3: UM PROBLEMA COM 40 ANOS!


SUBSTITUIÇÃO DA G-3: UM PROBLEMA COM 40 ANOS!

27/1/19
                                                “A falta de personalidade das elites
                                                  Portuguesas constitui um perigo
                                                  nacional permanente”.
                                                  Artur Ribeiro Lopes
                                                  In, “Política”, 141)

            A espingarda automática G-3, de origem alemã, foi uma excelente opção para a situação de guerra subversiva com que nos passámos a defrontar a partir de 1961 em Angola, depois na Guiné, em 1963 e, finalmente, Moçambique em 1964.
            A ideia de a passar a fabricar em Portugal sob licença foi uma óptima ideia. Aguentou toda a guerra (14 anos), se bem que, para o fim da mesma, já tivesse dificuldade em bater-se com a “Kalashnikov”, que a guerrilha passou a usar…
            Quando as coisas começaram a serenar em Portugal após o 25 de Novembro de 1975 e se deu início à reconversão das Forças Armadas, para as missões “NATO”, que se começou a falar na necessidade de substituir a G-3 por outra mais moderna.
            Eu não me importava de ganhar em escudos (não gosto do euro), as vezes que já se falou, desde então para cá, nessa necessidade. E coisa rara e quase nunca vista, tal necessidade nunca foi objecto de contestação…
            Já se perdeu a conta às vezes que se debateu o assunto, se lançaram concursos, se fez testes, se escreveram requisitos operacionais, estudos de estado-maior, inserção de verbas na LPM, etc..
            Até agora nada.
            A G-3 está uma autêntica “balzaquiana” com 58 anos! (creio que as primeiras vieram em 1961).
            Entretanto há muito que se deixou de fabricar em Portugal (ainda chegámos a exportar), pois cabeças muito bem pensantes resolveram arrasar com toda a indústria de defesa nacional ao ponto de, hoje em dia, não fabricarmos uma única munição!
            A G-3 provou bem, porque era fiável, robusta, simples de manter, não tinha problemas de segurança, tinha uma balística equilibrada, versátil e boa cadência de tiro.
            Tinha na HK-21 a sua versão de metralhadora ligeira.
            Ora, uma espingarda automática é, digamos assim, o esteio do armamento de um Exército. A arma que dá a cada soldado a sua capacidade individual e colectiva, no âmbito defensivo e ofensivo.
            Nestas coisas convém ter em conta o provérbio português que reza assim: “o barato sai caro”. Por isso se deve apostar numa boa escolha, mesmo que seja mais cara. Vai prevenir muitos problemas no futuro; ser mais económico a longo prazo e, “last but not the least”, poupar muito sangue em combate e até na instrução.
            É preferível, não havendo dinheiro, comprar menos e deixar opções para o futuro, do que comprar mais e pior. Já se cometeu muitas vezes este erro no nosso país (a GNR tem ao que se conta, em “armazém”, uns milhares de pistolas - metralhadoras compradas há muitos anos, a um país da América do Sul e nunca utilizadas, por ex.).
            Por norma quando se compra uma arma destas, deve tentar-se alargar o seu âmbito à Força Aérea e Marinha, e também às Forças de Segurança por razões óbvias de economia, cadeia logística, manutenção, gestão de “stocks”, interoperacional idade, uniformização e flexibilidade de emprego.
            Não esquecendo de garantir mais do que uma fonte de fornecimento, de modo a não estarmos apenas dependentes de uma só.
            Sempre que possível devem ser estabelecidas “reservas de guerra”.
            Na compra de um novo sistema de armas existem actualmente dois problemas. Um, antigo como a mais antiga profissão do mundo, é o costume das comissões.
            Lidar com isto é um quebra-cabeças que só uma legislação e fiscalização apurada conseguem gerir a níveis adequados.
            O outro que se tornou uma espécie de moda é o de no fim de um concurso público, uma ou mais das partes vencidas, interpôr nos tribunais, uma providência cautelar. Sair disto passou a ser outro quebra-cabeças.
            Daí se tentar fazer compras por ajuste directo, o que levanta vários outros problemas, um dos quais é o tecto orçamental permitido em tal caso (220.000 euros).
            Quando os negócios são apetecíveis e existem um ou mais países interessados no mesmo, a política e a diplomacia entram em acção de um modo sub-reptício, tentando influenciar e ou negociar por todos os meios possíveis, a escolha do produto que lhes interessa.
            Obviamente que nenhuma destas acções é, por norma, transparente, vindo a saber-se das verdadeiras razões de uma decisão, apenas por “fuga de informação”.
 O Chefe de Estado Belga (Rei Philippe e Rainha Matilde) visitou o nosso país entre 22 e 24 de Outubro de 2018, mas nada do que transpareceu da visita pode levar à conclusão, que este assunto tenha sido abordado.
                                                               *****
            Serve este arrazoado como introdução ao actual concurso público internacional em curso, só há pouco tempo publicitado, que – vamos a ver se é desta – parece estar na fase final para se decidir a compra de uma espingarda automática que vá finalmente substituir a G-3.
            Mas antes de prosseguirmos convém ainda recuar a um passado próximo para avaliar melhor o que está em jogo.
            Nos últimos 40 anos, os paraquedistas, graças à autonomia que a chefia da Força Aérea lhes garantia (antes de passarem para o Exército – uma decisão assaz escusada), tinham comprado um lote de espingardas israelitas “Galil”, de calibre 5,56mm, a primeira arma deste calibre a equipar forças portuguesas. Tal ocorreu em 1979, estando já com um grau de obsoletismo elevado.
            Nos anos mais recentes as compras de armamento ligeiro, sempre efectuadas em pequenos lotes e normalmente por ajuste directo (para fugir às demoras e impugnações normais nos concursos públicos), foram as seguintes (não é exaustivo nem inclui pistolas e pistolas metralhadoras):

            EXÉRCITO:
            Operações Especiais (CTOE)
            Espingarda automática HK 416A5 (calibre 5,56);
            Espingarda automática HK 417A2 (calibre 7,62);
            Espingarda de precisão HK G28 (calibre 7,62)
            Lança granadas HK 269 (calibre 40 mm);
            Espingarda automática HK G36 (calibre 5,56);
            Metralhadora ligeira HK MG4 (calibre 5,56).

            Comandos:
            Espingarda automática HK G36;
            Metralhadora ligeira HK MG4;
            (A maior parte do pessoal ainda equipado com a G-3 e a SIG SG 543).
            Restante pessoal do Exército equipado com G-3.

            MARINHA:

            Destacamento de Acções Especiais (do Corpo de Fuzileiros):
            Espingarda automática HKG36;
            Lança granadas HK AG36 (calibre 40 mm)

            Polícia Marítima (Grupo de Acções Tácticas):
            Espingarda automática HK 416A5.
            Restante pessoal da Armada usa a G-3

            FORÇA AÉREA:

            Grupo de Controlo Aéreo Táctico (TACP):
            Espingarda automática HK 416A5
           
            Unidade de Protecção de Força (UPF):
            Espingarda automática HK G36;
            Espingarda de precisão HK G28;
            Lança granadas HK AG36 (calibre 40mm);
            Metralhadora ligeira HK MG4;
            Metralhadora média HK MG5 (calibre 7,62).
            Restante pessoal da Força Aérea utiliza a G-3.

            GNR (Unidade de Operações Especiais):
            Espingarda automática HK 416A5;
            Espingarda automática HK 417A2;
            Lança granadas HK 269 (calibre 40mm);
            Espingarda automática HK G36;
            Restante pessoal da GNR usa a G-3.

            PSP / GOE:
            Espingarda automática HK G36 (e outras);
            Lança granadas HK AG36 (calibre 40mm).
            Restante pessoal da PSP usa a G-3.

            Os dois últimos concursos públicos que se conhecem, em que se tentou comprar uma espingarda automática, ocorreram em 2004 (creio) e depois em 2006 O primeiro, teve o apoio de um departamento técnico do Instituto Superior Técnico, no âmbito da análise multicritério, que acabou impugnado por uma das partes que concorreu; e o segundo foi expurgado do que poderia vir a constituir base de impugnação, tendo-se realizado testes exaustivos, em Mafra.
            Quando estava tudo pronto, por razões que o abaixo - assinado desconhece, não houve decisão sobre o assunto e o concurso aparentemente, morreu de morte natural.
            É necessário dizer que tais concursos são muito complexos, trabalhosos e caros, necessitando de um grande investimento das partes concorrentes. Por vezes os resultados (sempre demorados) podem dar origem a indemnizações.
            Por outro lado parece haver uma facilidade muito grande dos juízes dos tribunais aceitarem toda a providência cautelar que lhe é submetida, pondo-se ainda a questão de se saber qual o grau de conhecimento que um tribunal dispõe para avaliar sumariamente, um assunto de tamanha complexidade e especificidade. Mesmo avaliando apenas a matéria jurídica.

                                                                *****
            A novidade do actual concurso para aquisição da nova arma foi o facto de ter sido atribuído à “NATO Support and Procurement Agency” (NSPA), (antiga NAMSA), servindo assim de uma espécie de intermediário do Estado Português.
            A definição dos requisitos operacionais foi atribuída ao Estado-Maior do Exército (a arma destina-se a este Ramo e não aos outros, o que consideramos um erro, como acima já ventilado), sem a ingerência da antiga Direcção - Geral de Armamento e Equipamento do MDN, agora Direcção – Geral de Recursos.
            Para acompanhar o assunto foi constituído um grupo de trabalho, cujos membros estão referidos no despacho supra dois dos quais são da Direcção – Geral de Recursos)
            Não se sabe exactamente porque se optou por esta modalidade de aquisição, mas estamos em crer, que assim se tanta evitar o problema das “comissões” e passando a pressão de eventuais “lobbies” para a NSPA.
            Além disso desaparece o problema das “contrapartidas”, se é que as há, que eram uma dor de cabeça para negociar e depois ninguém cumpria…
            Porém, o Estado Português demitiu-se de, certo modo, em escolher o que melhor lhe servirá; não se sabe bem que testes e avaliações serão feitos, bem como o número de concorrentes, tornando-se mais difícil ter acesso a toda a informação existente daí a importância do tal GT mencionado).
            Aparentemente o processo está avançado e existem duas armas em “competição” final: a FN, belga (modelo SCAR) e a HK 416A5 e A2, alemãs. [1]
            Sem entrarmos em especificações técnicas, convém dizer que, por decisão ministerial, a arma a comprar deve estar já em uso em dois países da NATO.
            Torna-se ainda necessário definir o que se entende como arma de serviço padrão e arma de serviço limitado.
            Basicamente a definição de “padrão” destina-se a uma arma que irá equipar um ou mais Ramos das Forças Armadas; enquanto as “serviço limitado”, são de emprego restrito ou especializado.
            Existe alguma controvérsia sobre a necessidade ou pertinência de, actualmente, haver esta distinção.
            Ora se for verdade que as duas armas supra indicadas são as finalistas, a espingarda alemã leva grande vantagem (não se conhece se houve mais concorrentes).
            Em primeiro lugar porque está em uso em muitos países da NATO: a França, a Noruega, a Alemanha, a Holanda e, pasme-se, os EUA. Enquanto a FN apenas equipa as forças belgas e, em parte as da Lituânia.
            As HK 416 A5/A2, já foram amplamente testadas em combate e têm dado muito boa conta de si, não havendo aspectos negativos reportados.
            Acresce que já está em uso em várias unidades e subunidades dos três Ramos e na GNR.
            Aparentemente a FN tem a seu favor o preço e o facto da fábrica da espingarda alemã, dado o volume de encomendas que tem, ter mais dificuldade em entregar a totalidade das armas nos prazos requeridos (até 2022).
            As quantidades de material a adquirir pelo Estado Português estão especificadas no Despacho Ministerial já referido, num total de 42 milhões e 828 mil euros (divididos em seis anos – 2017-2022), e estão assim discriminadas:
            - Onze mil espingardas automáticas (5,56mm);
            - Trezentas espingardas automáticas (7,62mm);
            - Oitocentas e trinta metralhadoras ligeiras (5,56mm);
            - Trezentas e vinte metralhadoras médias (7,62mm);
            - Quatrocentas e cinquenta espingardas de precisão (7,62mm);
            - Mil e setecentos lança - granadas;
            - Trezentas e oitenta caçadeiras;
            - Três mil e quatrocentos aparelhos de pontaria.
            As verbas a utilizar são as consignadas na Lei de Programação Militar (até hoje nunca nenhuma destas leis foi cumprida e cada vez que são revistas, sofrem cortes…).

                                                             *****
            À laia de conclusão não faz muito sentido, que as forças nacionais, não tenham todas a mesma arma, e por maioria de razão, as Forças Especiais.
            Veja-se o que aconteceu recentemente na República Centro - Africana em que o pessoal dos Comandos foi para lá armado de G-3 e quando foram substituídos pelos para-quedistas, para não se ter que se transportar as G-3 para cá e levar as “Galil” (que os páras usam) para lá, teve que se reconverter a companhia de paraquedistas à G-3…
            E assim estamos em vias (embora seja mais prudente actuar como o S. Tomé) de resolver, apesar de parcialmente, o magno problema da substituição da “velhinha” G-3, por uma arma adequada aos tempos e necessidades actuais.
            Já que se esperou tanto tempo, ao menos que se escolha bem.
            Agora já não há a desculpa de estarmos “orgulhosamente sós”, sermos uns “perigosos colonialistas” e ninguém nos querer vender seja o que for…
            Isto de comprar armamento exige competências alargadas e foi sempre um caso “bicudo”…




                                                     João José Brandão Ferreira
                                                           Oficial Piloto Aviador


[1] Não deixa de ser curioso que no seguimento da eclosão da barbárie genocida em Angola, em 1961, se tenha tentado comprar espingardas FN belgas, mas o governo belga torceu o nariz ao negócio (por razões politicas) e foram os alemães que se dispuseram a vender a G-3.

È nisto que estamos...


O video que nos "esquecemos" de fazer...

https://www.facebook.com/RTVCE/videos/495705720598494/?pnref=story  

Nova moeda britânica


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Afonso Lopes Vieira: Presente!

Afonso Lopes Vieira: Presente!

Nesta época de crise, desalento e pobreza, em que se começa a ter
dúvidas sobre a viabilidade de PORTUGAL, faz-nos bem recordar, ainda
que seja com um sorriso, este poema do poeta AFONSO LOPES VIEIRA...

Por uma vez, alguém, que contrariando este fado português se mostra
cheio de um amor próprio que nos devia inspirar

 Pois bem          
por Afonso Lopes Vieira (1878 - 1946)

Se um inglês ao passar me olhar com desdém,

num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!

se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,

fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.

Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,

fui eu que t'as cedi num dote de princesa.

e para te ensinar a ser correcto já,

coloquei-te na mão a xícara de chá...



E se for um francês que me olhar com desdém,

num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!

Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa

de ter sido cigarra antes da Provença.

Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei

Antes de Montgolfier, um século! Voei

E do teu Imperador as águias vitoriosas

fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas

o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,

por essa Espanha acima, até casa a coxear



E se um Yankee for que me olhar com desdém,

Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!

Quando um dia arribei á orla da floresta,

Wilson estava nu e de penas na testa.

Olhava para mim o vermelho doutor,

— eu era então o João Fernandes Labrador...

E o rumo que seguiste a caminho da guerra

Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.



Se for um Alemão que me olhar com desdém,

num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!

Eras ainda a horda e eu orgulho divino,

Tinha em veias azuis gentil sangue latino.

Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...

Siguefredos hei mil, mas de real valor.

Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!

Os Nibelungos meus estão vivos na História.



Se for um Japonês que me olhar com desdém,

num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!

Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!

Sou eu que num baixel levei a Europa á tua ilha!

Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça

belicosa do mundo e do futuro ameaça.

Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda

foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.



Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;

Vejo no firmamento as estrelas de Deus,

e penso que não são oceanos, continentes,

as pérolas em monte e os diamantes ardentes,

que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:

— São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,

extasiado fixou pela primeira vez...

Estrelas coroai meu sonho Português!



P.S.

A um Espanhol, claro está, nunca direi: — Pois bem!

Não concebo sequer que me olhe com desdém.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

DATA ESPECIAL DA NAÇÃO PORTUGUESA: 8 DE DEZEMBRO


DATA ESPECIAL DA NAÇÃO PORTUGUESA: 8 DE DEZEMBRO
18/12/18

“Salve, Nobre Padroeira,
Do povo teu protegido,
Entre todos escolhido,
Para povo do Senhor.
Ó glória da nossa Terra,
Que tens salvado mil vezes!
Enquanto houver Portugueses,
Tu serás o seu amor!”

Padre Francisco Malhão

            Há datas que marcam a História dos povos.
            É o caso do 8 de Dezembro de 1646.
            Dia que, ao abrigo do artigo 3º da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 2004, é uma festa de guarda e feriado nacional de âmbito religioso, que coincidiu até há pouco tempo (e devia ter continuado) como “Dia da Mãe”.
            Mas é muito mais do que isso.
            O Culto Mariano corre paredes-meias com a História de Portugal desde o seu início. Maria, Mãe de Jesus, sempre teve um lugar especial no coração dos portugueses e não tem paralelo com outros povos. Por isso, tem toda a propriedade chamar ao país da extrema ocidental da Europa, a Terra de Santa Maria. E não é por acaso que a maioria das mulheres portuguesas tem o termo “Maria” no seu nome. O que, infelizmente tem vindo a ser maculado por modismos espúrios de Cátias, Tatianas e Vanesas…
            Mas, também, qual a matriz cultural portuguesa que não tem vindo a ser maculada nas últimas quatro décadas?
            A festa da Imaculada Conceição foi inscrita no calendário litúrgico pelo Papa Sisto V, em 28 de Fevereiro de 1477.
            A Imaculada Conceição (concepção) da “Virgem” Maria foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX, através da Bula “Ineffabilis Deus”, em 8 de Dezembro de 1854.
            A Igreja considera que o Dogma é apoiado pela Bíblia, bem como pelos escritos de Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrósio de Milão. [1]
            Em Portugal a devoção a Nossa Senhora da Conceição é muito antiga, sabendo-se que se rezou uma missa pontifical de acção de graças em honra da Imaculada Conceição, após a conquista de Lisboa aos mouros, em 1147.
            E, segundo a tradição secular, após a Batalha de Aljubarrota, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira (São Nuno de Santa Maria), mandou construir a Igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, consagrando o novo Templo a Nossa Senhora da Conceição, o primeiro construído em toda a Península Ibérica com este fim. Encomendou ainda, em Inglaterra, uma imagem em pedra da dita Senhora, para ser Venerada nessa igreja e onde ainda permanece. [2]
            O culto foi tomando raízes, com a fundação de muitas Irmandades, a mais antiga das quais é a da actual freguesia dos Anjos, em Lisboa, criada em 1589.
            Mas o facto verdadeiramente notável (creio que único no mundo), que veio a ocorrer, foi a decisão do Rei, Senhor D. João IV, após ter apresentado (e sido aprovado) nas Cortes Gerais de 1645/1646 ter, por provisão régia de 25 de Março deste último ano, proclamado solenemente que Nossa Senhora da Conceição seria a Rainha e Padroeira de Portugal e de todos os seus territórios ultramarinos.
            É mister recordar tal proclamação, que devia ser tida como estruturante da Nação Portuguesa e um dos nossos “segredos” de família: “… assentamos de tomar por padroeira de Nossos Reinos e Senhorios, a Santíssima Virgem, Nossa Senhora da Conceição, na forma dos Breves do Santo Padre Urbano 8º, obrigando-me a aceitar a confirmação da Santa Sé Apostólica e lhe ofereço em meu nome e do príncipe D. Theodósio, e de todos os meus descendentes, sucessores, reinos, senhorios e vassalos e Sua Santa Caza da Conceição esta em Vila Viçosa…”.
            Nesse mesmo dia 25 de Março de 1646, foi realizada uma sessão solene de juramento na Capela Real dos Paços da Ribeira, onde participaram o Rei, o Príncipe herdeiro, os grandes da Nobreza, os representantes do povo e os cinco bispos presentes.
            A Confirmação Papal levou, todavia, 25 anos a concretizar-se, devido a intrigas dos Reis Espanhóis, só vindo a acontecer em 1671, através de breve de Clemente X. Ou seja três anos após ter sido firmado o Tratado de Lisboa, de 1668, que punha termo a 28 longos anos de lutas e sacrifícios de todo o tipo, pela consolidação da nova Dinastia (herdeira ainda, de Nuno Álvares Pereira) e pelo fim da Coroa Dual Filipina, que restituía a Portugal, a sua total soberania debaixo de um Rei natural.
            As razões que levaram a esta atitude do monarca português não estão, ainda hoje, completamente dilucidadas e percebidas.
            A partir de então os reis portugueses nunca mais usaram Coroa e Ceptro permanecendo estes ao seu lado direito, em cima de uma almofada, em ocasiões solenes.
            Deste modo a Imaculada Conceição de Maria, vingou em Portugal muito antes de a Igreja a assumir como dogma de Fé.
            O Rei D. João V, em 1717, enviou uma circular à Universidade de Coimbra e a todos os prelados e colégios do Reino, recomendando-lhes a celebração anual da festa da Imaculada Conceição, nas suas Igrejas, em memória do juramento de D. João IV.
            Em 6 de Fevereiro de 1818 – dia da sua Aclamação, no Rio de Janeiro – o Rei D. João VI, instituiu a Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em preito do país, por ter sobrevivido, como reino Independente, às guerras napoleónicas.
            O Rei era o grão-mestre desta nova ordem dinástica.
            A República extinguiu a Ordem, como Ordem Militar, mas D. Manuel II e seus descendentes vêm continuando a usar as insígnias da mesma, a qual continua em vigor, estando os seus membros sempre presentes na grande peregrinação anual que se realiza no dia 8 de Dezembro, ao Santuário de Vila Viçosa, também conhecido por “Solar da Padroeira”.
            Não foi este ano excepção, onde pude observar que a tradição está viva e recomenda-se.
            Muito povo nas ruas, nas janelas – onde em muitas ainda se observa o bonito costume de colocar as melhores colchas das famílias, nos varandins – e incorporados na procissão, que sai do Castelo, percorre várias artérias e o centro da vila e regressa à sua casa na igreja daquela vetusta fortaleza.
            Atitude respeitosa de todos.
            Quando a procissão passa pela grande praça que se abre para o Palácio dos Duques de Bragança, junta-se a ela uma coluna enorme de cavaleiros e charretes, com os seus trajes típicos portugueses, com os representantes da Cavalaria Portuguesa (neste caso do Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz) que são oriundos de Olivença, terra cativa …
            Contei cerca de 200 cavaleiros e charretes.
            Enquadramento religioso a preceito, não se vislumbrando, porém, qualquer bispo, provavelmente por o Arcebispo de Évora (a que pertence Vila Viçosa) ter estado na missa celebrada nessa manhã.
            Eis a Peregrinação do 8 de Dezembro.
            Valor histórico a preservar, tradição a manter, cerimónia a valorizar, enquadramento cívico e significado político-religioso a difundir, explicar e interiorizar.
            A chave de tudo está na quadra do poeta Padre Malhão: “enquanto houver portugueses”…




                                                               João José Brandão Ferreira
                                                                  Oficial Piloto Aviador


[1] O Papa expressou-se nos seguintes termos: “Em honra da Santa e Indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda a mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis”.
[2] Devido a queixas relativamente ao seu peso e concomitante dificuldade em transportar a estátua, em andor, durante as procissões, o herdeiro da coroa, D. Duarte Pio de Bragança, mandou, recentemente fazer uma nova estátua idêntica mas de madeira, que é aquela que percorre agora, as ruas da Vila.