terça-feira, 18 de março de 2014

A DESPEDIDA DO CEMGFA E A FLORESTA DE EQUIVOCOS!

“Aquilo que cada um pensa,
Aquilo que cada um diz,
Aquilo que cada um faz,
Na mesma pessoa coexistem,
Mas raramente coincidem.”
Do Autor

Em 26/1/13 escrevi um artigo intitulado “Os Chefes Militares e a Matemática” onde equacionei o cenário do fim de mandato do General Luís Araújo como CEMGFA e a sua possível substituição.
Já se sabiam, na altura, quais os diferentes cenários possíveis, tendo-se concretizado o mais verosímil.
Sem embargo após a saída natural do CEMGFA por limite de tempo em funções (7/2/14) e posterior transição para fora do serviço activo, por limite de idade, em 25 do mesmo mês, surgiu na imprensa uma realidade que não lembraria ao “Estado-Maior”, como se diria em linguagem castrense.
De facto soube-se pela Comunicação Social – e seria curioso saber como e porquê – que o então CEMGFA solicitou a passagem à situação de reforma antes do fim do ano de 2013 (para o dia 30/12),não informando disso, directamente, o Presidente da República (de quem depende como Comandante Supremo das FAs – e quem o nomeia); o Ministro da Defesa (que representa o Governo – que o indigita – de quem também depende funcionalmente) e, parece outrossim, o Conselho de Chefes, que são os seus pares, tão pouco quem com ele trabalhava mais directamente o que, não sendo obrigatório, convenhamos, que não pareceria mal.
Porque o fez? Aparentemente para não ser “roubado”, a fazer fé em artigo de jornal, tido como de referência.
Este verbo, que subentende uma acusação com foros de gravidade, encontra a sua justificação no facto do Governo ter deixado de considerar uma “cláusula de salvaguarda” no orçamento de 2014, aplicada a quem passasse à reforma voluntária (60 anos e tempo de serviço), o que lhes permitiria não serem prejudicados.[1]
Tal cláusula aplicava-se, salvo erro, a partir de 31 de Dezembro de 2010 e só muito perto do fim do ano de 2013 se soube que não ia ser considerada para o ano seguinte.
Aqui a comunicação Governo/FAs também parece não ter andado muito bem.
Deste modo o General Araújo seria prejudicado no ano corrente o que, naturalmente o terá revoltado.

Neste âmbito, toda a razão lhe assiste.
Porém, a sua razão aparenta terminar aqui pois toda a sua acção subsequente não é conforme ao seu estatuto de militar, muito menos ao de ser a mais alta figura militar.
Em primeiro lugar porque se trata de uma ilegalidade: ninguém pode estar em funções de comando depois de requerer a sua passagem à reforma. Acresce que o processo necessita estar devidamente informado o que, a acreditar na tal notícia, não estava.
Tal facto levanta ainda duas questões: se não estava devidamente informado como foi parar à CGA? E como é que esta, passado pouco tempo – lembro que há processos que demoram anos – o deferiu?
A “papelada” seguiu através da FA, como é usual, ou chegou lá directamente?
Pareceu-me também inferir uma desculpa de que o processo não teria que ser remetido para a FA dado que o subscritor era mais antigo que o CEMFA. Se for verdade é um argumento extraordinário dado tratar-se de um procedimento administrativo que passa à margem de qualquer subordinação hierárquica.
Cada Ramo trata dos seus homens dade que são recrutados até que dão baixa para a cova! Aliás quando o Ex – CEMGFA saiu do edifício do Restelo, foi com guia de marcha para Alfragide, de regresso ao seu Ramo de origem. E com um erro (por ignorância?) pois lá dizia que se destinava a passar à reserva e não à reforma, como já tinha sido solicitado.
As irregularidades acabam aqui, podemos passar ao mais importante. E o mais importante é a questão ético-deontológica.
Um militar e por maioria de razão o chefe militar de mais alta graduação, tem que ser leal para com os seus superiores, iguais e inferiores o que, no caso vertente, implicava a informação do que ia fazer (onde entra a tal questão de fazer o que se diz e dizer o que se pensa…).
E só sendo leal se pode exigir reciprocidade.
Ora tal não foi feito, conforme assumido pelo próprio. Para não ser “roubado”.
Mas se achava que estava a ser roubado só tinha uma coisa a fazer, era denunciar a situação, protestar e, ou, activar os mecanismos legais ao seu dispor (ou dar um murro no ministro).
Como nada disto aconteceu a atitude do então CEMGFA apenas pode ser vista como um “chico-espertismo”, não compatível com a condição militar. E esta não pode (nem deve) ser invocada apenas quando interessa…
Ou seja o General Araújo quis ter, em simultâneo, “sol na eira e chuva no nabal”. E sair-se a rir.
Será que os seus subordinados também não têm o direito de se saírem a rir?
Duas questões alimentaram vivamente este putativo “chico-espertismo”: a primeira sendo o “mantem-no na dúvida” do Governo, em lhe arranjar, ou não, um novo cargo, nomeadamente na estrutura da NATO; depois na incerteza sobre um eventual prolongamento da sua função como CEMGFA.
Esta última hipótese foi acalentada através de duas outras questões, a saber: através do aumento da idade da reforma para a função pública, de 65 para 66 anos, ou pela alteração do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), que está em revisão.
Quanto à primeira questão notou-se clara ingenuidade e ignorância das partes (gabinetes jurídicos incluídos), dado que a lei da função pública não se sobrepõe ao EMFAR.
Finalmente o Ex-CEMGFA sai muito mal em todo este filme, dado que mostrou preocupar-se apenas com o seu bolso.
Ora faz parte da Deontologia Militar que qualquer comandante se deve preocupar em primeiro lugar com o cumprimento da sua missão (e a Nação); depois com os soldados, seguidamente com os sargentos, finalmente com os oficiais.[2] Do mesmo modo, comandante que se preze é o último a abandonar o seu navio ou avião.[3]

Ou seja um comandante deve preocupar-se com a sua pessoa apenas em último lugar.
É claro que encontrar, hoje em dia, políticos que entendam isto não é fácil. Mas as tropas percebem e reconhecem estas atitudes muito bem. E os cidadãos bem formados também.
E são esses que devem interessar.
Ora, infelizmente, em todo o seu consulado como CEMFA e CEMGFA, não se lhe conhece um gesto que seja, uma atitude, um rasgo, nada, que possa ser invocado na defesa da Instituição Militar (IM), como um todo, ou na dos seus servidores, em particular.

Em todas as barbaridades que os políticos foram fazendo (Saúde Militar; Justiça Militar; operacionalidade das tropas; orçamentos; alienação de bens; IASFA; complemento de pensão; fundo de pensões, promoções, colégios militares, eu sei lá!), a frase mais empregue e que bem o pode caracterizar, foi a de que “estava tranquilo”.
Mas mal reparou que podia ser prejudicado em 700 euros, caramba, “aqui d’ el-rei”![4]

Colocou-se ainda a questão de se saber se as decisões tomadas depois de 31/12/13 podiam estar feridas de nulidade mas, aparentemente, tal situação está salvaguardada por não se encontrar nenhum documento com a data posterior a 27/12.
Finalmente, o último chefe militar restante, que ainda combateu nas derradeiras campanhas ultramarinas portuguesas – e onde mostrou ser um bom combatente, ao ponto de ter sido agraciado com a medalha da cruz de guerra – acabou manchando a sua carreira, não só em termos pessoais (de que não viria grande mal ao mundo) mas, sobretudo, porque o seu gesto se reflete em toda a IM e isso, sim, é grave.

E com esta atitude deve ter-se condenado a não ser agraciado em futura cerimónia, com qualquer outra condecoração com a qual, porventura, quem de direito o quisesse distinguir.
Foi triste, foi pena e foi escusado.
Ficaria bem um pedido de desculpas.



[1] O General Pinto Ramalho, antigo CEME, terá ponderado o que fazer, já depois de ter terminado o seu mandato à frente do Exército, tendo pedido para passar à reforma. Depois solicitou que ficasse sem efeito o pedido, fazendo um novo, para ficar na reserva, o que foi concedido. Uma situação distinta.
Convenhamos que dada a velocidade a que o MDN vai mudando a legislação não é nada fácil que alguém saiba a quantas anda…
[2] Excepção para os oriundos de Cavalaria, em que os cavalos e muares preferem às tropas – o que também tem a sua lógica!
[3] Lembram-se do choque que constituiu o comportamento lamentável do Comandante do “Costa Concórdia”? E nem sequer era militar…
[4] O D. R. 2ª série, nº47, de 7/3/14, p. 6450 refere que a sua pensão de reforma é de 5980.84 euros.

2 comentários:

R. Santos disse...

Triste e escusada foi esta sua publicação.

joaquim disse...

Meu caro amigo

Sem os teus conhecimentos que envolve todo o assunto, pensei exactamente isso, ou seja, que não ficava nada bem eticamente e não só, o "chico-espertismo" da pessoa em causa,pelas razões que invocaste.

Um abraço
Joaquim Mexia Alves